Ufa, fiquei sem ar!

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

As finanças e os livros de autoajuda estão no ranking dos mais vendidos em 2019 no Brasil. Primeiramente, dois títulos me chamaram a atenção nessa listagem: A Sutil Arte de Ligar o Foda-se, de Mark Manson, ocupando o primeiro lugar, e Seja Foda, de Caio Carneiro, o terceiro lugar. Seus autores empregaram a palavra foda em seus títulos, expressão que, do xingamento ao elogio, ganha vários significados. É, inclusive, uma expressão banal, chula e desnecessária que exprime exagero, raiva e desdém.

Será que os títulos atraíram as vendas?

As pessoas estão se acostumando a serem grosseiras e ofensivas?  

O brasileiro emprega a língua portuguesa de modo vulgar porque está incapaz de empregá-la com elegância e inteligência criativa?

Ou será que está com uma visão de si tão empobrecida que a expressão “foda-se” lhe é uma finalidade? Quer dizer, transformou-se em uma expressão mágica.

A palavra foda pode ser classificada como substantivo, adjetivo e verbo, que diz respeito ao ato de foder e está flexionada na primeira e na terceira pessoa do singular do presente do subjuntivo deste verbo, como também na terceira pessoa do singular do imperativo afirmativo e negativo. É uma palavra que vem do grego antigo e significa mina. Reúne significados ambíguos, como o ato de copular e algo difícil de realizar ou insuportável. Até envolve a definição de alguma coisa ou pessoa agradável, bonita e positiva. É um termo complexo porque ao mesmo tempo em que exprime a finalidade maior da vida e de bom sucesso, é sinônimo de desmerecimento, complicação e dificuldade. Se formos um pouco mais perspicazes, podemos pensar que unindo os dois sentidos, surge um terceiro: superação.

Os títulos dos livros mais vendidos em 2019 podem estar expressando a alma de pessoas que querem fazer uma nova geração que possa lhes trazer mudanças de um status quo sofrido. Ao mesmo tempo, presas às exigências dos tempos modernos, sentem dificuldades de saber quem são. E nem mesmo conseguem vislumbrar o que poderiam fazer para construírem a própria identidade. 

Os estilos de leitura que compuseram o ranking de vendas me fazem novamente mergulhar em Freud, em seu livro O Mal estar da civilização, escrito em 1930, que abre o primeiro capítulo com a afirmação: “É difícil escapar à impressão de que em geral as pessoas usam medidas falsas, de que buscam poder, sucesso e riqueza para si mesmas e admiram aqueles que os têm, subestimando os autênticos valores da vida.” Mais adianta afirma “A satisfação irrestrita de todas as necessidades se apresenta como uma maneira mais tentadora de conduzir a vida, mas significa pôr o gozo à frente da cautela, trazendo logo o seu próprio castigo”.

Na minha opinião, é como se o dinheiro, enquanto poder econômico, político e social, fosse capaz de lhes garantir a felicidade. Será que o brasileiro está precisando de ajuda para conquistar bens materiais?

Ufa, fiquei sem ar! 

Espero que a literatura, rica em valores humanos e que bem empregue a nossa bela e romântica língua portuguesa, possa amparar a construção de pessoas virtuosas.

Ah, Camões, Saramago, Fernando Pessoa, Sartre, Freud, Marcuse, Saint-Exupéry, Clarice Linspector, Shakespeare, Miguel de Cervantes, Saramago. Depois de ler suas obras e de outros autores, vamos poder conhecer um pouco mais da vida e de nós mesmos. Suas obras penteiam nossas almas.   

 

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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