Nossa herança

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 03 de fevereiro de 2024

A Terra a ser herdada será aquela que agora está sendo plantada. Colhemos tempestade. Quem mais paga são as vítimas da desigualdade. O gado passeia pelos pastos que outrora dava arroz. Tomates para quem? Soja é melhor do que árvores. Pois se entupam de agrotóxicos na ilusão de ser possível estocar ar. E a fome é problema de quem tem fome — dirão os cavaleiros do apocalipse. O fim do mundo não é produto de profecias, mas é alimentado dia após dia por nós, com cada vez mais velocidade. Não é possível se colocar de fora. Somos co-responsáveis. 

Mais do que aos nossos filhos, mas para nós mesmos: um novo tempo! Se somos tão talentosos em acelerar o fim, que sejamos precisos em honrar nossa grande casa Terra com dedicação, sustentabilidade, provendo-se do necessário e garantindo ao outro o mesmo necessário para uma vida digna e com garantia de continuidade. Que não sejamos nós o meteoro do armagedom, mas que sejamos guardiões da paz que preserva e prospera vida e vida que se recusa apenas a só sobreviver.

Merecemos, todos, mais. Muito mais! Assumindo os equívocos dos nossos antepassados, colocando lupa nas raízes do mal causado para que nossas raízes possam produzir outros frutos: acolhimento, empatia, resiliência, temperança. 

Estamos no mesmo barco. Maltratamos a Terra e os seres que vivem nela, inclusive nós mesmos. Agora, precisamos salvá-la. Que não fique tarde, ainda que pareça já ser tarde. Precisamos nos entender, mais do que apenas conversar em planos de potências que as potências não cumprem, mas obrigam os países pobres a se dedicar. 

De nada adianta bilhões e trilhões de dólares para povoar Marte, se não habitamos mentes e corações para inaugurar uma nova Terra neste velho planeta. Respeito à ancestralidade; aos rios e mares; à diversidade; às matas e animais, à humanidade. Não há terra prometida, há paraíso se derretendo bem na frente dos nossos olhos. Parar com o que estamos fazendo, não cessar na determinação de uma ética planetária que nos conduza a uma nova conexão com Gaia e com a gente mesmo.             

Somos milhares de anos de avanços e retrocessos. Todas as atrocidades cometidas deveriam envergonhar. Ensinam. Todos os avanços podem nos fazer mais fraternos para que não se cobre com sangue de marginalizados e indignados um futuro mais inclusivo, dias melhores.  

O que aprendemos? Nem um passo a menos, muitos passos para a frente. Um outro mundo é possível. A consciência conquistada não pode ser esquecida. A esperança de um amanhã cooperativo deve ser imperativo. 

Que amanhã não seja somente outro dia, mas a reparação de todos os equívocos cometidos, para que também não sejam repetidos, para que ninguém mais sofra em nome da ganância ou da fé. Fé que mata não é fé. Bem que faz o mal jamais é em nome de um bem maior. 

Estamos a plantar a terra que será herdada. Que preservemos também os herdeiros que a receberão. Que seja uma Terra sadia, de respeito às diferenças, de harmonia entre os povos, de menos consumismo e mais comunhão de afetividades. Que o poder seja poder cantar, se expressar, ser feliz, compartilhar. 

Pode parecer sonho, mas ao fim, é nossa única alternativa.   

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