“Passagem em Friburgo poderia custar R$ 3,50”, diz diretor de empresa de ônibus

Operando sem contrato desde 2018, Faol justifica valor de tarifa, cobra subsídio da prefeitura e diz ser preciso a revisão de gratuidades
sábado, 15 de agosto de 2020
por Guilherme Alt (guilherme@avozdaserra.com.br)
Idoso embarca em ônibus em Nova Friburgo (Fotos: Henrique Pinheiro)
Idoso embarca em ônibus em Nova Friburgo (Fotos: Henrique Pinheiro)

Em maio de 2017, um novo grupo assumiu a direção da empresa de transporte coletivo de Nova Friburgo, a Faol (Friburgo Auto Ônibus). De acordo com a concessionária, desde então, entre os investimentos, está a aquisição de 95 veículos novos, quase todos com suspensão a ar, ar-condicionado e GPS. Essas melhorias servem para compor, entre outros fatores, os R$ 4,20 cobrados a cada viagem. A tarifa é alvo de críticas não só dos usuários, mas também de vereadores e até da própria diretoria da empresa.

Para tirar todas as dúvidas com relação ao preço da passagem de ônibus, A VOZ DA SERRA entrevistou o diretor da Faol, Paulo Valente, assim como o presidente da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Serviços Públicos e Concedidos e Apoio aos Usuários, da Câmara Municipal, o vereador Zezinho do Caminhão.

Na sede da concessionária, em mais de duas horas de entrevista, pudemos conferir toda a planilha de gastos da empresa, assim como um simulador do preço da passagem em que é possível calcular os valores que compõem a tarifa. Durante a conversa, Paulo Valente (foto)  frisou que a planilha, bem como as propostas para melhorar o transporte público, foram apresentadas ao prefeito Renato Bravo, vereadores e Ministério Público. “Aqui não tem caixa preta”, afirmou Valente.

Segundo explicou o diretor da empresa, compõem o preço da passagem: combustível, pneu, câmara de ar, protetor para veículo, chassi, carroceria, motorista, fiscal, despachante, controlador, benefício, responsabilidade civil, seguro obrigatório, IPVA, custo do veículo, manutenção, frota, rodagem, peças, acessórios, depreciação total, funcionários e despesas administrativas.

Gratuidades

Um dos principais fatores que oneram a empresa e contribuem para uma tarifa alta é a gratuidade, informou Valente ao afirmar que se houvesse revisão na política de isenção tarifária, seria possível reduzir o preço da passagem. “Precisamos ter pagantes e não uma tarifa cara. A quantidade de pagantes está caindo e a de gratuidades aumentando. Quem paga o custo dessas gratuidades é a população. Se todos os usuários pagassem, a tarifa em Friburgo poderia cair até para R$ 2,38”, destacou.

Ainda de acordo com Valente, a Faol teve prejuízos com a falta de reajuste entre 2018 e 2019, mas com a promessa de que esse débito seria ajustado com a prefeitura, o que não aconteceu. “A passagem antes deveria custar R$ 4,23 e estávamos recebendo R$ 3,95. Tivemos que fazer empréstimos para cobrir gastos e a prefeitura ficou de acertar essa diferença. Por conta disso, deixamos de recolher os tributos municipais (ISS, a outorga etc), mas quando chegou o momento desse ajuste, a prefeitura não cumpriu com o combinado e cobrou os impostos atrasados. Parcelamos o débito e estamos pagando”, justificou.

O diretor da concessionária também imputou a um decreto legislativo a responsabilidade no aumento das gratuidades. “Concederam gratuidade às pessoas de 60 a 64 anos e querem estender a outros públicos. Quem paga tudo isso? Não é a Faol, mas  creditam essa culpa à empresa. A tarifa poderia ser mais barata e temos uma série de propostas feitas à prefeitura. Os vereadores deram essa gratuidade e tiraram da Faol R$ 600 mil, ou seja, esse valor é dividido pelos pagantes. Mesmo depois da flexibilização, a quantidade de passageiros pagantes caiu 50% e a empresa é cobrada para operar com 100% da frota”, observou.

Empresa sabia dos riscos, diz vereador  

De acordo com o vereador Zezinho do Caminhão, apesar de entender as dificuldades da empresa de ônibus, ele alerta que o grupo que assumiu é experiente no ramo e sabia das condições para assumir a responsabilidade do transporte público no município. “O que eu percebo é que o grupo teve lucro bem menor do que o projetado. Diante disso, a empresa começou a fazer uma série de cortes. O primeiro foi o cobrador. Houve a justificativa de que grande parte deles foi reaproveitada em outras funções – o que não é verdade – pouquíssimos foram aproveitados”, alertou o parlamentar.

