Psiquiatra explica as marcas que a saudade pode deixar

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021
por Alan Andrade (alan@avozdaserra,com.br)
Foto: Henrique Pinheiro
Foto: Henrique Pinheiro

O chileno Pablo Neruda, um dos maiores nomes da poesia contemporânea, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1971, descreveu com maestria singular o sentimento de saudade em poema homônimo (que pode ser lido na íntegra na página 8 deste caderno): “É amar um passado que ainda não passou, é recusar um presente que nos machuca, é não ver o futuro que nos convida...”.

Sentir saudade é normal – e é importante para nossa evolução enquanto seres. Contudo, existe uma linha tênue que separa os benefícios deste sentimento e consequências negativas que podem deixar marcas negativas profundas em nossas vidas.

Aproveitando que o Dia da Saudade, neste dia 30, está inserido no mês de Janeiro Branco, cuja campanha tem como propósito promover a cultura de saúde mental ao olharmos para as questões subjetivas do ser humano, convidamos o psiquiatra Danilo Cassane, especialista em Saúde Mental e palestrante da campanha promovida pela Secretaria Municipal de Saúde de Nova Friburgo aqui na cidade, para discorrer sobre a importância do tema. 

AVS: Até que ponto a saudade pode trazer sentimentos benéficos para uma pessoa?

Danilo Cassane: A saudade é um dos sentimentos mais presentes nas nossas relações pessoais. Sentimento este que no remete a outros, como o de perda, distanciamento e amor. Não conseguimos viver sem sentir saudades, é algo inerente à nossa natureza. Todas as nossas boas vivências e relações interpessoais estão envoltas por esse sentimento, visto que tudo que se vive de bom, todas as boas lembranças, queremos experimentar novamente. Seja em relação a um lugar que nos marcou, um amor, o gosto de uma comida feita por alguém especial, um carinho, tudo o que nos traz satisfação, gera saudade depois que não estamos mais próximos disto. De modo geral, é um sentimento bom e que nos aproxima de coisas que nos fizeram bem. Nos faz pensar que podemos buscar novamente essas experiências e recriar, de certa maneira, expectativas reais.  Esperar reviver uma experiência agradável pode ser um objetivo que nos faz buscar e alcançar aquilo que queremos.

Diante do movimento constante da vida e das transformações geradas por ele, que consequências da busca incessante por reviver determinada experiência podem acometer um indivíduo?

Algumas vezes ficamos tão obcecados pelo passado, presos à saudade, que ficaremos frustrados ao não conseguirmos concretizar com êxito tal busca, uma vez que nenhuma experiência já vivida terá o mesmo valor sentimental. E essa falsa expectativa pode gerar sentimentos e pensamentos negativos. Daí segue-se a angústia, melancolia e isolamento. Muitas pessoas acabam perdendo o gosto e o prazer de viver por ficarem presos às experiências vividas, que não poderão se repetir com a mesma intensidade.

Ao se comparar experiências do passado com as de hoje, especialmente nestes dias de distanciamento social, as pessoas estão mais suscetíveis a abrirem quadros de depressão?

O distanciamento social que estamos vivendo nos trouxe uma saudade ruim, pois precisamos estar longe das pessoas e lugares que nos trazem prazer, sem termos o que fazer, uma vez que esta é uma medida importante para conter o avanço da pandemia. A saudade de um abraço de pai e filho permanece pela prudência de se poupar a vida e querer o bem de cada um. Sabe-se que é uma saudade passageira, mas que dilacera a alma e traz tristeza ao coração. Ficamos mais vulneráveis ao acometimento de quadros ansiosos e depressivos, pois a saudade, como dito antes, gera uma gama de emoções e sentimentos que podem nos trazer instabilidade emocional.

Qual é a relação entre o isolamento causado pelo distanciamento social e os casos de suicídio?

Viver sozinho, isolado do mundo e do resto das pessoas é um risco. O ser humano necessita manter relações pessoais, precisa estar em constante mudança e em contato com novas experiências para sustentar seus propósitos e objetivos, e claro, sentir que vive dentro de uma realidade social. Quando nos é tirada a essência de vivenciar experiências positivas, abre-se espaço para os sentimentos ruins e pensamentos negativos. Perder o prazer pela vida é um dos mais preocupantes sinais de alerta para atitudes e decisões errôneas, afinal não deveríamos deixar que nossa mente, neste quadro de instabilidade emocional, seja levada a tomar decisões que podem atentar não apenas contra nossa própria vida, como afetar a de todos que nos cercam.

Reviver nossas lembranças em excesso pode interferir na qualidade do nosso sono. Neste caso, a intervenção medicamentosa para o tratamento de insônia pode ser uma medida eficaz?

Lembrança é algo inerente ao ser humano. Uma vez vivenciada a experiência, jamais será esquecida. No entanto, reviver lembranças em excesso pode ser prejudicial, mesmo as boas lembranças. Devemos focar no presente, aprendendo com o passado, para construir nosso futuro. Mas quando estamos muito presos aos acontecimentos passados, pode-se gerar sinais e sintomas psíquicos desagradáveis, desde ansiedade, humor depressivo, alteração do sono e outros mais. E uma vez instalado algum transtorno psiquiátrico, deve ser tratado com terapia e medicamentos para reversão e melhora do quadro.

O que é a campanha Janeiro Branco e de que forma podemos lidar de maneira saudável com o sentimento de saudade neste período de pandemia?

Janeiro Branco é uma campanha criada em 2014 por iniciativa de um grupo de psicólogos, cujo objetivo é trazer uma reflexão do que precisamos fazer para ter uma boa saúde mental, usada como base para nossa vida em todos os aspectos, inclusive nossa saúde física. O mês de janeiro e a cor branca foram escolhidos porque estão relacionados a um recomeço. Como geralmente a gente inicia o ano com metas, desejos, sonhos, a campanha busca incluir as questões emocionais nessas prioridades. O objetivo é promover a conscientização da importância de cuidarmos de nossa saúde mental, pois a gente sabe que essa questão ainda é um grande tabu – ir ao psiquiatra, assumir que precisa cuidar da ansiedade, da depressão, principalmente por conta de uma sociedade que valoriza demais a aparência e cobra a felicidade a todo momento. Não tem que ser motivo de vergonha nem de fraqueza admitir que alguma coisa está errada com o nosso psicológico. Aprender a lidar de maneira equilibrada com nossos sentimentos é vital para permanecermos saudáveis e minimizarmos os efeitos deletérios que uma má saúde mental pode trazer. Adotar bons hábitos de vida, como praticar esportes e manter uma boa alimentação, cultivar relações saudáveis, entender que as experiências negativas servem para nos ensinar e não nos tirar o sono, são atitudes que nos ajudarão a não perder o que temos de mais precioso, que é nosso bem-estar.

Para saber mais sobre questões associadas à saúde mental, acompanhe o psiquiatra Danilo Cassane no Instagram: @drdanilocassane

 

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