Guarda baixa

sábado, 19 de setembro de 2020

Para pensar:

"A liderança é uma poderosa combinação de estratégia e caráter. Mas se tiver de passar sem um, que seja estratégia.”

Norman Schwarzkopf

Para refletir:

“Liderança é fazer o que é certo quando ninguém está olhando.”

George Van Valkenburg

Guarda baixa

Algumas das grandes surpresas de nossos dias têm sido marcadas pela forma como suas possibilidades de concretização geralmente são subestimadas pelo senso comum, atenuando forças de rejeição que, de outro modo, teriam se mobilizado de maneira mais intensa.

Exemplos

Foi assim com o Brexit, foi assim com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, e, em alguma medida, foi também assim a eleição do presidente Jair Bolsonaro, embora neste caso com um prazo mais destacado.

Afinal, se no início do 2º turno sua eleição já parecia quase uma obviedade, vale lembrar que ela ainda parecia bastante improvável cinco meses antes da ida às urnas em 2018.

Parecia igual...

Pois bem, em nosso microcosmo municipal não seria exagero dizer que se passou algo parecido neste período pré-eleitoral de 2020.

Porque afinal, já se tornou parte da cultura política que muitas pessoas se anunciem como pré-candidatos a prefeito no início das costuras eleitorais, diversas vezes com o único intuito de valorizarem os próprios passes.

Mas fugiu ao script

Há quem eventualmente faça isso para negociar uma candidatura a vice-prefeito, há quem faça para colocar o próprio nome em evidência e fortalecer uma candidatura a vereador, e há quem faça isso apenas por vaidade ou para se tornar mais conhecido, e, claro, há quem faça por ambições legítimas também.

Já aconteceu muitas vezes no passado, mas no fim a lógica prevalecia e, com uma ou outra exceção, cada um acabava seguindo a opção disponível onde encontraria melhores chances de se eleger.

Desta vez, no entanto, as coisas evoluíram de maneira muito diferente.

Como explicar?

A coluna já falou diversas vezes a respeito do notório vácuo de lideranças em nossa cidade, e também sobre o descrédito da classe política como um todo, que têm se refletido num comparecimento às urnas cada vez menor, e no aumento dos percentuais de votos brancos e nulos.

É de se supor também que o contexto de pandemia tenha deixado o pleito em segundo plano e tornado menos urgentes e frequentes as reuniões que habitualmente desenham costuras e parcerias, mas mesmo tudo isso parece insuficiente para explicar o que estamos vivendo.

Sem garantias

Talvez tenha pesado, em alguns casos, a noção de que não seria assim tão fácil obter uma cadeira no plenário, e que muitos candidatos bem votados certamente serão relegados à fila de suplentes.

Daí, melhor perder para prefeito que para vereador…

Efeito cascata

E, claro, também houve uma espécie de efeito cascata a partir do momento em que candidaturas próximas deixaram de se fundir e decidiram disputar as mesmas fatias de eleitorado, dando a confiança necessária para que atores em extremo oposto do espectro ideológico acreditassem que poderiam fazer o mesmo e abrissem mão de coligações de viés eleitoral.

Óbvio: quanto mais vai caindo a perspectiva de votos necessários para vencer, mais pessoas se animam a concorrer.

E mais a perspectiva baixa, num ciclo que se realimenta.

Outros fatores?

A lista final, contudo, sugere outras motivações.

É possível arriscar, a partir do que se conhece de contexto, que há ali políticos que não viram outra forma de dar alguma progressão às respectivas carreiras; há cidadãos interessados em expor suas ideias; há iniciantes possivelmente interessados na visibilidade, provavelmente mirando em eleições futuras; e sabe-se lá mais o quê. 

Uma ideia

O ideal, neste cenário, seria se tivéssemos uma eleição em dois turnos.

Podemos até arriscar uma sugestão aqui: municípios com mais de 100 ou 150 mil eleitores aptos teriam segundo turno quando houvesse dez ou mais candidatos nas eleições majoritárias.

Porque, na prática, essa divisão em turnos tende a ser feita mentalmente pelos eleitores, caso venham a sentir que, no frigir dos ovos, estarão escolhendo entre três ou quatro opções.

