O direito à morte é um direito à uma vida digna?

Lucas Barros

Além das Montanhas

Jovem, advogado criminal, Chevalier na Ordem DeMolay e apaixonado por Nova Friburgo. Além das Montanhas vem para mostrar que nossa cidade não está numa redoma e que somos afetados por tudo a nossa volta.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Há quem suspire ao ler sobre a morte natural, com a diferença de poucos dias e horas, entre um e outro, de um casal de mais idade. A romantização da dor da perda – que não tem nada de romântico – apenas mostra que a ausência do outro, às vezes, é tão insuportável que chega a ser fatal.

Até que a morte os separe? Pois bem, existem pessoas que não seguem a esta lógica e escrevem verdadeiros romances na vida real. Afinal, quem é que nunca conheceu um casal que foi perdidamente apaixonado um pelo outro ao longo da vida e logo quando um dos cônjuges veio a falecer, o outro logo depois também morreu?

Eu acredito ter ouvido muitos desses casos ao longo da minha vida. Até mesmo de cônjuges que não sabiam da morte do outro, e logo depois vieram também a “descansar”. Entretanto, apesar de romantizarmos a morte em alguns momentos, a verdade é o que assunto ainda é um verdadeiro tabu em nossa sociedade.

De mãos dadas ao último adeus

Nos últimos dias, um caso chamou bastante atenção de todos. O ex-primeiro-ministro da Holanda, Dries van Agte e sua esposa Eugenie van Agt-Krekelberg optaram por uma eutanásia dupla e morreram de mãos dadas no último dia 5. Ambos tinham 93 anos de idade.

O ex-premiê holandês não tinha se recuperado plenamente de uma hemorragia cerebral, sofrida em 2019, que lhe deixara muitas sequelas, lhe afastando do público e de seu trabalho de militância. Sua esposa, optou por não viver sem o marido, ainda de acordo com a fundação criada por ela.

A Holanda foi um dos primeiros países do mundo a legalizar a eutanásia. Desde 2002, o procedimento é realizado quando o paciente está em sofrimento, sem perspectiva de alívio ou cura, e queira, por sua vontade própria, morrer de forma assistida e humanizada. Na prática, dois médicos precisam dar autorização, para que o procedimento ocorra.

A eutanásia dupla, em que casais optam por morrer juntos com assistência médica, passou a ser registrada a partir de uma revisão de casos ocorrida em 2020. Naquele ano, 26 pessoas passaram pelo procedimento. Em 2021, foram 32. E 2022, os registros aumentaram expressivamente para 58.

Além da Holanda, outros países como Bélgica, Luxemburgo, Colômbia, Canadá, Espanha, Portugal, Nova Zelândia e Argentina adotam a prática. O ato de não querer prolongar tratamentos que mantenham artificialmente a vida de pacientes por sintomas terminais e irreversíveis ainda é um tabu no Brasil.

Conflitos de direitos e interesses

O inferno, segundo os críticos, seria o destino de quem afronta o “tempo de Deus”. Já outras pessoas, tratam a prática com mais naturalidade, especialmente diante de casos em que a dor do paciente em estar más condições de saúde é quase como uma submissão a uma tortura física e psicológica.

Casos famosos não são difíceis de serem encontrados. O ex-comediante nordestino Shaolim e o ex-piloto de Fórmula 1, Michael Schumacher, sofreram lesão medular, e apesar de conscientes, nada podiam/podem fazer. Em outros casos, doenças irreversíveis como Esclerose Lateral Amiotrófica, que acometeu o ex-astrônomo, Stephen Hawkings, trazem dor ao paciente até a morte.

Apesar de parecer mais humano e coerentes que essas pessoas possam escolher não querer mais viver nestas condições, a prática não é legal no Brasil. As penas para quem causa a morte de um doente podem variar de dois a seis anos, quando comprovado motivo de piedade, a até 20 anos de prisão.

Na Constituição Brasileira, vivemos um embate entre “a dignidade da pessoa humana” e “o direito à vida”, trazendo à tona os debates sociais, religiosos e jurídicos sobre a prática no país. Para uns, a morte é parte inexorável da vida. E se as pessoas têm o direito de viver com dignidade sua própria morte, surge a necessidade de legislar sobre o morrer de forma digna.

Contudo, no Brasil, no artigo 5º de sua Constituição, o direito à vida prevalece como fundamental ao ser humano. Protege-se a vida mesmo quando o seu titular tenta tirá-la. Esse direito é garantido em todas as legislações modernas do mundo, como razão da existência do ser humano com capacidade de fruir de todos os demais direitos.

Um debate extenso, mas necessário

O que muitos julgam ser o contrário de “viver”, é na verdade, uma das etapas inevitáveis da vida pela qual todos nós passaremos. Apesar de não pensarmos no assunto com frequência, todos nós iremos um dia deixar de existir - ao menos num plano físico, a depender da sua crença. Morrer é inevitável.

Devemos continuar a entender que a medicina já não pode seguir o princípio de sustentar toda a vida humana de qualquer jeito, sem que demos a devida atenção à dignidade humana? Ou devemos entender que a permissão de morte de uma forma humanamente digna não pode ser levada em conta?

É importante esclarecer que não se deve confundir “morte digna” com nenhum método de suicídio. Afinal, o direito a viver de forma digna implica também no direito a morrer dignamente? Ao meu ver, não há nada que seja mais cruel que obrigar uma pessoa a sobreviver em meio a padecimentos oprobriosos, em nome de crenças alheias.

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