Um americano maluco

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 03 de fevereiro de 2021

Mas depois que a boa velhinha voou para o céu, o melhor é deixá-la descansar em paz

Embora nunca se tenha feito um levantamento científico sério, não tenho dúvida de que nos Estados Unidos está a maior concentração mundial de malucos. Afinal, os americanos são os maiorais em quase tudo, basta ver que nas calçadas de lá as pessoas têm que andar com cuidado para não esbarrar em algum ganhador do Nobel: cientistas, escritores, humanistas e mais uma fila interminável. Na última vez que vi a relação de vencedores, eles já tinham faturado o prêmio 352 vezes. O que nos consola é que até lugares que a gente nem sabia que existiam e muito menos que fossem países já alcançaram essa glória. É o caso de Santa Lúcia, que para mim não passava de uma clínica psiquiátrica, mas já faturou duas vezes (Literatura e Ciências Econômicas). Ainda há esperanças para o Brasil!

Apesar de ser tão importante e entregar aos contemplados uma grana preta (na verdade, nas cores do Euro), o prêmio não deixou de ser esnobado. Foi o que fez Lê Dúc Thou, do Vietname, que, tendo sido o Nobel da Paz em 1973, pediu que o deixassem em paz e não estendeu a casaca para receber a medalha nem a mão para pegar o dinheiro.

Os dados sobre os americanos, porém, são sempre superlativos. Certa vez li que se o resto do mundo comesse a mesma quantidade dos ianques a fome se alastraria (ainda mais!) pelo mundo. Se comparado, por exemplo, com um indiano, cada sobrinho do Tio Sam consome vinte vezes mais de tudo: água, eletricidade, papel higiênico e remédio, sem falar no uísque e provavelmente na cocaína. Portanto, não é de se estranhar e que, ao contrário, seja muito lógico que entre eles esteja a maior população de malucos do planeta. Para comprovar a tese, lembro o caso do sujeito que recentemente foi preso no Tenesse por estar arrobando túmulos num cemitério.

A coisa em si já é bastante doida, e ainda mais se agrava pelo motivo apresentado pelo arrombador. No fundo, um motivo muito nobre. Ele não estava arrancando dentes de ouro, nem profanando cadáveres, nem procurando algum Rolex que tivessem deixado cair no caixão na hora do sepultamento. Visto por um vigia noturno, o sujeito foi preso. Na delegacia, alegou que pretendia — simplesmente pretendia — ressuscitar a avó. Vejam vocês! Eu sempre soube que as avós fazem parte dos melhores momentos de nossa vida e, quando elas se vão, ficam para sempre entre as nossas mais doces lembranças. É só a gente pegar o álbum de fotografias ou, se você é mais jovem, o arquivo de fotos do celular para ver que não há momento algum de sua felicidade em que elas não estejam presentes, sorrindo na fotografia. Sim, amar a avó é compreensível e elogiável.  Elas merecem.  Mas depois que a boa velhinha voou para o céu, o melhor é deixá-la descansar em paz.

Ainda não está bem claro para que esse madman pretendia tirar a vovozinha do sono eterno. Talvez para pedir melhora na mesada, talvez para reclamar da pequena parte que lhe coube na herança, talvez para implorar perdão por alguma falta cometida. Fosse qual fosse o motivo, não creio que ela pudesse atendê-lo. Até porque, se lhe perguntassem se queria voltar ao mundo dos vivos, provavelmente ela, com a sabedoria que só os mortos podem ter, responderia citando o poeta baiano Leminski:

Vida e morte / amor e dúvida / dor e sorte / quem for louco / que volte.

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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