Sagrada sacrificada profissão

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 16 de outubro de 2021

Tudo que é sagrado advém do sacrifício? Para ser sagrado há de se sacrificar? Melhor então não ser sagrado e sair desse conceito sobrenatural para doses de realidade. Ser professor no Brasil é a pior das escolhas. 

Como sagrados para a história, a consagração só vem depois da morte? Viver assim, não é vida em abundância. Portanto, não sagrem a profissão de educador, tampouco venham com toda essa poesia e discurso repetido em todo quinze de outubro. 

Se o discurso não é um hábito, então não presta. Todos esses que discursam o valor do professor, sem efetivamente darem valor, são falsos. E dessa gente estamos de saco cheio. Propagadores da ignorância que tomam conta da política e não fazem através dela a sua real função: servir, cuidar do futuro no presente. 

Sabem ler e escrever através de um professor? Então leiam o que digo: vão à merda! Antes de merda tem crase, pois configura mandar a algum lugar com artigo feminino. Aprendi com um professor. Uma querida professora de português me ensinou vários macetes, entre os quais esse da crase sobre ir a algum lugar. Antes de ir, volte. Se você volta “da”, significa que há artigo: você vai “à”, com crase. Se você volta “de”, significa que não há artigo: você vai “a”, sem crase. Você, portanto, volta da merda, ainda que não sei bem se algum dia sairemos dela...

Que futuro tem uma nação sem educação? Estamos colhendo os frutos do nosso analfabetismo político. Estamos colhendo o que políticos de estimação de muita gente boa por aí plantaram. Pior: através do poder das sementes que nós, o povo, concedemos. 

Portanto, essas efemérides de exaltar os professores, como muitas anteriores, pedem protesto. Não há homenagem mais adequada. 

Como professor formado, ainda que nunca tenha exercido de fato a profissão, acredito que o professor é o intercessor de todos os outros profissionais. É o preparador, é o acendedor de chama, é o condutor de sonhos. Um teimoso insistente, é verdade.  

Não há engenheiro sem professor. Um médico passa por professores. Não há padre ou pastor sem professor. Um dentista passa por professores. Não há veterinário sem professor. Um professor passa por professores. E todos, absolutamente todos os profissionais, do jornalista ao químico, do técnico em enfermagem ao aviador, passam pelas habilidades de professores. Que concedem seus conhecimentos e aprendem junto dos e com seus alunos. Não tem mágica nessa relação. Tem estudo, planejamento, engajamento, entrega e até idealismo.  

Assim, muito se fala em valorização dos professores, mas efetivamente pouco se faz. E por mais que todos os demais profissionais tenham passado, se influenciado e se forjado por professores, como sociedade não defendemos essa valorização como prioritária. Sabemos que nossos filhos precisarão de professores motivados, bem pagos, mas nem assim… 

A educação é considerada a ferramenta essencial da evolução pessoal, humana e coletiva e não há educação sem professor. O intermediário entre o conhecimento e o conhecedor. O desafio é enorme de construir uma educação brasileira que de fato construa um País menos desigual e melhor. 

Uma educação que ensine para a vida e para uma vida com amor. Uma educação que nos leve a outro patamar de cidadania e compromisso com o outro. Uma educação que auxilie em resolver problemas da vida real, mais do que apenas equações de segundo grau. Uma educação que ensine a mandar à merda (com crase), aqueles que usurpam a Pátria e nos vendem por trocados que nos causam fome e miséria. 

Formar bons professores que possam ter dignidade salarial e estrutural para formar tantos outros e assim gestar uma nova Nação.     

 

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