E lá vem ele de novo. O jornal que já acorda com a cidade e que, ao longo de oito décadas, tem visto Nova Friburgo, a Região Serrana e o Rio de Janeiro se transformarem tantas vezes que poderia, tranquilamente, escrever uma novela. E que o faria bem, porque ele é bom nisso: contar histórias.
Mas não qualquer história, não. Ele narra as nossas. As de quem atravessa uma rua com o olhar atento ao dia que nasce e também ao que o sol não pode tocar. A história não apenas dos nascidos, vividos ou falecidos em Nova Friburgo, mas também, as dos apaixonados por essa cidade.
A Voz da Serra não é um jornal qualquer. Se fosse, não teria chegado até aqui, com 80 anos nas costas e uma história que mistura chuva e sol, tragédia e vitória, silêncio e grito. Porque, para o bom jornalismo, não há hora de descanso. Ele está sempre ali, à espreita, com a caneta em punho, ou quem sabe o computador, pronto para registrar o que nos une e o que nos separa. O que faz o peito apertar e o sorriso se abrir.
É engraçado pensar que, há 80 anos, o jornal começou com o simples desejo de conversar com a cidade. Era um tempo de papéis e máquinas de escrever, onde a tinta ainda tinha cheiro e os jornalistas eram heróis de uma rotina quase mítica. A Voz da Serra então veio, com sua promessa de contar o que ninguém mais via ou queria contar.
E foi assim, com suas páginas convidativas e com cheiro de café da manhã, que o jornal se enraizou na cidade. Tornando-se mais do que um veículo de comunicação: a janela que os friburguenses olharam por anos, enquanto o mundo passava à nossa porta. O mundo... como ele muda, né?
De vez em quando, o jornal olhava para o céu e via as estrelas, mas também via as nuvens pesadas, e era preciso levantar-se, se erguer, ir atrás de uma resposta. Talvez tenha sido esse o seu maior feito: o de se manter de pé mesmo quando as enchentes arrastavam tudo e as ruas estavam alagadas, quando a política parecia distante e o futuro parecia um eterno ponto de interrogação.
E o jornal, teimoso, se manteve firme. Porque ele sabia que a vida não é só feita de pedras e poeira, mas também de flores e risos. Por mais que o cenário às vezes se tornasse sombrio, ele não podia, em hipótese alguma, virar as costas para a cidade que o nutria, que o alimentava com seus fatos, suas histórias, seus amores e desamores.
Claro, não foi sempre fácil. Em tempos de censura, quando a palavra “liberdade” parecia uma estranha em um dicionário de palavras proibidas, A Voz da Serra deu seu jeito. Como quem fala baixo, mas com firmeza. Como quem olha nos olhos, sem medo de ser quem é. Aquele que opera com “resiliência e coragem” assim como um trabalhador com a dose forte de café matinal.
E o tempo foi passando, como o rio que atravessa a cidade, tomando seu caminho, mas deixando algo de bom para trás. Entrou na era digital, como todo mundo, mas sem perder seu jeitinho de ser. De falar com o povo, de contar as histórias de quem, apesar de tudo, ainda caminha pela rua, olha o céu e se preocupa com o amanhã.
Virou não apenas uma página virtual, mas um meio de manter a chama acesa. Porque, sejamos francos, o jornalismo é, em última instância, uma chama. Às vezes, fraca, quase apagando. Mas, se bem alimentada, nunca se apaga totalmente, dando transparência e luz em meio a tempos sombrios.
Hoje, ao olhar para trás, o que podemos ver? Um rio de história, de luta, de alegrias e perdas. De gente que viveu e se foi, de histórias que passaram, mas que o jornal teve o privilégio de contar. São 80 anos, não 80 minutos. Foram várias páginas quase que diárias durante 80 anos. Não é pouca coisa.
O jornal viu a cidade mudar, viu o Rio de Janeiro crescer e, de certa forma, ele também cresceu com elas. Porque é isso que ele faz, ele se adapta, se molda, se reinventa. E quando a era digital chegou, ele se abriu para ela como quem recebe uma visita antiga: de braços abertos, mas com aquele olhar desconfiado, que só quem tem anos de estrada, em ser um dos jornais impressos mais antigos do estado, consegue manter.
Mas, ao fim e ao cabo, o que importa é que o jornal, com toda sua rotina, com todas as suas notícias que tanto nos emocionam, vai continuar sendo aquilo que sempre foi: a voz de quem sente e vive a cidade, mas também a voz de quem escuta, sem pressa, as histórias que ela tem a contar.
E se há algo que este jornal aprendeu ao longo de suas décadas, é que o mundo não precisa de mais barulho. Ele precisa é de alguém que saiba escutá-lo, e depois contar a história. Com carinho. Com atenção. E, por que não, com um pouco de poesia, assim como o fez com grandes nomes nas edições do Caderno Z.
Por isso, aos 80 anos, A Voz da Serra não é só um jornal. É uma memória. E é também um convite. Um convite para olharmos à nossa volta e não esquecer o que está à nossa porta. E, como sempre fez, vai continuar a contar, sem pressa, as histórias que realmente importam. Continuando a ser nosso amigo fiel que está ali, na esquina, pronto para contar a nossa história, sempre com um sorriso e, claro, com a voz que nunca se cala.
(*) Lucas Barros é advogado e assina a coluna Além das Montanhas, todas as quintas-feiras em A VOZ DA SERRA
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