Vivemos em um planeta em crescente aquecimento global

Como as mudanças climáticas afetam as estações do ano
sexta-feira, 16 de agosto de 2024
por Ana Borges (ana.borges@avozdaserra.com.br)
(Foto: Pexels)
(Foto: Pexels)

“Universidade da Inglaterra anunciou estudo sobre variável no Pacífico Sul como se fosse um novo fenômeno El Niño”. Vários meios de comunicação divulgaram nos últimos dias a suposta descoberta de um padrão de variabilidade climática que foi abordado como um novo El Niño. O título do comunicado da Universidade de Reading, da Inglaterra, diz: “Novo El Niño descoberto ao Sul do Equador”. 

Uma pequena área do sudoeste do oceano Pacífico, perto da Nova Zelândia e da Austrália, pode desencadear mudanças de temperatura que afetam todo o Hemisfério Sul, pontua o estudo da universidade britânica. O novo padrão climático, que os pesquisadores dizem compartilhar algumas características com o fenômeno El Niño, foi chamado de “Padrão Circumpolar de Onda-4 do Hemisfério Sul” ou W4 ou SST-W4.

Apesar do anúncio recente, em agosto de 2024, pela universidade inglesa, existem estudos sobre esta onda já há alguns anos, embora sejam poucos. Ao contrário do El Niño, que começa nos trópicos, esse novo padrão tem início nas latitudes médias. O estudo destaca o quão importante é a interação entre o oceano e a atmosfera para o nosso clima.

Balaji Senapati, autor principal do estudo, afirmou que as implicações desta onda no Hemisfério Sul são globais. “A descoberta é como encontrar uma nova mudança no clima da Terra. Ela mostra que uma área relativamente pequena do oceano pode ter efeitos de longo alcance no clima global e nos padrões climáticos”, destacou. 

“Compreender esse novo sistema climático pode melhorar muito a previsão do tempo e a previsão do clima, especialmente no Hemisfério Sul. Pode ajudar a explicar mudanças climáticas que antes eram misteriosas e podem melhorar nossa capacidade de prever eventos climáticos e meteorológicos extremos”, assinalou. Pesquisadores usaram modelos climáticos sofisticados para simular 300 anos de condições climáticas. 

Este modelo combina componentes atmosféricos, oceânicos e de gelo marinho para criar uma representação abrangente do sistema climático da Terra. Ao analisar esses dados simulados, a equipe identificou um padrão recorrente de variações de temperatura da superfície do mar circulando o Hemisfério Sul. O padrão climático funciona como uma reação em cadeia global, criando quatro áreas quentes e frias alternadas nos oceanos, formando um círculo completo no Hemisfério Sul, que começa perto do oceano da Nova Zelândia e da Austrália. 

Efeito cascata

Quando a temperatura do oceano muda nesta pequena área, isso desencadeia um efeito cascata na atmosfera. O efeito, de acordo com os pesquisadores, é criar um padrão semelhante a uma onda que viaja por todo o Hemisfério Sul, carregado por fortes ventos de Oeste. Conforme essa onda atmosférica se move, ela afeta as temperaturas do oceano, criando as quatro áreas quentes e frias. 

O oceano desempenha um grande papel neste processo. Quando a onda atmosférica muda os padrões do vento, ela afeta como o calor se move entre o oceano e o ar. Isso muda a profundidade da camada superior de água mais quente do oceano, o que pode tornar as mudanças de temperatura mais fortes ou mais fracas.

Esse novo padrão acontece independentemente de outros sistemas climáticos conhecidos nos trópicos, como o padrão de aquecimento e resfriamento de El Niño e La Niña, de correntes e ventos alísios. Isso sugere, segundo os pesquisadores, que sempre foi parte do clima da Terra, mas só agora foi notado. Mas é preciso ter cuidado com a equivalência feita com o El Niño. 

Tal como o El Niño conhecido do Pacífico, o chamado Niño do Atlântico é caracterizado por temperaturas da superfície do mar mais quentes do que a média na bacia equatorial oriental e ventos alísios mais fracos do que a média em todo o Atlântico equatorial Centro-Leste.

Já o chamado El Niño do Atlântico, em contraste, tende a atingir o pico no inverno do Hemisfério Sul, em regra quando a fase é neutra no Pacífico e costuma ter duração mais curta, com impactos climáticos mais modestos e locais. Em síntese, o que se anuncia agora como uma descoberta já não é tão novo para a comunidade climática com estudos publicados sobre o tema ao menos desde 2021. 

Tampouco esta nova variável climática deve ser vista como um novo El Niño porque diferente em vários aspectos e com impactos muito menores no Brasil e no resto do mundo, sendo apenas mais uma de tantas variáveis no clima. 