O vereador também lembrou do início da gestão do grupo, há três anos. “Chegaram da noite para o dia. Fomos todos pegos de surpresa, inclusive a própria prefeitura. Houve uma irregularidade muito grave no momento em que eles assumiram a empresa: a falta de anuência da prefeitura, concedida anos depois”, completou Zezinho. Questionamos a prefeitura essa informação, mas para este item, não houve resposta.

Ainda segundo o vereador, o início da gestão do grupo foi marcado pelo descumprimento da Lei Orgânica. “Há um atropelo da lei que diz que o reajuste deve partir da prefeitura e para isso é preciso realizar uma audiência na Câmara, apresentar planilha com os estudos e os impactos que justificam o aumento da passagem. Nunca houve uma audiência desse tipo. As planilhas da empresa são uma caixa preta”, afirmou o parlamentar.

Sem contrato

Há quase dois anos a Nova Faol opera sem contrato. Na teoria, se a direção optar, pode, da noite para o dia encerrar suas atividades. O fato incomoda a empresa que quer equilíbrio na cobrança de suas obrigações. “O contrato só vale para um lado. Quando chega a hora da prefeitura cumprir com a parte dela, não pode. Os vereadores alegam que não podemos pedir aumento porque estamos sem contrato, então, já que eu não tenho contrato podemos retirar de circulação 69% das linhas que dão prejuízo e não conceder mais nenhuma gratuidade. Com isso, podemos cobrar até três reais pela passagem. Quando fazemos esse questionamento, eles alegam que há um contrato a cumprir. É só para prejudicar a empresa”, desabafou.

 “O prefeito teve tempo para se preparar e fazer a licitação (do transporte público), foi alertado pela Procuradoria do Município e aí veio uma série de atropelos. Existe um processo gigantesco no Ministério Público e deve vir penalidades pesadas para eles”, informou o vereador Zezinho.

O parlamentar alerta para o risco dessa ausência contratual. “Nós vivemos em uma das maiores aberrações jurídicas. Uma empresa opera um serviço concedido há quase dois anos, sem contrato formal com a prefeitura. É um risco muito grande porque se acontecer um acidente, quem vai responder? Como a prefeitura pode cobrar legalmente de uma empresa que nem possui contrato com o município?”, cobrou. Questionamos também ao município essas alegações do vereador Zezinho, mas para este item também não obtivemos resposta.

Subsídio da prefeitura

“Quando a tarifa foi reajustada para R$ 4,20 o custo da passagem real era de R$ 4,41. A prefeitura ficou de completar os R$ 0,21 com recurso do Fundo de Compensação Tarifária (Funcotar), previsto em lei. Quando ele ia usar esse dinheiro para a finalidade destinada, os vereadores acharam um absurdo. A prefeitura não paga desde março essa complementação que serviria para pagar combustível, prestação de ônibus, salário de funcionário etc. A prefeitura deixa de cumprir com a parte dela, mas cobra da Faol rodar com a frota toda” retrucou Paulo Valente ao se referir ao decreto municipal que determinou à empresa normalizar os serviços de transporte público em meio a pandemia.

Segundo Zezinho, ao usar a verba do Funcotar o município cometeu uma série de irregularidades. “Mesmo com ausência de contrato, a prefeitura permitiu um reajuste da passagem de R$ 3,95 para R$ 4,20, o que já é ilegal. Depois disso foi a uma ilegalidade ainda maior que foi subsidiar parte da passagem. É ilegal porque como se pode subsidiar uma empresa que não tem nem contrato? O pagamento desse subsídio começou com R$ 200 mil e passou para R$ 300 mil”, revelou. “Esse dinheiro sai da fonte 001 que é fonte de arrecadação própria do município e outra fonte de um fundo de mobilidade urbana. Por isso que eu e o vereador Marcinho entramos com um decreto legislativo para sustar a irregularidade do decreto do prefeito de reajustar a passagem”, detalhou Zezinho. 

Livre concorrência

“Um dos meus questionamentos ao Paulo Valente, assim que saiu o novo edital era se atendia a livre concorrência para que eles participassem e a resposta foi “sim”. Me chamou atenção que nesse edital o preço da passagem é de R$ 4,20, então como a empresa precisava de um subsídio para equilibrar essa tarifa? Quer dizer, se no edital diz que não vai ter nenhum subsídio, fica muito claro que esses R$ 4,20 atendem a empresa”, voltou a questionar Zezinho.

O vereador ainda fez um alerta. Com a licitação para um novo contrato de concessão do transporte público marcada para o próximo dia 25, se algum parlamentar paralisar o processo, Nova Friburgo pode começar 2021 sem transporte público. “Se durante todo o processo correr tudo certinho, a previsão é de que a empresa de ônibus vencedora comece a operar legalmente no início de dezembro. Se algum vereador fizer algum questionamento para parar este edital, podemos ter uma tragédia no transporte público, porque o próximo prefeito pode não ter interesse e a empresa de ônibus, sem contrato, ir embora”, teme.

