O câncer cervical, ou câncer de colo de útero, é causado por uma infecção persistente por tipos agressivos de papilomavírus humano (HPV). No entanto, essa patologia, uma das principais causas de morte por câncer entre mulheres no mundo, é altamente prevenível com a detecção precoce e tratamento adequado. Nesse contexto, o desenvolvimento contínuo de novos quimioterápicos desempenha um papel crucial no avanço do tratamento do câncer cervical.
Considerando a vasta disponibilidade de insumos naturais no Brasil, a professora Aislan Fagundes, do Instituto de Saúde de Nova Friburgo da Universidade Federal Fluminense (ISNF/UFF) desenvolve pesquisas com espécies nativas da Mata Atlântica, a fim de coletar, identificar e avaliar o potencial dos extratos obtidos a partir das folhas no tratamento de diversas doenças, incluindo o câncer.
Aislan afirma que é importante observar os dois grandes problemas enfrentados no tratamento oncológico em geral. “O primeiro diz respeito aos efeitos colaterais, como perda de cabelo, náusea e desconfortos que impactam significativamente na qualidade de vida dos pacientes submetidos à quimioterapia. Além disso, a maioria dos quimioterápicos disponíveis no mercado apresenta efeitos tóxicos que podem ser graves, especialmente aqueles que afetam células do fígado, rins e coração, que não se regeneram após o tratamento. Alguns medicamentos podem até causar perda auditiva ou afetar a medula óssea, resultando em alterações na produção de células sanguíneas.
O segundo ponto de destaque na pesquisa de quimioterápicos é a resistência de alguns tumores a múltiplos fármacos. Certos tumores não respondem aos tratamentos disponíveis, o que pode agravar a doença ou levar à metástase, resultando, em muitos casos, na morte dos pacientes devido a tumores secundários”.
A docente conta que começou a desenvolver pesquisas com plantas da família Myrtaceae ainda durante o doutorado e, atualmente, trabalha em conjunto com a doutora Mariana Toledo. “O tio da Mariana, que é um conhecedor de plantas, apresentou-nos uma espécie abundante na Região Serrana, conhecida localmente como ‘cabeludinha’ ou jabuticaba amarela e, ao submeter a planta à identificação, descobrimos que se tratava de uma espécie da Mata Atlântica pertencente à família Myrtaceae, com poucos estudos realizados até então. Foi nesse momento que decidimos iniciar pesquisas com a jabuticaba amarela, chamada cientificamente de Myrciaria glazioviana, explorando não apenas suas folhas, mas também seus frutos”, conta Aislan.
Inicialmente, Aislan e Mariana concentraram as pesquisas nas folhas antes de direcionarem a atenção para os frutos, e mais tarde retornaram ao estudo das folhas. “Observamos a atividade anti-inflamatória dos frutos da Myrciaria glazioviana. Em seguida, decidimos avaliar o potencial das folhas em relação à linhagem de células de câncer de colo de útero. Essa linhagem é escolhida devido à sua agressividade, refletindo a realidade do câncer cervical no Brasil, que é o terceiro tipo mais comum entre as mulheres e uma das principais causas de mortalidade feminina por câncer”, pontua a docente.
Aislan explica que a primeira etapa da pesquisa consiste na triagem de compostos, principalmente a partir do extrato das folhas, que têm demonstrado atividade antitumoral. Em seguida, os compostos que apresentam essa atividade são isolados e testados em linhagens celulares. Ao testar esses compostos em células não tumorais, as pesquisadoras buscam identificar aqueles que causam menos efeitos colaterais, além de tentar superar a resistência apresentada pelos tumores aos tratamentos convencionais disponíveis nos fármacos oncológicos atuais.
Até o momento, os resultados se mostraram bastante promissores. Mariana relata que, na primeira fase da pesquisa, realizada durante o mestrado, foi possível observar uma significativa atividade anti-inflamatória tanto nos frutos quanto nas folhas da planta. “No doutorado, focamos na avaliação da atividade antiproliferativa em relação ao câncer cervical. Nossas investigações revelaram uma notável atividade antiproliferativa tanto no extrato das folhas quanto nos compostos isolados dessas folhas. Constatamos que esses agentes são capazes de inibir a proliferação das células de câncer cervical. Vale ressaltar que testamos tanto o extrato quanto os compostos em células normais, e essas não foram afetadas. Portanto, a atividade antiproliferativa demonstrada é seletiva para o câncer cervical”, acrescenta a doutora Mariana.
Atualmente, o estudo encontra-se em uma fase mais avançada. A pesquisadora conseguiu isolar dois compostos que já foram testados em células tumorais. Além disso, o artigo referente ao extrato da planta, seus compostos e atividades em células tumorais e não tumorais já foi publicado. Aislan explica que os resultados preliminares indicam que esses compostos são eficazes na eliminação das células tumorais e induzem a morte celular, além de interromperem o ciclo celular das células tumorais. “Nos próximos passos, pretendemos aprofundar a compreensão dos possíveis mecanismos de ação dessas substâncias. Temos como objetivo agora investigar como elas interagem com as células tumorais e induzem a morte celular, visando uma compreensão mais completa de seu potencial terapêutico”, conclui.
Sobre as pesquisadoras
Aislan Cristina Rheder Fagundes Pascoal é professora adjunta do Departamento de Ciências Básicas do ISNF/UFF, responsável pelas disciplinas de Exames Citológicos e Farmacologia Básica. Também é pesquisadora e coordenadora do no Laboratório de Pesquisa Produtos Naturais e Moléculas Bioativas do ISNF/UFF. Além disso, é graduada em Farmácia (2005) com habilitação em Fármacos e Medicamentos pela Universidade Federal de Alfenas (MG) (2006), mestrado pela Universidade Estadual de Campinas (2012), Doutora em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Biociências e Tecnologia de Produtos Bioativos (2015), pela Universidade Estadual de Campinas. Especialista em Citologia Clínica pela Faculdade Souza Marques, Rio de Janeiro. Possui experiência em modelos animais de câncer, técnicas in vitro de avaliação da atividade antiproliferativa em cultura de células cancerosas, avaliação da morte celular por apoptose por citometria de fluxo, assim como modelos de atividade antinociceptiva e anti-inflamatória in vivo.
Mariana Toledo Martins Pereira é professora substituta do Departamento de Ciências Básicas do ISNF/UFF, nas disciplinas de Bioquímica e Fisiologia. Graduada em Biomedicina, com habilitação em análises clínicas pelo ISNF/UFF (2016). Mestre em Ciências e Biotecnologia pelo Programa de Pós-graduação em Ciências e Biotecnologia – PPBI – UFF (2018) e doutora pelo mesmo programa (2023). Tem experiência em prospecção de produtos bioativos de origem vegetal, tendo atuado na caracterização das atividades anti-inflamatórias, antinociceptivas, antiproliferativa e anticâncer, e no isolamento de compostos bioativos de plantas coletadas na serra fluminense assim como avaliação de possíveis efeitos tóxicos destes extratos por meio de análises histopatológicas. Atua como pesquisadora no Laboratório Multiusuário de Pesquisa Biomédica (LMPB) e Laboratório Multiusuário de Cultivo de Células e Tecidos Animais (LMCT), ambos localizados no ISNF/UFF.
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