Retorno escolar e a pandemia da Covid-19

Sindicatos de Profissionais de Educação e médicos divergem sobre a segurança das escolas na disseminação do coronavírus
sábado, 29 de maio de 2021
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Henrique Pinheiro)
(Foto: Henrique Pinheiro)

Desde o início das aulas de forma híbrida, em Nova Friburgo, em 10 de maio deste ano, nas escolas particulares e, no dia 17 de maio em algumas escolas municipais, os olhos de toda a comunidade escolar estão atentos quanto ao número de infectados pertencentes a esses núcleos e o comportamento da pandemia na cidade.  

O Sindicato dos Professores de Nova Friburgo (Sinpro) e o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe) vêm divulgando em suas redes sociais os dados de profissionais e estudantes infectados e as medidas tomadas pelas escolas, como a suspensão das aulas presenciais de uma turma, onde houve algum caso de infectado ou somente a opção das aulas on line para todos os alunos da escola, quando em profissional com ampla circulação no colégio.  

Nos comunicados do Sinpro e do Sepe, os nomes das escolas são citados e também a medida adotada pela escola. Mas, de acordo com o diretor do Sinpro, Pedro Gripp Pinheiro Monnerat, algumas escolas não estão seguindo a recomendação do Decreto Municipal de retorno às aulas presenciais. 

”Tem sido comum que profissionais de educação que tiveram Covid e compartilharam o mesmo ambiente que outros funcionários ou estudantes sejam afastados do trabalho presencial sem que a escola considere ter havido “ampla circulação”, de forma que a unidade permanece aberta sem que necessariamente as outras pessoas envolvidas sejam testadas ou tenham direito de se manter no ensino remoto, especialmente quando trabalham em mais de uma escola”, denuncia ele.

O termo “ampla circulação” do Decreto Municipal 982, de 29 de abril de 2021, que autoriza o retorno escolar de forma híbrida, tem causado controvérsia na comunidade escolar. A infectologista Patricia Hottz esclareceu que “o amplo contato com caso positivo se caracteriza por um período longo de exposição ou quebra de alguma das medidas de proteção, como uso de máscara facial, distanciamento social ou falta de ventilação natural. Então, se esse indivíduo da escola, que tem  contato com várias pessoas, tiver um contato rápido, de máscara, num ambiente aberto e num distanciamento maior que 1 metro, esse risco é muito pequeno. Tanto que não houve caso de surto após esses indivíduos circularem”.

Retorno às aulas e o risco de contaminação

O diretor do Sinpro considera o retorno seguro somente após a vacinação ampla de toda a comunidade escolar. “Sepe e Sinpro compreendem que vivemos um momento delicado, no qual o fechamento das escolas impacta o cotidiano dos friburguenses, mas consideramos que essa questão não se resolve com uma abertura inconsequente e insegura, que ignora as condições das escolas e a realidade das pessoas que nela atuam. Entendemos que só haverá possibilidade de segurança efetiva no retorno presencial quando for garantida a vacinação de todos que se envolvem direta ou indiretamente na dinâmica das comunidades escolares”, disse Monnerat.

Para a infectologista, o retorno escolar ocorreu de forma atrasada no município de Nova Friburgo, já que todos os estudos e experiências no Brasil e fora do país mostraram que a escola com protocolo de segurança é um local seguro e com baixo risco de transmissão de Covid, tanto para as crianças, quanto para os profissionais da educação.

“As crianças se infectam menos, transmitem menos e complicam muito raramente. Crianças se infectam de 2 a 5 vezes menos que os adultos e também transmitem menos que os adultos. Também apresentam quadros, em sua maioria, leves e assintomáticos. Raramente, há casos graves, como a Síndrome Inflamatória Multissistêmica. Dados mostram que crianças e adolescentes até 21 anos representam um percentual mínimo de hospitalização , de 2 a 3%. E mortes, de 0,1 a 0,7% do total de óbitos nos EUA e Brasil, associados à Covid, apesar de representarem 25% da população”, esclarece Patricia Hottz, acrescentando que “portanto se a taxa de transmissão é menor entre as crianças, o risco de transmissão para os profissionais da educação é ínfimo, se todas as medidas de proteção estabelecidas forem respeitadas. 

O risco de contágio é muito maior em ambientes não controlados, onde as pessoas geralmente não seguem as regras básicas de prevenção. Tanto que houve infecção e até óbito de profissionais da educação muito antes da abertura escolar.”