Cuidado

A se confirmar tal previsão o resultado final certamente não refletirá a real popularidade de cada candidato, mas sim o fluxo migratório de votos para opções secundárias ou terciárias que eventualmente pareçam mais capazes de impedir a eleição de blocos rejeitados.

Por isso mesmo todos devem ter muito cuidado com a procedência de pesquisas, pois certamente há quem esteja disposto a estimular o chamado “comportamento de manada” a partir de informações fictícias e convenientes. 

Sem convicção

De fato, parece existir uma grande chance de que o futuro próximo de nossa cidade venha a ser decidido pelos votos de quem escolher o que naturalmente seria sua segunda ou terceira opção, e isso naturalmente é muito ruim.

Porque, além da perspectiva de que o próximo prefeito venha a ser eleito com os votos de menos de 10% da população, é bem provável que mesmo entre estes 10% parte significativa nem ao menos tenha escolhido com convicção ou entusiasmo.

Comparações (1)

Façamos aqui algumas comparações rápidas com eleições passadas.

Veja o leitor que em 1996 nós tivemos quatro candidatos a prefeito. Naquela ocasião Paulo Azevedo foi eleito com 38.200 votos, que corresponderam a 43,86% dos votos válidos.

Já em 2000 foram sete candidatos (embora ao menos um deles tenha desempenhado o papel de candidato de aluguel). Naquele ano Saudade Braga foi eleita com 46.764 votos, equivalentes a 47,368% dos votos válidos.

Comparações (2)

Avançamos para 2004, quando houve seis candidatos (novamente com um deles desempenhando o papel de aluguel).

Naquele ano Saudade Braga foi reeleita com 46.990 votos, equivalentes a 43,434% dos votos válidos.

Pula para 2008, e o que temos é Heródoto Bento de Mello sendo eleito com o apoio de 53.341 friburguenses, equivalentes a 47,56% dos votos válidos.

Comparações (3)

Um cenário de apoio que começaria a mudar já na eleição seguinte, em 2012, quando Rogério Cabral foi eleito com 37.962 votos, equivalentes a 35,58% do total válido.

Por fim, em 2016, Renato Bravo chegou à prefeitura com o respaldo de 29.046 eleitores, equivalentes a 28,23% do total de votos válidos.

Em 2020, tudo indica que o percentual de votos do vencedor será ainda menor do que já havia sido há quatro anos.

Desânimo (1)

Importante observar também que em 2008 havia 141.776 eleitores aptos a votar, e 121.742 efetivamente foram às urnas (abstenção de 20.034). Descontados 3.315 que votaram em branco e 6.271 que votaram nulo, restaram 112.156 votos válidos.

Em 2012, por sua vez, 120.398 dos 147.115 eleitores aptos a votar efetivamente foram às urnas (abstenção de 26.717). Descontados 3.907 votos em branco e 9.794 votos nulos restaram 106.692 votos válidos.

Desânimo (2)

Por fim, em 2016, o número de eleitores aptos a votar subiu para 151.045, mas o número de votos apurados caiu para 117.940 (abstenção de 33.105). Descontados 4.229 votos em branco e 10.837 votos nulos restaram 102.874 votos válidos.

Resta esperar que, num momento em que cada voto tem potencial para fazer enorme diferença, a população se anime um pouco mais e reverta esta queda no percentual de comparecimento e votos válidos que vem marcando nossos últimos pleitos.

Muita gente, todavia, não está otimista a esse respeito.

Limão e limonada

O momento, enfim, é de teste para nossa democracia.

Naturalmente o volume de candidatos vai dificultar o processo de formação de opinião com base em informações sólidas, e tende a superficializar os debates, a promover desinformação, simplificações e estereótipos.

De nossa parte, a imprensa séria promete suar a camisa para levar ao eleitor o máximo de informações, e em troca este colunista pede aos leitores empenho e comprometimento para fazer com que este cenário difícil possa ser aproveitado naquilo que oferece de melhor, que é justamente a grande variedade de opções.

Rapidinha

A coluna havia prometido fazer alguns registros nesta edição, mas o espaço não permitiu.

Fica para a próxima.

Por ora, apenas uma notícia bem curtinha: o ex-vereador Grimaldino Narcizo (Cigano) teve alta após 18 dias de internação para se recuperar da Covid-19.

A coluna se alegra muito com isso.

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