Carta ao Pai

Max Wolosker

Max Wolosker

Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.

quarta-feira, 16 de março de 2022

No último dia 8 os colegas ginasianos da turma de 1965, do Colégio São Bento, perderam seu grande amigo Alfredo Guarischi, uma das referências da cirurgia oncológica no Rio de janeiro e, sem modéstia, no Brasil. Compartilho nesta coluna uma mensagem escrita por sua filha, também médica, Jéssica Guarischi, uma emocionante despedida do pai.

“Tudo começou com um caderno que resolvi comprar, escolhi a capa do Super-homem, pois sempre foi e será a maneira como te vejo. Queria escrever a jornada de sua internação contando todos os seus momentos de superação e de alguma maneira conversar com você através dele. Não esperava que o último capítulo seria escrito por mim. Ele estava ali, para você ler, reler e quem sabe, publicar um livro. Sempre achei que haveria mais um capítulo da sua história. Continuo acreditando porque nada se encerra por aqui.

Quem diria que você, nascido na Ribeira (Ilha do Governador, no Rio) em 23 de setembro de 1950 iria alcançar voos tão altos quanto a figura mítica de Ícaro. Como bom aluno do São Bento, sempre dedicado e com um livro na mão, começou sua vida médica na UFRJ, lá é sua casa onde até hoje permanece como professor voluntário pela gratidão de anos de conhecimento adquiridos. No primeiro dia de aula foi todo de branco com jaleco de manga curta recebendo o apelido de pipoqueiro.

Quantos residentes acolheu na sua equipe cirúrgica, recém-formados, mas que você viu o potencial e o mesmo brilho no olhar que sempre carregou. Foi rigoroso, mas incondicionalmente generoso; foram muitos que aprenderam e sofreram com você. Pai, professores temos muitos, mestres somente alguns. Considere-se um MESTRE.

Seguiu aprendendo e evoluindo em tantos outros hospitais, Moncorvo Filho, Souza Aguiar onde descobriu sua paixão pelo trauma, Hospital da Lagoa, Miguel Couto, Inca onde fundou um serviço. Dos particulares: São Lucas, Pro cardíaco, Samaritano, Hospital do Câncer e Rede D’or se consagrou e foi abraçado pela rede levando um dos seus maiores projetos: capacitar profissionais para lidar com adversidades, entender o que são não conformidades, identificar o erro e mostrar que o verdadeiro trabalho depende de uma EQUIPE multidisciplinar, cada profissional é importante no ato de cuidar do paciente. Como você já me falou “Filha, o paciente tem a cara de quem o cuida“.

No trabalho na polícia, você desaguou seu espirito de combate que adquiriu nos anos de trauma, mas foi além: você humanizou as relações.  Participou da invasão do Complexo do Alemão e ali você virou um combatente. “Ninguém fica para trás” e “Força e honra“ lemas que aprendeu com eles e aplicava na sua vida.

Na escrita, encontrou a voz que muitas vezes estava engasgada em sua garganta. Aprendemos muito com seus textos; quando solicitadas, eu e Simone fazíamos as revisões com carinho, porque sempre entendemos que aquilo também era uma maneira de permitir o aprendizado dos demais. Pai você é um artista.

Sua capacidade de humanizar questões tão sensíveis vai além de sua habilidade técnica. A maneira que sempre tratou seus pacientes, suas consultas duravam três, às vezes quatro horas. Sempre saindo do atendimento sabendo e conhecendo-os a fundo.  Nome da mãe, nome do pai, suas angústias e frustrações, seus anseios e principalmente seus medos. Pai, saiba que isso é um dom: o dom de ouvir.

Você pode ter certeza que muitos daqueles viraram seus amigos. Você resgatou famílias despedaçadas, trouxe acolhimento e cuidou de cada membro que também estava sofrendo pelo ente querido. Você sempre me falou: “Não existe o melhor médico do mundo, o que existe é o melhor médico para aquele paciente”, “Você não está tratando uma doença, você está tratando uma pessoa que tem família, lembre-se disso” e “Nunca tire a esperança de um paciente. Ali você tira a sua vida“.

Você conferia de maneira xiita cada exame, prescrições, ligava para patologistas para discutir os casos, corria para o hospital de madrugada para reavaliar pacientes de maneira canina. Pai, isso é compromisso.

Quando resolvi ser médica a primeira frase que me disse foi: “Medicina é compromisso, não quero médico medíocre na família”. Tenho tantas lembranças com você, você não imagina...

Em 2019 quando eu era R1 (Residência 1), no Dia dos Pais, estava de plantão. Sabia que não poderia estar contigo, mas lá foi você até o Pedro Ernesto, me acompanhar na visita aos MEUS pacientes e celebrar o SEU dia. Não me esqueço da frase: “Esse foi o melhor dia dos pais que tive”. Pai, foi através de pequenos exemplos seus que aprendi o que é amar o que fazemos. Inquieto, incansável, briguento e por muitos, incompreendido, mas sempre ético, firme, honesto.  Todas as brigas se tornaram pequenas depois que conheci e reconheci quem era o Dr. ALFREDO GUARISCHI, o meu PAI. Você me ensinou que vencer é nunca desistir. Vencer é lutar.

E você lutou, lutou muito pelos seus valores, pela sua ética, pelos pacientes, pela sua felicidade em ser médico e pela sua vida. A cavalaria branca entrou pela porta da frente deu tudo de si, o impossível foi feito. Pai, você foi tratado pelos melhores, por aqueles que ESCOLHEU com carinho e sobretudo DIGNIDADE. Hoje, eu perdi meu grande mestre, professor, meu amigo, meu amado pai. Você deixará um vazio e dor em todos aqueles que tocou a vida e alma. Sua perda é irreparável. Seguirei COM SEU LEGADO honrando sua trajetória e ancestralidade. EU SOU UMA GUARISCHI.

Me acompanhe, voe e voe alto , nos acompanhe aqui. Meu Guerreiro, vá e vença. EU TE AMO PAPAI”. Por sua eterna samurai Jessica Guarischi.

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