Em memória de Brigitte Schlupp

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

A família de Brigitte Schlupp veio para o Brasil no início da década de 1920, se instalando inicialmente na Bahia, onde havia muitos imigrantes alemães. Brigitte nasceu na Alemanha, em 23 de janeiro de 1918, e possivelmente a família emigrou em razão da crise econômica na Alemanha provocada pela Primeira Guerra Mundial.

Na Bahia se recorda de uma história que a mãe lhe contara. Certa feita sua mãe lhe pediu que fosse à rua comprar pão. Tinha aproximadamente cinco anos de idade. Uma mulher negra lhe pegou pela mão e a conduziu à sua casa, advertindo sua mãe: “Não se pode deixar uma menina branca ir sozinha na rua. Isso não é costume”.

Viveu sua adolescência no Rio de Janeiro, casando-se em Nova Friburgo com o pastor luterano Johannes Edward Schlupp, nascido em 19 de abril de 1911, igualmente na Alemanha. O casal veio para Nova Friburgo em 12 de fevereiro de 1937 e o pastor tinha uma missão árdua e importante na cidade serrana. Havia uma cisão no seio da Sociedade Alemã de Escola e Culto, em razão de um grupo liderado por Maximiliam Falck apoiar o Partido Nacional Socialista da Alemanha, criando inclusive uma base de apoio do regime nazista em Nova Friburgo.

Os dois grupos antagônicos pró e contra Adolf Hitler sequer se cumprimentavam na igreja Luterana. O pastor Schlupp conseguiu superar essa dissensão e pacificar a comunidade alemã. O Conselheiro Julius Arp, proprietário da Fábrica de Rendas Arp, pediu ao pastor que fixasse domicílio em Nova Friburgo para manter a unidade dos alemães e ele aceitou.

Nos seus 19 anos, Brigitte Schlupp se encantou com a cidade e se sentia muito familiarizada devido à presença de muitos alemães no município. Segundo Brigitte, os brasileiros eram muito pacientes. Como os alemães falavam com frequência a língua pátria entre si, os açougueiros e quitandeiros se adaptaram e já falavam alguma coisa em alemão com os seus fregueses.

Os alemães praticavam muitos esportes em Nova Friburgo, lembra. Brigitte fazia natação, jogava tênis, praticava ciclismo e chegou até a escalar o Pico das Agulhas Negras, com seu pai. Na vida cotidiana, a primeira geração de alemães comia apenas pratos de seu torrão natal. Brigitte somente comia arroz, feijão e angu na casa dos vizinhos. Porém, quando criou os seus filhos já os alimentava nos moldes da típica cozinha brasileira.

Em 1949, o pastor Schlupp adquiriu o Colégio Cêfel, que pertencera à Cooperativa Educacional Friburguense Evangélica fundada pelo pastor presbiteriano reverendo Trasilbo Filgueiras e posteriormente administrada por professores metodistas ligados à Associação Cristã de Moços. Este colégio se tornou um dos mais importantes estabelecimentos educacionais, da cidade, reconhecido pela qualidade de seu ensino.             Durante e após a Segunda Guerra Mundial (1939-45), os alemães foram muito hostilizados pela população de Nova Friburgo em razão do posicionamento da Alemanha neste conflito. Muitos foram presos, inclusive o pastor Schlupp, entre os anos de 1942 e 1943 e conduzidos à penitenciária de Niterói, onde ficaram detidos por três meses. Alguns foram enviados para a Ilha Grande.

A Igreja Luterana foi fechada e até mesmo o cemitério dos alemães interditado para visitas. Todo alemão que se deslocasse de um município a outro deveria apresentar um salvo-conduto expedido pelo subdelegado de polícia.

Brigitte, como os seus conterrâneos, não poderia mais falar o idioma pátrio em público. Segundo ela, ocorreu um fato pitoresco nesta ocasião. Uma alemã foi presa em Araruama por um motivo bizarro. Faltou luz em sua residência que ficava próxima à costa do mar e como não havia iluminação ela acendeu um lampião. Foi presa por suspeita de estar transmitindo informações por sinal a um submarino alemão.

Também se recorda do Teatro D. Eugênia e dos passeios nas alamedas da Praça Getúlio Vargas. Segundo ela, de um lado da alameda circulavam os ricos e na outra, os pobres, numa clara divisão de classes sociais. Lembra que antes das seis horas da manhã despertava com o som de toc-toc-toc dos tamancos dos operários dirigindo-se às inúmeras fábricas da cidade:

“As fábricas apitavam e os tamancos iam para a fábrica.” Depois vieram as bicicletas. Os industriais financiaram este veículo para os operários. Quando perguntada sobre a tuberculose, lembra-se que havia muitos tuberculosos e, por isso, não se podia tomar um cafezinho nos bares da cidade. A senhora tinha medo dos tuberculosos?, pergunto.

“Eu não, todo mundo tinha medo. E muitas vezes houve brigas porque o pessoal (marujos tuberculosos) lá do Sanatório (Naval) fugia à noite para fazer farra aqui na cidade. Isso era conhecido...”

Entrevistei Brigitte Schlupp quando ela tinha 92 anos de idade e perguntei-lhe sobre sua memória do trem. Ela me disse que tinha por hábito ir à estação de trem ver os veranistas chegarem, uma mania entre os friburguenses. Você conhece a piada do trem? pergunta.

“O pessoal de fora perguntava por que nasciam tantas crianças em Friburgo. Ah, isso é claro. O trem passa às dez horas (da noite) batendo o sino, pim pim pim, o pessoal acorda, não consegue mais dormir e então...”.  

Brigitte Schlupp faleceu esta semana aos 103 anos de idade. Sua alegria e docilidade deu-lhe longevidade.

  • Foto da galeria

    Brigitte Schlupp homenageada no bicentenário de Nova Friburgo.

  • Foto da galeria

    Brigitte Schlupp homenageada pela Câmara Municipal.

  • Foto da galeria

    O pastor luterano Johannes Edward Schlupp ao centro da foto.

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