Outros hawkings

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Os insetos ─ as formigas e as abelhas em particular ─ apresentam exemplos dramáticos de cooperação social que poderiam facilmente fazer corar de vergonha a Assembleia Geral das Nações Unidas - (António R. Damásio, in O erro de Descartes)

Vocês sabem que o astrofísico inglês Stephen Hawking é um dos maiores gênios da ciência moderna, tendo criado teorias que mudaram a nossa humilde, porém muito melhorada por ele, compreensão do universo. Hawking foi grande não só pela sua inteligência impressionante, mas também por sua capacidade produtiva, mesmo sofrendo de esclerose lateral amiotrófica. Desde os 21 anos, quando descobriu que a fatalidade o atingira, até a morte, aos 76, não se deixou curvar pela doença, embora ela tivesse curvado e torcido tanto o seu corpo. Vale a pena ver o filme “A teoria de tudo”, que conta a história desse homem extraordinário.

Pois bem, uma das mais preocupantes previsões de Hawking é a de que nosso planeta está com os dias contados. Bastantes dias, é verdade, mas ele foi o primeiro a marcar uma data baseada em cálculos e não em palpites. E concluiu que isso acontecerá se os seres humanos ─ isto é, eu, você e todos os demais ­─ continuarem a tratar a Terra como se fosse uma produtora inesgotável de bens e, ao mesmo tempo, um imenso depósito de lixo.

Hawking acreditava que, do jeito que as coisas vão, o planeta suportará nossa presença por mais 600 anos no máximo. Então, tudo acabará, não haverá mais canto de passarinho, nem sorriso de criança. Se o sol e a lua continuarem pendurados no céu, não será para nosso proveito, pois não sobrará ninguém para sentir calor de um ou admirar o brilho da outra. Quando o último de nós sair, nem mesmo terá que apagar a luz: vai ter que sair correndo, e no escuro. Mas, como de tudo resta um lado bom, também não haverá mais guerra, doença, fome, ou preocupação com o fim do mundo.

Uma saída apontada por Hawking seria a descoberta de um lugarzinho que possa nos abrigar neste vasto universo, mas tenho dúvida de que a mudança de endereço seja suficiente para melhorar a situação. Bem pouco nos preocupamos com o que não está perto de nós, com o que não é imediato, com o que não nos pertence. Sofremos mais com nosso resfriado do que com as mortes na Faixa de Gaza. Se levarmos conosco esse egoísmo, essa cegueira, uns poucos séculos e já teremos destruído esse lar futuro, caso ele venha de fato a ser encontrado.

Não é que eu pretenda viver mais 600 anos. Nem por isso deixo de ficar preocupado com o que acontece enquanto estou por aqui. E, embora seja um dos oito bilhões de habitantes que estão consumindo o planeta, fico triste com queimadas no Pantanal, inundações no Rio Grande do Sul, desmatamento no Cerrado, barragens que se rompem, derretimento das calotas polares, vazamento de óleo no oceano, lixo nos rios. E, pairando acima de tudo, o aquecimento global, que faz o mundo parecer um fumante inveterado, que conscientemente envenena a si mesmo.

Nossa esperança é que surjam outros hawkings e que eles finalmente sejam ouvidos. Não adianta pedir que o mundo pare para a gente sair. No momento não há para onde sair. Talvez daqui a 600 anos.

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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