Que sua embriaguez te lave a alma

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 01 de julho de 2023

Do que se embriaga? Que aquilo que bebe não seja apenas para limpar a garganta, as vísceras, as angústias, espante a ansiedade ou devasse seus medos. Que não seja o vinho, a crença ou a pólvora que ateiem seus pensamentos de coragem. Mas que seja conforme a sua fé. 

Se ébrio aos olhos alheios, mantenha-se convicto, ainda que cambaleante. Só você sabe o que sente, tanto que nem os mais empáticos saberão, ainda que possam supor. Suposição é pouco. Você não supõe! Você sente. Na pele, no peito, na alma. Nas tatuagens que a vida faz, com ou sem permissão. Viver nem sempre é transcender, ainda que prazer seja legítimo desejo e valha a busca. 

Por isso, que sua embriaguez te lave a alma. Respeito ao que te arrebata. Livre de julgamentos — principalmente os seus — seja o que te encanta. Que se embriague dessa luz que vem do universo, dos cheiros das florestas, do seu suor de esperança e gozo, dessa taça de vinho tinto que abraça em veludo as papilas. 

Beba essa loucura que é ingenuamente se entregar e entregue peça mais doses de paixão. Antes que evapore ou até virar amor. Beba mais e mais desse sentimento que causa rubor na face, tremedeira nas pernas e faz nascer asas no coração. 

Deixe-se voar e antes de aterrissar, se aterrissar, aproveite o voo… A paisagem, o céu, o vento silhuetando seu espírito. Você como tudo, mais do que o todo. 

Se você tem algo é a você mesmo, e, é por isso, que faz bem se doar, se dar sem saber se receberá de volta, mas sabedor de que nada importa mais do que a relação que tem consigo mesmo. Se for demais, terá o caminho para se trazer de volta. Mas não temas ir. Ser errante é da nossa natureza. É assim que a gente se acha. 

Atreva-se à embriaguez para, de repente, descobrir-se em liberdade. Para além dos fevereiros de cada ano, para muito além do que te disseram ser liberdade. Beba dessa liberdade de ser feliz, sem qualquer moderação. Brinde à liberdade dos que estão à volta e de todos que sequer conhece. Um mundo melhor é feito pelo conjunto de livres e não pelo coletivo de raivosos preconceituosos. Ame e deixe amar, viva e deixe viver.

Abrace esse clichê e faça dele elixir da sua embriaguez. Embriague-se desse e de tantos outros clichês que, se não enobrecem a literatura, aliviam o existir. Existir pleno é mais importante do que teorizar ou ter assento nas academias de letrados.

De alma lavada, repita em constância achar-se embriagado. De lua, de mar, de poesias, de gente, de café, de propósitos, de carnavais, de magia, de cerveja, de encontros, de enganos, de mapas astrais, de perigos, de olhares, de canções, de versões de si mesmo, de verões e estações que vem e vão, de saudades, de fé. 

Experimente e siga a embriagar-se de tudo que valha à pena, enquanto valer à pena, enquanto for atrativo e lhe fizer feliz. Porque se há que se definir um sentido para o destino, esteja certo, é a felicidade. E, o melhor: a felicidade não está ao final de tudo, mas em cada gole, em cada dose, em cada gota que lava a alma.

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