O Hotel São Paulo e o tempo das soirées

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Desde o final do século 19, os hotéis eram espaços de sociabilidade dos friburguenses e veranistas. Era nos hotéis que se realizavam os saraus, as soirées, as folias de carnaval e onde se dançavam quadrilhas, valsas, polcas e mazurcas. Neste fim de século se destacavam o Hotel Salusse do francês Guillaume Marius Salusse, o Hotel Central do italiano Carlos Éboli e hoje Colégio Nossa Senhora das Dores, e o Hotel Leuenroth dos irmãos Friedrich e Paul Leuenroth, mercenários alemães do Batalhão de Estrangeiros.

Foi no Hotel Leuenroth que o Imperador D. Pedro II esteve em 1874 acompanhado da princesa Izabel e de sua dama de companhia a Condessa de Barral, amante do imperador. A princesa Izabel fazia um tratamento à base de hidroterapia no Instituto Sanitário Hidroterápico. Seria mais natural que ficassem hospedados no Hotel Central, anexo ao instituto, todavia se hospedaram no Hotel Leuenroth. De acordo com o livro de Alcindo Sodré “Abrindo um cofre”, na troca de correspondência entre D. Pedro II e a Condessa de Barral ele escreveu: “...Porém creia que olho sempre com imensas saudades para os quartinhos do anexo do Hotel Leuenroth...”.

Já o escritor Machado de Assis esteve hospedado no Hotel Salusse e deixou este registro: “Oh! bons e saudosos bailes do salão Salusse! Convivas desse tempo, onde ides vós?” O Hotel Salusse era o que promovia as soirées mais badaladas na cidade no século 19. Já no século seguinte das quadrilhas, valsas, polcas e mazurcas passa-se para o jazz, tango, ragtime, fox-trot, one-step e músicas havaianas. No Hotel Salusse era obrigatório para os homens o uso do smoking ou do terno de linho branco. Este hotel foi vendido à família de imigrantes italianos, os Spinelli, que no local construíram um edifício em estilo art déco.

O cassino que funcionava no Hotel Salusse foi transferido para o outro lado da Praça Getúlio Vargas, no Hotel Cassino Turista. Foi adquirido pelo sr. Velasco, turista espanhol que costumava veranear em Nova Friburgo. Além da hotelaria e do cassino havia bailes de gala e orquestras do Rio de Janeiro se apresentavam a miúde neste local. Com a proibição do jogo de azar em 1945, o Hotel Cassino Turista adota o nome de Hotel Central funcionando apenas como estabelecimento hoteleiro. Anos depois deu lugar ao edifício Galeria União na esquina da Rua Ernesto Brasílio com a Praça Getúlio Vargas.

Não poderíamos deixar de citar o Hotel Engert de Carl Friedrich Engert, situado na Rua Alberto Braune. Carl Engert casou-se com Emilie Leuenroth e se tornou também proprietário do Hotel Leuenroth. Outra história semelhante ao do sr. Velasco foi a de dois casais de espanhóis que vieram veranear em Nova Friburgo e acabaram adquirindo em 1944 o Hotel São Paulo, de Francisco Carneiro. Outrora chamado de Magnífico Hotel o seu estilo neoclássico faz justiça a este nome.

Os espanhóis Dolores Laso Iglesias casada com Valenzoela e Flora Laso Iglesias casada com José Belmonte se encantaram com o clima e a beleza da então pacata e patriarcal Nova Friburgo. Dolores e Flora eram irmãs inseparáveis e sempre moraram juntas. Juntamente com os maridos administraram o Hotel São Paulo durante décadas, residindo em suas instalações.

Porém os dois casais de espanhóis não puderam desfrutar da belle époque dos hotéis da cidade. Os clubes de serviço começam a surgir nas décadas de 1940 e 1950 como o Clube do Xadrez, a Sociedade Esportiva Friburguense, o Clube dos 50 e o Country Club substituindo os hotéis nos bailes e carnavais. Conversei com Rosa Maria Moelas Laso, atual gerente e uma das proprietárias do Hotel São Paulo. Seu pai José Gómez Laso, natural da Galícia, era casado com Maria de Los Angeles Salvador Muelas. Mudou-se para Nova Friburgo na década de 1950 trabalhando em uma loja de armas e posteriormente possuiu uma leiteria. Quando as tias estavam bem idosas veio trabalhar no hotel se tornando o herdeiro com o falecimento de ambas já que nenhum dos casais teve filhos.

Percorrendo suas instalações podemos ver preciosidades como uma parede propositalmente descascada para mostrar os tijolos da antiga olaria do Cônego. As malas das irmãs Laso Iglesias, um rádio antigo, a máquina de costura, uma charmosa cabine telefônica e outros objetos estão expostos para que o hóspede desfrute de um agradável ambiente do passado. O Hotel São Paulo é o único preservado do período em que os hotéis, além da hotelaria, eram espaço de sociabilidade para animadas soirées e carnavais.   

  • Foto da galeria

    Hotel São Paulo, outrora Magnífico Hotel

  • Foto da galeria

    José Gómez Laso e Maria de Los Angeles Salvador Muelas

  • Foto da galeria

    Os espanhóis Dolores, Valenzoela, Flora e José Belmonte

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.