Chuvas, raios e trovoadas

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

terça-feira, 06 de fevereiro de 2024

Os incrédulos dirão que ramos e preces não fazem o milagre de desviar raios e tempestades

            Acredito que vocês, tanto quanto eu, ficaram preocupados com as chuvas que desabaram recentemente sobre nossa cidade. A gente começa logo a pensar nas pessoas que moram à beira dos rios, ao pé dos morros, gente que leva a vida aos trancos e barrancos, barracos e temporais.

            Tanta água me fez lembrar... Quando nasci, um anjo torto, desses que vivem nas sombras, como diria Drummond, me salvou das chuvas exageradas que de repente caíram sobre nossa casa. Morávamos na base do morro onde então se erguia orgulhoso o colégio da Fundação Getúlio Vargas. Do outro lado, bem acima do nível da rua, ficava a Estação de Cargas da Leopoldina Railway. Quando a enxurrada vinda lá de cima entrou pela nossa janela, junto com ela veio o tal anjo, disfarçado de funcionário da ferrovia, e me levou nos ombros para o prédio da estação. E lá fui eu, parecendo (que Deus me perdoe mais esse pecado), jesuscristinho nos ombros de São Cristóvão.

Das trovoadas perdi o medo ainda criança, uma vez que meus avós me explicaram que tudo não passava de arrumação que estavam fazendo no céu. De fato, sendo o céu tão grande, grandes deviam ser os móveis de lá e, portanto, não havia como arrastá-los sem fazer muito barulho. Explicações claras, lógicas e científicas como essa têm a vantagem de acabar para sempre com medos infundados.

            Quanto aos raios, não sei o que dizer, graças a Deus, é nula a minha experiência a respeito. Antigamente, quando se estava com muita raiva de alguém, dizia-se "raios o partam!", praga tão arrasadora que nunca atingia o alvo, mais fácil era morrerem praguejador e praguejado de morte natural, antes mesmo que um mísero raio caísse perto deles.

            Contra todos esses arroubos da natureza bem protegida ficava a casa de meus avós. Rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria era certeza de que nada de mau nos atingiria.  Também ajudava bastante um ramo benzido na Semana Santa e colocado atrás da porta da cozinha. Os incrédulos dirão que ramos e preces não fazem o milagre de desviar raios e tempestades. Talvez não entendam que o milagre não consistia em desviar raios e tempestades, e sim em nos fazer ficar tranquilos com o que estava acontecendo lá fora e ir cuidar de outra coisa, enquanto a água e o vento brigavam com as árvores do quintal e faziam barulho no telhado.

            Espero que as chuvas não voltem com tanta intensidade e que, se voltarem, não tragam estragos, prejuízos e lágrimas. Por via das dúvidas, melhor colocarmos um ramo bento atrás da porta, rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria. Sempre dá certo. Falo por experiência própria.

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