Saudade do meu amor de carnaval

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

quarta-feira, 07 de fevereiro de 2024

Foi em uma quinta-feira, antes da sexta de carnaval. E te ver, ali, em um espaço improvável que o imponderável cantou. Impactado, mesmo antes de tomar coragem para lhe dizer oi, um novo mundo me disse bem-vindo. E fui com a audácia dos sonhadores e a permissividade de quem quer ser feliz. 

Dizem que nossa alma sente quando algo grandioso está se fazendo. É a tal sensação de estar diante de fato que marca para sempre a história, como a queda do muro de Berlim, como quando Alexander Fleming descobriu a penicilina, como quando será descoberta vida inteligente em outro planeta. Diante de mim, a grandiosidade de dar a primeira linha à minha mais feliz história de amor.   

Aquela véspera de carnaval, (você), abocanhou tudo que se planejava de inconsequência para a folia vindoura. A partir dali, os planos se tornaram outros. O ensaio antecipou não só o carnaval daquele ano, como fez daquele ano o melhor carnaval. E daquele melhor carnaval, um grande amor.   

A fantasia que antes havia preparado pediu por mais lantejoulas em variadas cores e além delas, ganhou adereços mais deslumbrantes. Não era luxo. Era beleza dessas que artistas passam a vida toda buscando desenhar. Você se fez inspiração e a primeira vez que lhe vi sorrindo permanece como desfile que nunca se quer que acabe. E durou mais alguns carnavais, mesmo quando não havia desfile na avenida. 

Se neste ano, como no outro, não desfilamos na mesma escola, o melhor enredo segue sendo o mesmo, com samba antológico, desses que ainda após muitos anos de feito continua a ser entoado como o mais adequado para o esquenta de bateria.        

O amor… É isso o que fica enraizado na gente evoluindo para uma gama de outros sentimentos que se afloram a partir do mesmo âmago. Não é porque acabou o encontro que não foi bom. Não é porque findou que não foi amor. E essas saudades se enfileiram sem tapear a percepção da intensidade que visitou. Genuíno.

Compadecimento profundo de perda misturado à aguda nostalgia de algo já vivido e que se considera desejável. Felicidade pela lembrança, mas tristeza por não ser mais. “Você está longe e não sei o que se passa com você”. Talvez, seja isso que doa mais. Todo o restante não machuca, pois é tão íntima a presença do que ficou.

Fincou na memória tudo que se experimentou e até aquilo que se vislumbrou, mas não se teve. Tivemos um ao outro, principalmente nas sagas cotidianas de pão dormido antes de se deitar, tanto quanto das noites de festa, dos carnavais fora de época. Ainda sinto o cheiro do café circulando por toda a casa. Do seu café. Revi algumas séries de TV que vimos juntos. Não são tão originais quanto pareciam diante do sofá ocupado por nós dois. Como queria repetir o desfile daquele carnaval.  

As poesias que fiz para você e você fez para mim estão guardadas nas gavetas, não empoeiram, pois jamais perderam o frescor. Ainda que sambe com outro mestre-sala, ainda que finja não tropeçar nas escadas do mesmo prédio que moro, minha bandeira segue sendo a da saudade desse amor de carnaval… 

Admito: sambando na passarela da vida, vez em quando caio ao olhar para o céu tentando encontrar o exoplaneta que atende pelo mesmo nome que o meu amor de carnaval.

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