Os desafios da alfabetização em tempos de pandemia

Estudo da Unicef mostra que dois milhões de crianças não tiveram acesso à educação no ano passado, quando a maioria das escolas estava fechada
sexta-feira, 10 de setembro de 2021
por Christiane Coelho, especial para A VOZ DA SERRA
Os desafios da alfabetização em tempos de pandemia

O Dia Mundial da Alfabetização, celebrado na última quarta-feira, 8, foi criado em 1967 pelas Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A data tem como objetivo promover discussões e debates sobre a importância da alfabetização para o desenvolvimento social.

A alfabetização é um marco na vida de todo ser humano. E, hoje, se desenvolve no 1º ano do ensino fundamental, onde as letras e números começam a ganhar um novo sentido na vida das crianças, que iniciam o processo de reconhecimento de palavras e frases, com a leitura e a escrita. “A alfabetização é um processo contínuo de aquisições que ocorre durante toda a vida do indivíduo.

Quando as crianças começam a compreender os sons e a observar as palavras, já estão rumo à alfabetização. Mas é no ambiente escolar que a alfabetização das crianças, de fato, começa a ser desenvolvida. Na escola, porém, ela é submetida a uma alfabetização sistematizada, com exercícios e abordagens adequados para a sua idade. É um processo individual que precisa ser muito incentivado, precisa envolver o lúdico, o sensorial e uma didática que estimula a curiosidade da criança. 

A alfabetização diz respeito à função social da leitura e escrita, oferecendo oportunidades de compreensão a respeito do mundo, ampliando o conhecimento e abrindo as portas a esse novo universo”, explica a pedagoga e psicopedagoga, Suzana de Souza Amorim, assessora pedagógica do ensino fundamental da escola Centro Educacional Monnerat (CEM - Pontinha de Sol).

Mas, a presença física de um adulto auxiliando nesse processo, é fundamental, segundo especialistas, o que para muitos se tornou inviável durante a pandemia, com o fechamento das escolas e as aulas remotas. Além disso, a falta de acesso de muitos à tecnologia e à internet também dificultaram esse processo. Além das famílias de muitos alunos estarem nesse cenário, os governos também não ofereceram recursos aos profissionais de educação que, em sua maioria, tiveram que, além de se adaptar pedagogicamente, ainda arcar com recursos tecnológicos e de internet.

Mais de cinco milhões de crianças sem acesso à educação em 2020

De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), nos últimos anos, o Brasil vinha avançando, lentamente, no acesso de crianças e adolescentes à escola. Com a pandemia da Covid-19, no entanto, o país corre o risco de regredir duas décadas. Em novembro de 2020, mais de cinco milhões de crianças não tiveram acesso à educação no Brasil – número semelhante ao registrado no início dos anos 2000. Desses, mais de 40% eram crianças de 6 a 10 anos de idade, etapa em que a escolarização estava praticamente universalizada antes da Covid-19.

Com escolas fechadas por causa da pandemia, em novembro de 2020, pelo menos 3,7 milhões de crianças estavam matriculadas, mas não tiveram acesso às atividades escolares e não conseguiram se manter aprendendo em casa. A eles, somam-se outros quase 1,5 milhão de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos que não frequentaram a escola (remota ou presencialmente). No total, 5,1 milhões tiveram seu direito à educação negado em novembro de 2020.

A exclusão escolar na pandemia atinge sobretudo crianças de faixas etárias que encaram o desafio de aprender a ler e escrever. Dos 5,1 milhões de meninas e meninos sem acesso à educação em novembro do ano passado, 41% tinham de 6 a 10 anos de idade; 27,8% tinham de 11 a 14 anos; e 31,2%, de 15 a 17 anos – faixa etária que era a mais excluída antes da pandemia.

“Crianças de 6 a 10 anos sem acesso à educação eram exceção no Brasil, antes da pandemia. Essa mudança observada em 2020 pode ter impactos em toda uma geração. São crianças dos anos iniciais do ensino fundamental, fase de alfabetização e outras aprendizagens essenciais às demais etapas escolares. Ciclos de alfabetização incompletos podem acarretar reprovações e abandono escolar,” explica a representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer.

Os desafios da alfabetização online

Com o fechamento das escolas durante todo o ano de 2020, as crianças que estavam iniciando o 1º ano do ensino fundamental estavam ávidas para descobrir, através da leitura e da escrita, um mundo novo, que se descortinava na frente delas, quando iam decifrando o que aquele monte de letras juntas queria dizer. Mas, não chegaram a ter nem um mês de aulas. Veio a pandemia, o isolamento, num primeiro momento, de 15 dias. Depois mais 15...e, sem perspectiva de retorno, tudo teve que ser adaptado.

As casas tiveram que se transformar em salas de aula. Para quem teve condições, computadores e internet mais veloz foram providenciados. Para os profissionais de educação, um grande desafio, principalmente para os professores das turmas de alfabetização. “Ensinar é estar junto. Acompanhar o desenvolvimento do aluno em cada momento, intervir quando necessário, apoiar, incentivar, participar do aprendizado. Nas atividades remotas ficamos mais limitados em acompanhar, diretamente, os alunos. Criamos estratégias para minimizar esse distanciamento, contamos com o apoio das famílias e, assim, fomos minimizando essas dificuldades iniciais. Fomos aprendendo dia após dia e, assim, construindo um trabalho verdadeiro e produtivo”, explica a pedagoga e psicopedagoga, Suzana de Souza Amorim, assessora pedagógica do Ensino Fundamental do CEM-Pontinha de Sol.

