Em 1918, o Brasil viveu a mais devastadora epidemia de sua história, conta Ricardo Westin para “El País”. Em apenas um ano, a gripe ou febre espanhola matou 50 milhões de pessoas no mundo, quase seis vezes os mortos produzidos pela primeira Guerra Mundial (8,5 milhões) em quatro anos (1914 a 1918). A Segunda Guerra, de 1939 a 1945, matou 60 milhões.
Faltam estatísticas confiáveis a respeito da quantidade de vítimas no Brasil. Os arquivos históricos revelam que, em um único dia, o Rio de Janeiro chegou a registrar mil mortes. Na capital do país, o pesadelo durou três meses.
Uma mutação do vírus da gripe comum, a cepa espanhola veio da Europa para o Brasil a bordo do navio Demerara. Em setembro daquele ano o transatlântico desembarcou passageiros infectados no Recife, em Salvador e no Rio de Janeiro. No mês seguinte, corpos jogados nas ruas atraíam urubus, o ar era fétido, ninguém saía de casa, com medo da doença. Com os coveiros doentes ou já mortos, a polícia obrigava os homens mais fortes a abrir covas e sepultar os corpos. Não havia caixões suficientes e os cadáveres eram despejados em valas coletivas, madrugadas adentro.
Hospitais ficaram abarrotados. As escolas mandaram os alunos para casa e todos passaram de ano, independentemente das notas. Os bondes trafegavam quase vazios pela cidade. Todo o comércio fechou as portas, menos as farmácias, onde os fregueses disputavam pílulas e tônicos que prometiam curar as vítimas.
Tal como agora, o governo proibiu aglomerações. Teatros e cinemas, além de lacrados, eram lavados com desinfetante. Pela primeira vez, as pessoas ficaram proibidas de ir aos cemitérios no Dia de Finados.
Na cidade de São Paulo, a população recorreu em peso a um remédio caseiro: cachaça com limão e mel. De acordo com o Instituto Brasileiro da Cachaça, assim nasceu a caipirinha.
O vírus se alastrou pelo interior do país e atingiu todas as regiões, incluindo Nova Friburgo e cidades vizinhas. Aos 91 anos, a moradora do Bairro Suíço Rita de Cássia Fernandes de Oliveira, a Dona Cassinha, conta que a mãe, Albertina Wermelinger, casou-se naquele ano, em Duas Barras, com um jovem viúvo, o descendente de portugueses David Santos (foto acima). Mas a felicidade dos dois durou pouco: David morreu, vítima da febre, apenas três meses após o casamento.
Albertina não se contagiou e casou-se novamente, quatro anos depois, com Henrique Augusto Fernandes (foto abaixo), gerando dez filhos, entre eles Cassinha. Uma irmã mais nova de Albertina, Maria José Wermelinger, a Zezé, também perdeu o noivo para a gripe espanhola. Desolada, nunca mais se casou, optando por uma vida celibatária até seus últimos dias, com 70 e muitos anos.
As manchetes dos jornais brasileiros (foto abaixo) se alternavam entre notícias da gripe espanhola e as negociações de paz na Europa entre os países em guerra. Foi justamente o vaivém de soldados que fez o vírus se espalhar pelo mundo.
No Congresso Nacional, a gripe espanhola dominava os debates. As falas dos parlamentares integram o acervo histórico do Arquivo do Senado e do Arquivo da Câmara, em Brasília, e mostram como o Brasil de 1918 se comportou diante da misteriosa doença.
Até mesmo o então presidente da República, Rodrigues Alves, eleito em março de 1918 para o segundo mandato, foi infectado e não tomou posse. Seu vice, Delfim Moreira, assumiu interinamente em novembro, à espera da cura do titular. Rodrigues Alves, porém, acabou morrendo em janeiro de 1919, e uma eleição fora de época foi convocada.
Na eleição para o Senado em novembro de 1918, só cinco mil dos 36 mil eleitores da capital foram às urnas.
A gripe espanhola fez o governo se mexer. Na virada de 1919 para 1920, o Congresso Nacional aprovou e o presidente Epitácio Pessoa sancionou uma grande reforma na estrutura federal de saúde. Assim nasceu o departamento encarregado de doenças como lepra e tuberculose que daria origem ao Ministério da Saúde, fundado em 1930, e também ao Sistema Único de Saúde (SUS), previsto na Constituição de 1988.
A pior das epidemias desapareceu repentinamente, da mesma forma que começou. Ao fim de 1918, já eram raros os contágios. Foram tantas as pessoas infectadas entre setembro e novembro que o vírus praticamente não tinha mais a quem atacar.
Fonte: "El País" (Ricardo Westin) e memórias de família
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