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Esse desconforto que você está sentindo é luto - Última parte
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
Na primeira parte deste tema publicada na última quinta-feira, 23, expliquei que quando uma pessoa sofre uma perda, ela entra no que chamamos de “luto psicológico”, que envolve normalmente tristeza, dúvidas, angústia, raiva, e que isto geralmente passa após algum período. Comentei que, conforme estudos da psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, as pessoas ao viverem o luto passam por cinco estágios, que são a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. E dei algumas características de cada uma destas fases.
Agora vamos dar uma olhada no que um estudioso e especialista sobre luto, David Kessler, num trabalho junto com a dra. Elisabeth, explica sobre estas fases e ver as características de um sexto estágio que ele descreveu, chamado de “significado”, após a dra. Elisabeth ter morrido. Kessler concedeu uma entrevista a Scott Berinato, editor da Harvard Business Review (HBR), publicada em 23 de março de 2020 no site da HBR. Vamos ver os pontos principais desta entrevista.
Quanto aos sentimentos gerados pela pandemia atual, ele diz que estamos vivendo lutos ariados. Sentimos que o mundo mudou e que as coisas serão diferentes como ficaram os aeroportos após o ataque às torres gêmeas em 11 de setembro. O luto que vivemos agora se relaciona com a perda da normalidade, o medo do estrago econômico, a perda da conexão, medo da morte. E quanto ao vírus corona, sofremos porque não podemos ver este inimigo, daí há um rompimento do nosso senso de segurança. O luto atual ocorre num nível micro e macro já que no nível micro a pessoa tem medo, e no nível macro o mundo todo tem medo da contaminação e suas consequências.
Se você ver a primeira parte deste assunto, encontrará a informação detalhada de cada um dos cinco estágios que passamos quando vivemos um luto, uma perda. Expliquei que estas fases não ocorrem necessariamente nesta ordem. Na negação podemos pensar que este vírus não vai nos afetar. A raiva pode ser expressa assim: “Vocês estão nos fazendo ficar em casa e tirando nossas atividades!”. A barganha diz: “Ok, se estabelecemos o distanciamento social por duas semanas, tudo vai melhorar, não é?”. Depois tem a tristeza: “Não sei quando isto vai terminar.” E finalmente vem a aceitação: “Isto está acontecendo, descobri como lidar com isso.”
Depois de passarmos por estas quatro primeiras fases, ao chegarmos na última, a aceitação, é quando podemos encontrar algum controle, pois podemos lavar bem as mãos, manter distância segura, higienizar os produtos ou compras que chegam da rua, usar máscara e álcool em gel, evitar aglomeração de pessoas, aprender a trabalhar virtualmente.
Scott Berinato perguntou a Kessler se existem técnicas para lidar com a dor física e a mente acelerada que podemos ter diante deste luto da pandemia. Kessler explica sobre “luto antecipado” que é um luto não saudável porque é uma ansiedade exagerada. Esta ansiedade exagerada pode criar em nossa mente imagens ruins, como nossos pais ou outras pessoas queridas adoecendo, e outros cenários desagradáveis.
A meta neste caso não é ignorar estas imagens, até porque nossa mente não permitirá isso. O objetivo é encontrar o equilíbrio nas coisas que você está pensando. Se sua mente criou uma imagem ruim, procure pensar também numa imagem melhor. Pense que talvez nem você e nenhum dos seus parentes e amigos irão morrer, já que estamos praticando o que é o certo.
Luto antecipado é a mente indo para o futuro e imaginando o pior. Até já surgiu uma frase por aí dizendo que ansiedade exagerada é excesso de futuro. Mas pare, pense, respire fundo. Veja que no momento presente nada do que você tinha antecipado aconteceu. Neste momento, você está bem. Você tem comida. Você não está doente. Use seus sentidos e pense sobre o que eles sentem. A mesa é dura. O cobertor é macio. Eu consigo sentir o ar com meu nariz. Isto realmente funciona para diminuir um pouco a dor, a ansiedade, o medo.
Kessler explica que você também pode pensar sobre como abrir mão do que você não tem controle. O que seu vizinho está fazendo está fora do seu controle. O que está no seu controle é ficar pelo menos a um metro de distância deles, usando máscara e lavar suas mãos. Foque sua mente nisso.
E nesta situação que vivemos emergencialmente é um bom momento para estocar compaixão. Todo mundo vai ter níveis diferentes de medo e luto e isso se manifesta de diferentes jeitos. Kessler comentou na entrevista que uma pessoa com quem ele trabalha havia ficado muito rude com ele e ele pensou: “Isso não parece esta pessoa; isso tem que ver como a pessoa está lidando com esta situação. Estou percebendo seu medo e ansiedade”. Ao notar isto é possível, então, ser paciente com o outro e pensar sobre quem geralmente a pessoa é, e não quem ela parece ser neste momento. Você dá um desconto. Isto significa exercer compaixão por ela.
Kessler diz que se sentiu honrado pela família da psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, falecida em agosto de 2004, por ter dado a ele permissão para acrescentar um sexto estágio do luto: o significado. Ele afirma que quando ele mesmo experimentava alguma perda e vivia os cinco estágios do luto, não queria parar no último, na aceitação. Ele queria um significado naquelas horas mais difíceis. Então, ele acredita que as pessoas estão encontrando um significado neste isolamento da pandemia, porque podem usar meios de comunicação para suas conexões além de outras coisas, e encontrarão significado também quando isto terminar.
Se você está sofrendo mesmo aprendendo estas informações sobre os estágios do luto, continue tentando lidar com sua dor. Vem um choro? Deixe ele sair. Não finja não estar triste. Mas também não faça propaganda disto nas redes sociais. Kessler diz que “emoções precisam de movimento”. Reconheça os sentimentos que você está passando. Tente dar um nome para eles. É tristeza? Raiva? Medo? Ansiedade? Não se ataque dizendo: “Eu não deveria sentir isso, outras pessoas estão pior!”. Pare no sentimento atual. Dê uma olhada nele, expresse-o, experimente-o sem fugir para um medicamento, ou bebida alcoólica, comida, ou outra coisa.
Kessler explica que se, por exemplo, você está sentindo tristeza, então diga a si mesmo: “Vou me deixar sentir triste por cinco minutos pelo menos.” Sua tarefa neste momento é sentir a tristeza, ou outro sentimento que surgir, como o medo, a raiva, não importando o que os outros estejam sentindo naquele momento, não como desprezo pelo sentimento do outro, mas porque este sentimento é seu. Lutar contra isso não funciona porque é o seu corpo-mente que está produzindo o sentimento. Ao permitirmos que o sentimento esteja aqui, o vivenciamos, expressamos, e ele será resolvido. Não seremos vítimas.
Me lembro que muitas vezes ao perguntar a um paciente meu na consulta sobre o que ele ou ela estava sentindo naquele momento ao comentar algo doloroso comigo, a pessoa dizia: “Ah! Um monte de sentimentos!”. Daí eu insistia: “Qual é o principal?”. Ficar dizendo para si mesmo e para os outros que o que você sente é um monte de sentimentos pode ser uma defesa para fugir de sentir o que precisa sentir com consciência e pensar neste sentimento único mais importante. A imaginação ou o medo da pessoa pode ser achar que se permitir identificar o sentimento e vivê-lo, ele nunca irá embora. Mas irá sim. Agora é um momento de sentirmos luto com esta pandemia. Então, temos que vivê-lo e seguir adiante. O que é bom passa, mas o que é ruim também passa.
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
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