Eventos alteram padrões climáticos

Os repetidos alertas de especialistas sobre os efeitos que as mudanças climáticas teriam sobre o planeta, bem como os acordos internacionais para limitar o aumento da temperatura nos próximos anos a 2°C acima dos níveis pré-industriais, mostraram que vivemos em um planeta em aquecimento.

De fato, 2023 foi o ano mais quente já registrado, de acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA). Ao mesmo tempo, especialistas meteorológicos alertaram sobre a ocorrência de temperaturas frias e invernos muito frios em diferentes latitudes ao redor do mundo.

Temperaturas mais altas não significam que a estação mais fria do ano desaparecerá, muito menos que temperaturas extremamente baixas não serão registradas em algumas partes do globo. 

"A mudança climática não implica apenas em alterações na temperatura média global da superfície, mas também na circulação atmosférica, no tamanho e nos padrões das variações climáticas naturais e no clima local. Os eventos como o La Niña alteram os padrões climáticos, de modo que algumas regiões se tornam mais úmidas e os verões chuvosos tendem a ser mais frios", explica a The Royal Society, a mais antiga academia científica do mundo, situada na Grã-Bretanha.

"As temperaturas quentes no Ártico fazem com que as correntes de ar sofram oscilações bruscas e, quando ela oscila mais ao sul, faz com que o ar frio chegue a áreas mais também ao sul”, explica Jennifer Francis, cientista atmosférica norte-americana e autora do estudo de 2018. “Essas mudanças tendem a durar algum tempo, portanto, o clima que temos no leste dos Estados Unidos, seja frio ou quente, tende a permanecer assim por mais tempo", completa.

Em um documento escrito pela cientista e publicado pela Universidade de Rutgers, nos Estados Unidos, Francis e seus colegas descobriram que os invernos ficam mais frios nas latitudes norte da Europa e da Ásia quando o Ártico está quente. "Invernos rigorosos têm de duas a quatro vezes mais probabilidade de ocorrer no leste dos Estados Unidos quando o Ártico está anormalmente quente do que quando está anormalmente frio".

No entanto, conclui a The Royal Society, "o aquecimento global inclina as probabilidades a favor de mais dias e estações quentes e menos dias e estações frias". Isso aumenta a probabilidade de ondas de calor mais frequentes em muitas partes do mundo, inclusive na América do Sul.

Permafrost, o que é?

O permafrost ou pergelissolo é uma camada do subsolo da crosta terrestre que está permanentemente congelada. A maior parte está localizada no hemisfério norte, concentrando-se, principalmente, na região do Ártico, sobretudo em partes da Rússia, Estados Unidos, Canadá e Dinamarca.

As mudanças climáticas já estão afetando todo o mundo, assumindo a forma de fenômenos meteorológicos extremos, alguns dos quais encheram capas e titulares nos últimos tempos. Atrás desses fenômenos, está o aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE), estimulado pelas atividades humanas e que aqueceu o planeta em 1,1 ºC desde o período 1850-1900 até hoje, conforme o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Às ameaças como ondas de calor, chuvas torrenciais ou furacões, cabe acrescentar outra, das mais graves e das que menos se fala e que se esconde debaixo da superfície: o degelo do permafrost. À medida que as temperaturas aumentam, esta camada permanentemente congelada irá se derretendo e liberando gigatoneladas de gases, como carbono e metano, assim como antigos vírus e bactérias, provocando graves consequências tanto para as regiões onde se situa quanto para o planeta.

No Brasil, no Amapá, no Rio

A tudo isso se soma o significativo aumento do nível dos oceanos. O calor recorde registrado em 2023 provou um aumento no nível do oceano na costa brasileira acima da média mundial. É o que aponta o relatório “O Estado do Clima na América Latina e no Caribe em 2023”, da Organização Mundial de Meteorologia (OMM), divulgado em maio deste ano, marcado pelo recorde de temperatura e pela maior elevação dos mares já registrada. 

Segundo o estudo, o mundo inteiro sofreu com a elevação do nível do mar por conta da expansão térmica, já que a água quente se dilata. Isso acontece desde 1993, mas no ano passado foi registado um recorde, com média global de 3,42 mm/ano. Na costa atlântica da América do Sul, o número chegou a 3,96 mm.

Quando analisados de forma avulsa, os números podem parecer pequenos e sem importância, mas a realidade é bem diferente. Conforme listado pelo O Globo, a elevação do mar erode o litoral, contamina o lençol freático com água salgada, agrava inundações provocadas por tempestades, mina as fundações de construções, gera afundamento de terrenos e faz as ressacas se tornarem maiores, o que gera um avanço da água por mais terrenos. Como visto ao longo desta semana com a ressaca nas praias do Rio.

É possível ver efeitos por todo o Brasil. No Amapá, por exemplo, palmeiras e outras plantas próximas à foz do Rio Amazonas morreram devido à contaminação da água doce pelo sal. No Rio de Janeiro e em Santos (SP), as ressacas gigantes refletiram em problemas para as cidades. 

