Das pequenas coisas — a vida

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 05 de agosto de 2023

Viver é acumular pequenos feitos, que nos filmes nem são considerados feitos, mas valem mais do que troféus. Muitas vezes, somos obrigados a diplomas que apenas servem para enfeitar paredes. Noutras, somos instigados a ter, obter, reter riquezas que são valiosas apenas para cofres que apodrecem. Pesam os ombros. Aumentam a cifose no corpo e criam calos na alma.

O que importa? Parece simples a pergunta, tanto quanto evidente a resposta. Mas ainda que tenhamos em mente, ainda que nos vista a certeza, corrompemos a poesia e nos auto sabotamos, conscientemente. De que adianta declamar versos e não vivê-los? Tomar para si como atitude as tais evidentes respostas talvez seja o desafio. É mais do que percepção, é o jeito de conduzir a vida. Diminuir a carga, acelerar os passos para evitar urgências diante da fatalidade de que o tempo que temos fica cada vez menor. É assim desde que nascemos. O tempo que nos é dado caminha para a morte de nossas células. 

Não há forma ou fórmula única. Mas há de saber aquilo que os mais velhos sempre dizem sobre o que se leva para o túmulo e para além dele. Tudo o que é material, inclusive nosso próprio corpo, vira pó. O que fica nas métricas humanas são apenas os 21 gramas. Uns dirão ser a alma. Se não sabemos do que se trata, podemos apenas recorrer ao sobrenatural.

Das pequenas coisas — a vida. Esse conjunto de degraus até podem levar ao topo, mas é em cada degrau que se é possível sorrisos despretensiosos, olhares impactantes, rubores incontroláveis, lágrimas de fazer mar, tremor nas pernas, vibração nas cordas vocais, palpitações intensas, encontros inexplicáveis, vivacidade. 

Nem tudo que vai para nosso incrível baú de memórias está registrado em fotografia. Deveras, quase tudo que está nesse incrível baú de espontaneidades não está disponibilizado em nuvens digitais ou materializado. É tão individual que só você tem acesso, nenhum hacker pode vasculhar e só com sua permissão é possível compartilhar, compartilhar-se. 

Portanto, ainda que a foto revele o time erguendo a taça do campeonato, você trocando aliança, assinando biografia, empunhando a chave da casa, do carro, do consultório, do escritório, a chave das chaves é invisível aos olhos e é encontrada no percurso. 

Talvez, tenhamos nítida percepção nesses momentos de pseudo finalização, mas nada do que é grande se faz sem as consideradas pequenas coisas. São elas que fazem um ato e é o conjunto de atos que possibilita a peça. Uma canção não é nada sem cada verso, tanto quanto é igualmente nada, tudo o que não toca um coração.

Que todas as pequenas luzes que acendem no cotidiano não sejam desprezadas. Se isoladas não iluminam o todo, que colecionadas possam iluminar toda a sua caminhada. Pelo dia a dia, por toda jornada ao topo, seja lá o que for o topo e qual for o topo. Pois ao fim, antes do fim de tudo, serão as pequenas coisas — a vida.

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