Uma vida dedicada ao teatro e à formação de artistas

A influência de Maria Clara Machado no trabalho do Grupo Gama
sábado, 10 de abril de 2021
por Ana Borges (ana.borges@avozdaserra.com.br)
(Fotos: Acervo Gama)
(Fotos: Acervo Gama)
Autora de grandes sucessos e ícone do teatro infantil brasileiro, Maria Clara Machado descobriu seu talento quando recebeu uma negativa. Foi trabalhando como voluntária no Patronato da Gávea, instituição que atendia os operários que trabalhavam nas imediações do Jardim Botânico, que ela ouviu não ter vocação para a enfermagem. Era “saliente demais”, disseram. Cabia-lhe melhor a função de "teatreira" e lhe encomendaram "qualquer coisa para distrair as crianças". 

“Nós somos como sementes, aquela coisa que nasce e depois dá frutos. O Tablado tem dado muitos frutos, e são esses frutos que salvam o Brasil do caos”
Foi assim que nasceram, há 70 anos, o Tablado e uma autora que viria a transformar o panorama do teatro para crianças. Seu teatro foi construído sobre dois elementos fundamentais: humor e poesia. De um lirismo que invariavelmente escapava da literatice por sua graça, por seu traço cômico.

É impossível olhar para sua literatura dramática desvinculada de seu percurso no Tablado. Maria Clara nunca desejou profissionalizar o grupo. Nem mesmo no fim dos anos 1970, com a regulamentação da profissão do ator no Brasil, quis que a companhia deixasse o teatro amador. 

Ao contrário, acentuou cada vez mais a função formadora do espaço, abraçando as novas gerações. Passaram por lá, Marieta Severo, Louise Cardoso, Andrea Beltrão, Fernanda Torres, Enrique Diaz, Leonardo Brício, entre tantas gerações de artistas. Estes fazem parte de uma lista sem fim dos muitos nomes que pisaram o palco do Tablado. Dali, não se saía apenas ator ou atriz, mas um artista com experiência profunda da improvisação e um entendimento do aspecto eminentemente artesanal do teatro. 

“Nós somos como sementes, aquela coisa que nasce e depois dá frutos”, dizia Maria Clara. “O Tablado tem dado muitos frutos. E são esses frutos que salvam o Brasil do caos”. 

 

Lembrando Maria Clara e o Tablado
por Chico Figueiredo 

“Tive a minha primeira experiência com Maria Clara Machado, ainda criança, ao assistir a peça “A bruxinha que era boa”, no teatro do Colégio Mercês, aqui em Friburgo. Foi o meu primeiro contato com teatro e fiquei apaixonado, não só pelo espetáculo em si, mas por tudo que estava em cena. Senti toda a magia, fiquei maravilhado com os figurinos, o cenário, o visual dos personagens, que depois aprendi que eram a maquiagem, os penteados, as máscaras, adereços. E tinha toda aquela movimentação, a música, a sonoplastia. Foi amor à primeira vista, um momento muito marcante na minha vida! 

Depois, na adolescência, quando comecei a fazer teatro, com o talentoso José Ivan Erthal, sempre ouvia falar da Maria Clara, das peças dela, de todo o sucesso quer fazia o pessoal do Tablado. 

Mais tarde, já atuando no GAMA — Grupo de Arte, Movimento e Ação, fundado por Julio Cezar Seabra Cavalcanti, o Jaburu, — tive uma segunda experiência com o Tablado, então como aluno da professora Maria Vorhees. Nessa mesma escola tive aulas também com o professor Damião [ator, diretor e professor Carlos Wilson], e com um dos fundadores do Tablado, o teatrólogo e crítico teatral do Jornal do Brasil, Yan Michalski. 

Depois desse período, fui para o preparatório da CAL — Casa das Artes de Laranjeiras — [centro de treinamento de mão de obra artística para diversos setores das artes cênicas], no Rio.

Eu devia ter uns 12, 13 anos, quando assisti “Pluft, o fantasminha”, encenado pelo Gama em meados dos anos 1970, e aos 16, 17 anos, entrei para o grupo. Anos depois, o Jaburu quis prestar uma homenagem a Maria Clara e idealizou o espetáculo “Fantasia à moda Clara”, com texto de Ieda Lucimar, cujo tema era a busca dos personagens ao seu criador: no caso a autora, Maria Clara. Foi uma produção trabalhosa, tipo uma superprodução, com um visual belíssimo, que estreou no teatro do Country Clube, em 2004. 

O elenco, formado só por friburguenses, era talentoso e numeroso. Fiz a cenografia e figurinos, o Teleco Ventura compôs a trilha sonora, e Ieda Lucimar, a letra. Eles foram dois dos muitos profissionais da equipe técnica. Enfim, foi uma produção de alto nível, à altura de Maria Clara Machado. Durante a temporada o ator Franklin Vogas teve que deixar a peça, daí tive que substituí-lo. Depois do Country fomos para o Centro de Arte e dali para o Teatro Municipal de Niterói. 

Enquanto morei no Rio, durante uns 25 anos, vi várias montagens do Tablado. Foi uma época muito marcante na minha vida pessoal e profissional. A base da minha carreira como artista construí no Tablado. Foi uma experiência enriquecedora. “Fantasia à moda de Clara” foi a última peça infantil que o Gama montou, em 2004.” 

Jaburu sobre Maria Clara

Em uma das incontáveis cerimônias de homenagem à classe artística, Jaburu, criador do Gama, em 1966, e falecido em 19 de abril de 2016, comentou: “Temos que reconhecer e valorizar os talentos que tanto fazem por Nova Friburgo. É por isso que acho importante festejá-los, exprimir, publicamente, o quanto devemos a todos os nossos artistas”, discursou. 

Em outra ocasião, disse: “Na ação contínua de fazer arte e promover cultura, estamos sempre dispostos e prontos para expressar o que pensamos, imaginamos, refletimos, sentimos. Penso que estes foram os mesmos sentimentos que levaram Maria Clara a construir a carreira que construiu, baseada na paixão pelo teatro, ao qual dedicou toda a sua vida”, comentou Jaburu, enquanto assistia a mais um ensaio do espetáculo “Fantasia à moda de Clara”, que produziu com o Gama. 

Esta foi mais uma das peças de maior sucesso do grupo, assim como ocorreu com “Greta Garbo, quem diria acabou no Irajá”, “Em busca da água prometida”, “Dois perdidos numa noite suja”, “Liberdade, Liberdade”, “Os Saltimbancos”, “Canto de amor a Nova Friburgo”, “Fernando em Pessoas”, entre outras. 

Ao celebrar o centenário de Maria Clara Machado, estendemos nossas homenagens e agradecimentos aos artistas friburguenses, que não se entregam e não desistem de nós, sua platéia. 

(Com Maria Eugênia de Menezes, para GZHespetáculos)

 

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