Tarifa única

Paulo Valente também sugere ajustar a questão da tarifa única em Nova Friburgo. Hoje, um passageiro que quiser cruzar o município pode fazer isso pagando R$ 4,20 e viajar em dois ônibus, desde que use os cartões Riocard ou Fricard para fazer a integração em um intervalo de até duas horas. Esse também é o mesmo valor que um passageiro gasta ao se deslocar para uma distância menor, o que para o diretor, é injusto. “Esse passageiro que roda menos e poderia pagar R$ 2 ou R$ 3, paga muito mais caro para subsidiar o que mora longe. A tarifa única ficou cara, é outro ponto que é preciso discutir, mas ninguém quer”, aponta. 

Monitoramento e propostas

“Das viagens planejadas eu cumpro 99,5%, dessas, 97% cumprem com o horário. Quando uma linha deixa de cumprir a viagem eu tenho um relatório dos motivos: se o ônibus quebrou, qual o defeito, problema com o motorista, problema na estrada, tudo tem prestação de compra. A gente corre atrás nesse nível de detalhe”, disse o diretor da concessionária.

Paulo Valente revela que fez diversas propostas para o prefeito Renato Bravo em que sugere melhorias na prestação do serviço. Essas propostas também já foram apresentadas para alguns candidatos a prefeito. De acordo com o diretor, as principais propostas são: implementar um sistema tronco alimentador para reduzir sobreposição de linhas, reduzir quilometragem, quantidade de ônibus rodando sem necessidade; transformar linhas radiais e baixa demanda em diametrais; revisar trajetos e compartilhamento de veículos em diferentes linhas para reduzir rotas e serviços; priorizar ônibus no tráfego urbano com faixa exclusiva; obras de baixo impacto; escalonar horário de atividades urbanas; regulamentar o uso das gratuidades; rever a questão da tarifa única.

 “A prefeitura diz que o cartão vale-transporte tem que ser oferecido para todo mundo, mas o próprio município paga em dinheiro os seus funcionários. Me cobram algo que não fazem. Poderiam reverter os recursos de estacionamento público para subsidiar o transporte de quem usa, como é feito na Europa.”, sugeriu Paulo Valente. Perguntamos ao município se a prefeitura de fato fazia pagamento do vale transporte em dinheiro a seus funcionários, mas quanto a este questionamento, não obtivemos resposta.

 “No período pré-pandemia, a tarifa, com todas as nossas sugestões aceitas, poderia ser R$ 3,50. Isso, mantendo o nível de investimento, substituindo o resto da frota, mas buscando recurso como isenções tarifárias, receita de estacionamento público, prefeitura dando o vale transporte, aumentaria a quantidade de pagantes e diminuiria a conta. Eu tenho que reduzir custos para ter eficiência. Dar a gratuidade para quem realmente precisa. Hoje temos cerca de 45% dos usuários com gratuidade.”, finalizou.

O que diz a prefeitura

Em nota, a Prefeitura de Nova Friburgo informou que os reajustes anuais de tarifa sempre foram deferidos com base em planilhas apresentadas pela concessionária, índices oficiais de insumos dos itens que compõem a tarifa e de acordo com o confronto de informações da prefeitura frente aos documentos comprobatórios. Ainda de acordo com a prefeitura, os valores de ISS (Imposto sobre Serviços) e demais tributos incidentes sobre a prestação de serviços são derivados de leis tributárias. Os valores de outorgas são devidos por força do contrato de concessão, e assim como os de tributos devem ser pagos! “E, se não o foram cabem execuções na forma da lei pertinente”, informou a nota.

A prefeitura confirmou que no último reajuste para RS 4,20, concordou em pagar um valor em favor da Faol. A municipalidade aproveitou ainda para avisar sucessivas reuniões estão sendo mantidas com os proprietários da concessionária a respeito de reclamações e denúncias de usuários e associações sobre: supressões e fusões de linhas e itinerários, já tendo a concessionária sido notificada e advertida para que retorne de imediato a operar com todas as linhas, itinerários e coletivos, com as exceções havidas por decreto municipal no período de pandemia, tudo sob pena de multas e demais sanções.

“Primamos e orientamos aos representantes da empresa Faol que se atenham às suas obrigações e compromissos assumidos, o que de certo homenageia os serviços e evita a disseminação de dúvidas e equívocos, mormente em instrumentos cujas obrigações estão claras”, esclareceu a prefeitura, em nota. 

 

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