O relatório destaca que o Brasil sofreu 12 eventos climáticos extremos em 2023. Enquanto algumas regiões enfrentaram chuvas torrenciais — como o litoral de São Paulo, que recebeu 683 mm de água em apenas 15 horas, em fevereiro —, outras ficaram marcadas por forte calor acompanhado de seca. Um exemplo é a Amazônia. A onda de calor sem precedentes, com uma das piores secas registradas, fez o nível do Rio Negro cair para 12,70 metros em outubro, o mais baixo já registrado desde 1902.

No Lago Tefé, mais de 150 botos cor-de-rosa foram encontrados mortos no final de setembro, em virtude dos impressionantes 39,1 °C de temperatura da água.

Situação pior do que se pensava

A maioria do permafrost atual se formou durante e a partir da Idade de Gelo. Pela sua antiguidade, foi acumulando grandes quantidades de metano e carbono (os principais GEE) provenientes da matéria orgânica descomposta em seu interior. Conforme algumas fontes, a quantidade de carbono retida no permafrost é quase o dobro que a existente na atmosfera. Por essa razão, seu degelo e sua conseguinte liberação de gases significa uma grave ameaça no combate contra as mudanças climáticas.

Devido às baixas temperaturas necessárias para sua formação, o permafrost é um fenômeno endêmico de climas frios. Em concreto, a maioria do permafrost da Terra se encontra no hemisfério norte (Sibéria, Tibete, Groenlândia, Alasca, etc.), que abarca ao redor de 23 milhões de km2 segundo o National Snow and Ice Data Center (NSIDC) — os quais equivalem a 25 % da superfície terrestre dessa parte do mundo. No hemisfério sul, pode ser encontrado em lugares como os Andes, Alpes do Sul ou nas ilhas Geórgias do Sul, entre outros.

O permafrost do planeta está se derretendo e a principal causa é o aumento da temperatura média da Terra. De fato, a situação é pior do que se pensava. Uma equipe internacional de cientistas climáticos analisou o derretimento do permafrost na Sibéria e Canadá e alertou que irá se descongelar 20 % a mais do que previam as pesquisas anteriores.

Conforme este estudo, publicado na revista Nature Climate Change, um aumento global da temperatura de 1 ºC em relação aos níveis pré-industriais suporia uma perda de permafrost um pouco maior que o tamanho da Índia (concretamente, a perda seria de quase quatro milhões de km2), enquanto um aumento de 2 ºC significaria a perda de 40 % do permafrost mundial. 

Se o Acordo de Paris fosse cumprido (seu objetivo é manter o aquecimento global abaixo de 2 ºC, tentando limitá-lo a 1,5 ºC), grande parte do permafrost do planeta seria salva. Posto que o derretimento do permafrost tem consequências catastróficas para o planeta e para a vida. Confira a seguir: 

Liberação de gases de efeito estufa

O permafrost retém gigatoneladas de metano e dióxido de carbono no subsolo. Sua progressiva liberação produziria uma aceleração do aquecimento global que, por sua vez, provocaria um aumento do derretimento do permafrost restante —fenômeno conhecido como permafrost carbon feedback cycle —.

Liberação de vírus e bactérias

Em agosto de 2016, na tundra siberiana, uma criança de 12 anos faleceu e dezenas de pessoas foram hospitalizadas por um surto de carbúnculo (antraz) liberado pelo descongelamento de uma camada de permafrost onde jazia o cadáver de uma rena. Os cientistas encontraram no permafrost micróbios com mais de 400.000 anos. Por isso, acredita-se que muitos dos vírus que ameaçaram a humanidade durante sua história (como a peste bubônica ou a varíola) estão em estado latente nesse estrato congelado.

Danos aos ecossistemas e à sua biodiversidade

O derretimento do permafrost siberiano está convertendo partes da tundra em paisagens lamacentas, fazendo com que a flora local desapareça e que a fauna que se alimenta dela não tenha nada que comer. Igualmente, quando se descongela o permafrost situado sob corpos de água, como é o caso dos lagos, a água é filtrada no terreno, desaparecendo e provocando secas.

Desmoronamentos e acidentes geológicos

Ao se derreter o gelo que atua como cimento, unindo os materiais do permafrost, podem ocorrer desmoronamentos em cidades construídas sobre o mesmo. Na Rússia, país com mais de 60 % de seu território assentado no permafrost, este problema adquire uma especial gravidade (Yakutsk, a maior cidade construída no permafrost, já padece de suas consequências). A cratera de Batagaika, originada pelo degelo do permafrost junto a um processo de desmatamento que provocou desabamentos, é a imagem que melhor exemplifica a magnitude do problema. (Fontes: nationalgeographicbrasil.com/ iberdrola.com/metsul.com/nautica.com.br)

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