E, nesse processo, a participação efetiva dos pais no ensino, é fundamental. Os pais de um menino que passou 2020 se alfabetizando remotamente, e não quiseram se identificar, vivenciaram na pele o que é ser professor. “Eu tive que sair para trabalhar por ser da área de saúde e meu marido ficou acompanhando esse processo com meu filho, que tinha dependência completa do pai para acompanhar todas as tarefas. Sem a presença dele, ao lado, nas aulas online, meu filho jamais teria conseguido se alfabetizar”, relata a mãe.

Para Suzana, durante a pandemia, a ligação entre família e escola sofreu reajustes, já que o processo de aprendizado saiu das salas de aula e adentrou as salas residenciais. “Assim,  não só aproximou familiares do cotidiano escolar dos filhos, como construiu um elo, uma parceria e uma nova relação entre pais/mães/responsáveis e instituições de ensino. No início do processo, a participação da família (ou de algum adulto) foi essencial. Em nosso contexto, as famílias compreenderam a importância do processo de alfabetização e se dedicaram intensamente para que as crianças pudessem passar por esse momento de forma leve mas, também, produtiva. Com o tempo e o trabalho sendo desenvolvido, os alunos foram ganhando autonomia, confiança e, muitas vezes, já dominavam o espaço e as atividades propostas”, explicou ela.

A rede pública e seus desafios

Se na rede privada, a alfabetização já tem seus desafios, na rede pública, pode-se dizer que professores, alunos e pais são verdadeiros heróis nesse momento. Os professores, por não receberem recursos do governo para investir em tecnologias e acesso à internet, não são obrigados a dar aulas online. As apostilas pedagógicas desenvolvidas por profissionais da Secretaria Municipal de Educação são o meio utilizado obrigatoriamente por alunos e professores.

Mas, opcionalmente, os professores têm acesso a uma plataforma educacional, onde podem disponibilizar aulas, materiais de apoio e informações, aos quais os alunos têm acesso. Desde que ambos tenham os próprios recursos tecnológicos e rede própria de internet.

Hoje, 59 escolas da rede municipal de Nova Friburgo voltaram às aulas de forma híbrida (remota e presencial). Ainda faltam 63 escolas retornarem. De acordo com a secretária municipal de Educação, Caroline Klein, além do trabalho para a abertura das escolas neste ano, os profissionais da secretaria também estão fazendo o planejamento para o ano que vem, para que a defasagem educacional desse período pandêmico comece a ser minimizada. “Estamos fazendo um diagnóstico da rede. Cada escola tem sua realidade e necessidade. E, em cima desses dados, vamos trabalhar estratégias para poder viabilizar o reforço escolar, com horário estendido. Também estamos, junto com outros órgãos, como o Conselho Tutelar, fazendo uma campanha de busca ativa para resgatar esses alunos que estão fora da escola”, explicou ela.

A VOZ DA SERRA enviou vários questionamentos à Prefeitura sobre números de alunos em alfabetização, evasão escolar nesse período pandêmico e outras questões, que até o fechamento desta edição, não foram respondidas.

Professores dedicados

 Como alfabetizar utilizando apenas uma apostila pedagógica? Essa é uma questão que permeia toda a questão. Não há possibilidade, a não ser que os pais façam o papel do professor, em homescooling. Conversamos com uma professora, pedagoga, especialista em alfabetização que dá aula nas turmas do 1º ano do ensino fundamental há mais de 20 anos na Escola Municipal Jardel Hottz, Dilene Arrais.

Ela, no ano passado, comprou um quadro e se equipou para poder dar aula online. Mas se sentia presa. “Eu sempre agi de forma muito teatral, com apresentações lúdicas, cantando músicas, na sala de aula e a tela do celular me limitou, mas consegui desenvolver o trabalho com as crianças”, disse ela.

 Mas, além da especialização em alfabetização, ela também fez cursos de neurociência. “Para esse contexto que vivemos a neurociência trabalha a metodologia educativa mais dentro do fonêmico. Como sempre tive liberdade de trabalhar com outros métodos educacionais, procurei estruturar o trabalho em cima da metodologia da consciência fonológica”, explicou ela.

 E, esse ano, com a abertura da escola de forma híbrida, até os encontros virtuais que acontecem duas vezes por semana, ela faz da sala de aula, onde seus alunos estudam. “Ali é o ambiente deles de aprendizagem, onde identificam seu espaço, seu material, onde consigo me entregar da melhor forma,” explicou ela.

 Roberta Cristane Cordeiro, mãe do Francisco Cristane Araripe Cordeiro, aluno da professora Dilene garante que o trabalho e o direcionamento desenvolvido pela professora fazem toda a diferença no aprendizado do menino. “No começo do ano, a Dilene orientou os pais sobre a melhor forma de ajudar nas lições, no desenvolvimento da autonomia das crianças, na melhor forma de auxiliar nas aulas online. Isso fez toda a diferença”, relata ela. Questionada se haveria somente a possibilidade da apostila para alfabetizar o filho, Roberta disse que, em outra realidade, talvez eu conseguisse alfabetizar meu filho, porque também sou professora. Mas,  acredito que para os pais que não tenham esse conhecimento, esteja sendo mais difícil”, observou ela.

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