Adeus, Cesar

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna às terças e quintas.

sexta-feira, 05 de novembro de 2021

Adeus, Cesar
Que Cesar Namer, proprietário do famoso restaurante Arroz com Feijão, no início da Avenida Alberto Braune, era querido, isso não é novidade. Mas ele era mais querido que se supunha. A sua passagem gerou manifestações de carinho que há muito não se viam em Nova Friburgo. Sem dúvida, o velório mais cheio dos últimos tempos, para ofertar à família e sua memória uma última homenagem.

Da família
Cesar Loyola de Oliveira Namer nos deixou aos 73 anos. Ele fez parte do cotidiano da cidade. E com sua alegria contagiante fez todos sentirem como se tivessem perdido alguém muito próximo. Para o comerciário que ia ao seu restaurante, um amigo. Para um estudante do ensino médio, um avô. Para um apaixonado por futebol, o torcedor mais carismático do seu Fluminense. Por ser mineiro, ele também era torcedor do América-MG. Por ser friburguense por alma, torcia para o Friburguense mesmo quando o adversário era o seu Fluminense. Para um aluno de odontologia, um pai. Sim, Ele era próximo de todos.

O solidário
Em vida, Cesar teve o privilégio de receber muitas homenagens que ele, orgulhosamente, exibia nas paredes do seu restaurante. Desde souvenires do Fluzão a placas de agradecimento pelos almoços grátis, pelo patrocínio a um atleta ou artista. Cesar era solidário. A VOZ DA SERRA mesmo, sabendo da sua importância, já publicou reportagem de página inteira sobre Cesar. E tornou a destacá-lo quando agraciado com a cidadania fluminense. Porque como maior biógrafo e testemunha da história de Nova Friburgo, A VOZ DA SERRA não deixou de contar e eternizar, em vida, esse personagem marcante do nosso cotidiano.    

O cuidador
Por conta da pandemia e por consciência de quem cuida do outro e pensa no coletivo, ele tirou quase todos os “troféus” das prateleiras e paredes. Despercebido da atitude, perguntei, com certa ingenuidade até, perguntei a ele recentemente: “Ué, cadê todos os quadros, presentes, camisas?” Ele respondeu: “Por causa da pandemia, temos que cuidar de tudo, não oferecer o mínimo risco. Fazer a nossa parte”.

O carismático
Mineiro de Carangola, foi agraciado com o título de cidadão friburguense. Eu tive a honra de lhe conceder, com aprovação unânime da Alerj, o título de cidadão fluminense. Os únicos quadros que ele não desistiu de tirar da parede foram os títulos de cidadão friburguense e fluminense. Com carisma único, conquistava a todos com suas piadas prontas, com a brincadeira da moeda na hora do troco ou com sua paixão por Nova Friburgo. 

O louco por Nova Friburgo
Ele contava que queria conhecer a praia. Na rodoviária, viu um ônibus para Nova Friburgo. Revelava que decidiu: “antes de ir para Itumbiara-GO vou conhecer essa cidade, aí”. Entrou no ônibus e nunca mais saiu de Nova Friburgo, mesmo que aqui não tivesse praia. “Não conheço nada no mundo mais bonito que Nova Friburgo”. Essa paixão contagiante, esse amor pela cidade e pelas pessoas dessa cidade estavam presentes também em atitudes práticas.

O dono de uma legião de fãs
Talvez, isso explique a legião de amigos de todas as idades. Talvez esse jeito único dele resulte nesse choro coletivo de uma cidade inteira e de tantos outros que aqui viveram e estão em outros municípios e se sentiam apadrinhados por ele. A dor se torna ainda maior pelo inesperado. Passou ileso pela pandemia. Um infarto nos tirou de forma repentina o mais friburguense dos brasileiros. É difícil pensar em arroz com feijão sem o Cesar, não só no restaurante, mas no prato que nomeia o estabelecimento. É difícil pensar em simplicidade mais apaixonante do que a dele.

Vai deixar muita saudade
Assim, peço licença e desculpas ao leitor por escrever de forma tão pessoal. A notícia por muitas das vezes nos impacta e se torna impossível se desassociar dela. Mexe, entristece. Dói. A saudade já é presente. Cesar fará muita falta ao mesmo passo que, certamente, há que se agradecer por ter tido nessa cidade alguém como ele. Que sorte a nossa dele ter vindo, sem planejar, parar aqui. Que privilégio ter almoçado lá, ter tido por ele sorrisos arrancados, ter tido conversas de futuro. À viúva Lúcia Helena Peres Valente, um abraço do tamanho de nossas montanhas. A todos os demais, me incluo com os colegas de A VOZ DA SERRA, com o choro de quem testemunhou uma biografia que não se vê com facilidade.

Ano de muitos adeuses
2021 tem sido mesmo um ano cruel com Nova Friburgo. Desde Seu Lauro (o mais antigo barbeiro de Nova Friburgo) ao Cesar. Muitos bons friburguenses de nascença ou não que partiram ou pela Covid-19 ou por outras enfermidades e fatalidades. Pudera, a estatística confirma: nunca morreu tanta gente no município como nos últimos meses. Só que atrás de números, há pessoas, histórias, famílias, vizinhos e amigos.

Dados cruéis
Em 2021, Nova Friburgo tem o maior número de falecidos da sua história e pela primeira vez, deve fechar o ano com mais óbitos do que nascimentos. Há poucas semanas de terminar o ano, somam-se 1.991 mortes. O ano passado inteiro foram 1.848 óbitos. O número de nascidos dificilmente vai superar o ano passado que teve 2.115 nascimentos. Neste ano, temos até agora 1.691 nascidos. Saldo de menos 300 friburguenses. Mesmo no ano da tragédia climática (2011), o número de mortes foi menor do que neste ano, superando apenas o ano de 2020: 1.876. Em 2011 também teve mais nascidos (2.262), fazendo com que o saldo não fosse negativo (+ 386). 

Palavreando
“Não é um parque dentro de uma cidade, é uma cidade dentro de um parque. De tal modo que Nova Friburgo pode, como qualquer outra cidade, ter tudo que o homem pode construir. A engenharia, de fato, pode fazer coisas incríveis. Mas Nova Friburgo tem algo que só Deus pode constituir: uma natureza exuberante, com verdes de vários tons abraçados por montanhas”. Trecho da crônica que será publicada na íntegra na edição deste fim de semana do Caderno Z, o suplemento semanal de A VOZ DA SERRA.

 

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