O café: subidor de montanhas e destruidor de florestas (Parte 20

quinta-feira, 03 de setembro de 2020

O desbravamento dos sertões

Sertões do Macacu, assim era conhecida a serra fluminense situada na parte setentrional do vale do rio Paraíba do Sul. A serra do Mar, que compreendia toda a vertente interior das serras da Boa Vista, dos Órgãos, Macabu e Macaé, era coberta por uma densa floresta inexplorada, ainda que próxima do litoral. O desmembramento dessa região deu origem aos municípios de Cantagalo, Nova Friburgo, Cordeiro, São Sebastião do Alto, Itaocara, Carmo, Sumidouro, Duas Barras, Bom Jardim, Trajano de Moraes, Santa Maria Madalena e Teresópolis.

A carta topográfica da Capitania do Rio de Janeiro de 1767 indicava ser um sertão ocupado apenas por indígenas bravos, ou seja, não aldeados e consequentemente não “civilizados”. No final do século 18, como a extração de minérios preciosos em Minas Gerais já apresentava sinal de declínio, garimpeiros atravessam a Zona da Mata mineira clandestinamente e se dirigem para os sertões do Macacu. Iniciam a garimpagem do ouro de aluvião nos rios Grande, Negro e Macuco, bem como de seus afluentes. Ao abrigo da floresta puderam lavrar sorrateiramente durante muitos anos pintas de ouro na região.

Tomando conhecimento do garimpo clandestino, as autoridades governamentais prenderam o bando de faiscadores e o descoberto do ouro chamou a atenção da Coroa Portuguesa para os sertões do Macacu. Foi instalada a Casa do Registro do Ouro, distribuindo-se datas de terras aos que desejassem faiscar. A Coroa recebia o quinto, ou seja, 20% do que fosse extraído da garimpagem. O povoamento desses sertões ocorreu oficialmente a partir de 1786. Porém, no decorrer de alguns anos verifica-se que o ouro extraído dos rios mal dava para pagar os oficiais e os soldados do registro.

Consequentemente, o governo desinteressou-se pela mineração. O povoamento tem continuidade com a distribuição de sesmarias para os indivíduos que tivessem condições econômicas de se afazendar como lavradores e que consistia basicamente em possuir escravos para o amanho da terra. Os sesmeiros derrubam a mata para a extração da madeira, plantam suas roças em pequenas clareiras e alguns estabelecem engenhocas para a fabricação de açúcar. Era o primeiro passo para a exploração da terra. Foram derrubados os primeiros gigantes da floresta como o jacarandá, o pau-rosa e a ipecacuanha. Nessa região de encostas íngremes e planícies apertadas iniciou-se o plantio de milho, da cultura do feijão, da mandioca, criação de galinhas e de porcos. Esses produtos são exportados para o Rio de Janeiro através de tropas de mulas que desciam a serra da Boa Vista até atingir o porto fluvial de Porto das Caixas, hoje município de Itaboraí. Dali as mercadorias seguiam em barcos pelos rios Macacu e Caceribu que deságuam na Baía da Guanabara, rumo ao Rio de Janeiro.

Os sertões do Macacu ganharam o predicado de município em 1814, com a denominação de São Pedro de Cantagalo. A distribuição de novas sesmarias pela Coroa portuguesa atraiu indivíduos da capitania de Minas Gerais, de portugueses da Ilha da Madeira e dos Açores. Cantagalo abrigou a primeira tentativa oficial de colonização por meio de imigrantes não portugueses. A região de maior altitude, próxima a serra da Boa Vista foi escolhida por ter o clima semelhante ao europeu, facilitando a aclimatação dos colonos. O seu desmembramento deu origem ao município de Nova Friburgo, estabelecendo um distrito para os colonos suíços e depois alemães.

A região atraiu igualmente muitos posseiros que se instalaram na fronteira com os latifúndios. Nos primeiros 20 anos após a independência, o Brasil atravessou dificuldades econômicas. O açúcar de beterraba introduzido no mercado mundial precipitou o Nordeste em uma crise e a produção algodoeira norte-americana conquistou os mercados, antes sob o controle do Brasil. No horizonte uma esperança se aproximou: o café, que irá substituir o açúcar e o algodão na exportação.

Nativo da Etiópia, o café já vinha sendo plantado em pequena escala já na primeira década do século 19, em Cantagalo. Em meados daquele século se tornaria o principal produto de exportação no Império. E assim, os arbustos da família das rubiáceas vão tomando paulatinamente, o lugar dos gigantes da Mata Atlântica. Continua na próxima semana.

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    Desmatamento da Mata Atlântica por Rugendas. Litografia século 19

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    Mata Atlântica por Hermann Burmeister. Litografia do século 19

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    Os sertões do Macacu ganha o predicado de município em 1814

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