Estrelas cadentes

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 03 de dezembro de 2022

Estrelas cadentes são meteoritos que entram na atmosfera terrestre e com a pressão do ar queimam na escuridão da imensidão — dizem os homens da ciência. Os seres da poesia dirão que são estrelas — como as que apreciamos no grande teto sobre nós — que findam e explodem como fogos de artifício.

De forma bela, encerram sua viagem pelo espaço e desabrocham em luz antes de se chocarem com o fim. Ao invés de despencarem até arrebentarem em solo, se desfazem luminosas, riscando o firmamento de claridade. 

Os ingênuos — somente os ingênuos sonham sorrindo — farão pedidos, e, de uma maneira ou de outra serão atendidos. É assim há muitos anos. Vêm da nossa ancestralidade de esperançosos. Foram os esperançosos que nos trouxeram até aqui. Serão os esperançosos que nos farão caminhar e resistir ao sempre presente mal.

Somos como estrelas cadentes. Nossa viagem é ligeira. Passamos por planetas, astros maiores e menores, nebulosas, circundamos buracos negros. Por alguns satélites, até nos orientamos e nos encantamos por determinados cometas. Fazemos rastro de luz enquanto somos procura que se guia pela luz do Sol. 

Deciframos o desconhecido, mesmo sem ter exatidão do que se descobre ao descobrir, quando se descobre. Montamos em espaçonaves que nos levam de acordo com o combustível que a abastecemos. Pode ser de carência. Pode ser de euforia. Pode ser de otimismo ou de agudo pessimismo. Pode ser de paixão. Pode ser de fantasia. Pudera ser a sorte o único combustível possível. A determinação nem sempre determina glória. 

Mas essas aeronaves que pilotamos se alimentam de tudo e nos concedem certa liberdade em darmos a elas o que fabricamos. Aterrissamos em terrenos nem sempre planos. Às vezes, até mergulhamos em águas profundas sob-risco de se afogar. 

Mas, conscientes, navegamos na fina camada que nos garante ficar entre céu e mar. É suspeita quase certeira: há água em outros planetas para além da Terra. A ciência dirá que, com o tempo, nos desintegraremos como as estrelas cadentes. 

Os astrônomos têm razão. Mas os poetas acrescentarão que até lá haverá muita dor, alegria, encontros, ardores, expectativas e até desejos de eternidade. Entre dramas insanos e outros travestidos de sanidade, nossas histórias se desenharão sem rota totalmente planejada, sem garantias de que os destinos aplicados no GPS dos dias serão cumpridos, de que as viagens desempenharão com exatidão os minutos mostrados em tela.

Já sabemos e até nomeamos a distante HD1, a suposta galáxia mais distante de nós, a 13,5 bilhões de anos-luz. Conhecemos tão pouco sobre ela, tanto quanto conhecemos tão pouco sobre Earendel, a chamada “estrela da manhã” que demorou 12,9 bilhões de anos-luz para chegar ao nosso planeta. O que sabemos de Farfarout, Plutão, Saturno, Mercúrio ou da nossa Lua? E todos esses estão na mesma galáxia que nós! O que conhecemos da nossa própria morada?

Certeza é que há um ciclo: nascer, crescer, envelhecer, morrer. Ainda que para uns se envelheça menos por morrer cedo demais. Estrelas cadentes talvez tenham sede de vida. Uma sede repleta de agonia. Não porque sabem que vão morrer em explosão. Mas pela urgência de que estão próximas do fim quando cruzam a atmosfera terrestre.

O fim sempre está mais próximo a partir do nascimento. Essa sede pode ser menos angustiante se viver for viajar em plenitude mais do que explodir em luz.

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