Mãe, meus filhos lhe chamarão de vó

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 13 de maio de 2023

Certa vez, um professor me disse que felicidade é mais ou menos isso: uma experiência, que de tão boa, você vai fazer de tudo para poder repeti-la. Eu repeti muitas, sem ter a exata noção do porquê queria de novo. 

Quero repetir tantas outras, algumas que, inclusive, não posso mais. Há ainda aquelas que imagino que depois da primeira, vou querer uma segunda, terceira e tantas quanto puder, até se esgotarem.

Dentre as que imagino, há algumas que, infelizmente, são impossíveis, pelo menos nesse espaço-tempo, tal qual conhecemos.

Dentre as que eu gostaria de repetir está o seu abraço e o seu colo, mãe. A sua voz dizendo sim e não, mas sempre com a doçura e a preocupação de quem despeja amor em você. 

Repetiria os almoços de domingo, a conversa fiada na varanda, o lanche da tarde ou o passeio no shopping. Repetiria o aguardar fazer as unhas e o cabelo no salão de beleza ou mesmo a espera para te ver sair do trabalho. 

Repetiria a simples rotina de assistir novela na sala e prever o destino do personagem secundário. Nunca gostamos muito dos protagonistas. Repetiria, simplesmente, te observar e o deixar ser amado por você. 

Dentre as que só imagino, te levaria ao show do Roberto, no estádio, na casa noturna, no cruzeiro. Te presentearia com coisas que não tem, só para testar se ia gostar; como me faria mais presente. Te levaria em viagens, iria à feira com você, apenas para escolher cebolas e frutas. Te ensinaria a jogar videogame. Dividiria minha conta do Spotfy com você e faríamos uma playlist só nossa. Te pediria para dar banho e cortar as unhas dos meus filhos que ainda não vieram. 

Meus filhos não terão o privilégio de te chamar de vó. Eles não terão a felicidade de poder repetir a experiência de fugir para a sua casa, comer besteiras escondidas no seu armário, compradas apenas para deseducar o que os pais chamam de educação nutricional. Talvez, meus filhos ficarão nesse lugar de só imaginar essa tal repetição que evidencia o que é a felicidade.   

Mãe, ainda que meus filhos não lhe vejam, lhe conhecem antes mesmo de nascerem. Eles não terão a alegria de ter seus braços, mas lhe chamarão de vovó. E eu sei que você poderá ouvi-los, tanto quanto eles poderão lhe sentir junto, como você segue junto comigo. Esse seguir junto se repete, porque é grande a felicidade de poder repetir a experiência de te chamar de mãe. 

Nos momentos felizes, você está ali. Nos instantes de tristeza, você é essa força estranha que me acolhe e me sustenta. Saudade também traz presença. Posso ouvir sua tímida reclamação quando não estou sendo eu de verdade. Posso ouvir seus aplausos, mesmo quando sem plateia, se faz torcedora orgulhosa de minhas conquistas. 

Se felicidade é mesmo isso, uma experiência, que de tão boa, vai levar você a fazer de tudo para repeti-la, eu te aconselharia: não espere, repita-as. E cada repetição não será como a anterior, ainda que nos mesmos lugares e com as mesmas pessoas. Mas farão todo sentido. E grande parte da nossa felicidade está ligada ao cordão que nos alimentou em ventre e que mesmo rompido, segue conectado por uma energia sobrenatural. 

Serão lembranças e mais lembranças, sentimentos que não se pode explicar, vivências que esquecemos, mas que estão lá, em algum lugar da memória de nossas almas. 

Não fique apenas na imaginação, porque algum dia, o que imaginará será impossível de se cumprir nesse espaço-tempo. Faça agora. Para sua felicidade. Pois, mesmo que esse amor não finde, até as mães morrem. 

Pelo amor, mãe, meus filhos lhe chamarão de vó.

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