Pesquisas X Vivência

Desde o início da pandemia, vários estudos e pesquisas têm sido desenvolvidos, para conhecer o coronavirus, que causa a Covid-19, seu comportamento em toda a população e o desenvolvimento da vacina e de medicamentos. “Num primeiro momento, todas as escolas foram fechadas por acreditar que, assim como acontece com o vírus da Influenza, o coronavirus causaria mais adoecimento na população pediátrica, que já foi comprovado cientificamente que isso não é realidade. Assim como a transmissibilidade é menor nas crianças” disse Patricia Hottz.

Pedro Gripp Pinheiro Monnerat informou que, “ em nota técnica recentemente divulgada pelo projeto MobCovid19, após pesquisas coordenadas por uma equipe multi-institucional, com cientistas da FGV, Uerj, USP/São Carlos e CeMEAI, chegou-se à conclusão, divulgada em maio de 2021, que mesmo o retorno escalonado e os fechamentos intermitentes não impedem o crescimento de casos de Covid nas escolas e na cidade, chegando a aumentar em 270% o número de contágios quando se compara o cenário de abertura sem imunização, rastreamento e testagem com o cenário de não abertura, comprovadamente mais seguro”, acrescentando que “em Friburgo, convém destacar que, como efeito da primeira semana de retorno presencial, já houve confirmação de casos de Covid em pelo menos dez escolas particulares, o que sinaliza para problemas ainda maiores, caso se mantenha a abertura de escolas públicas (em sua maioria desestruturadas e sem insumos básicos). Consideramos portanto que mais do que os estudos, a própria realidade confronta as supostas pesquisas mencionadas.”

Em relação aos casos apontados nas escolas de Nova Friburgo, a infectologista fala que “não foi possível estabelecer em nenhum destes casos uma associação de contágio dentro do ambiente escolar. O período de incubação da infecção é de até 14 dias e em média de 7 dias. Ao iniciar os sintomas, deve-se aguardar pelo menos 3 dias para aumentar a chance de confirmar o diagnóstico pelo swab. O agravamento, que motiva internação, geralmente leva mais 7 a 14 dias. Estes períodos devem ser levados em consideração, junto à história epidemiológica dos casos. Alguns dos casos de infecção da comunidade escolar já foram confirmados com apenas alguns dias de aulas e a maioria tem relato de exposição com casos confirmados fora do ambiente escolar”.

Decreto Municipal

O retorno às aulas presenciais é facultativo, de acordo com o Decreto Municipal que autoriza o retorno.  O ensino continuou sendo híbrido em todas as escolas. O envio da criança para a escola é uma decisão da família. E, se a família optar por não mandar a criança, pode mantê-la em aula on line em casa  até se sentir segura.  Segundo o diretor do Sinpro, Pedro Monnerat, os protocolos determinados pela Prefeitura — seguidos também nas unidades particulares — são insuficientes, mesmo quando a unidade oferece os insumos básicos. O que é rebatido pela infectologista Patricia Hottz. 

“O decreto possui as principais medidas de segurança a serem adotadas pelas escolas e, se for seguido, o risco de transmissão é muito baixo, garantindo que as escolas sejam um local seguro. E, para garantir mais segurança, o Decreto é frequentemente revisto pelo COE e pela Vigilância Epidemiológica, conforme as novas informações que vão surgindo da pandemia e conforme o funcionamento na prática”, explica a médica.

Ela ainda esclarece que nenhuma escola, em Nova Friburgo, fechou por um surto escolar de Covid até o momento. “Se a gente fizer uma matemática simples sobre os casos de Covid que ocorreram nas escolas, do período de incubação da doença, o início dos sintomas, o agravamento, internação e morte, não deu tempo disso ocorrer dentro da escola. Então, as pessoas continuam frequentando outros locais e podem se infectar fora da escola e levar pra dentro da escola. Mesmo assim, se todos esses profissionais e os alunos seguirem as medidas de segurança e fizerem o uso correto de máscara, janelas abertas, distanciamento, ambientes bem ventilados, higiene frequente das mãos, o risco de transmissão, mesmo tendo um indivíduo positivo, é muito pequeno”, reiterou ela.

Impacto da falta das aulas presenciais

Durante o período que ficou proibido o retorno às aulas presenciais, crianças e adolescentes tiveram impacto direto em suas vidas. Organizações, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), mostraram preocupação em relação aos prejuízos e retrocessos causados pelo isolamento social na população infantil. 

Além da defasagem nutricional, já que para muitas famílias, a refeição feita nas escolas é fundamental, e da defasagem pedagógica, muitas crianças e adolescentes têm apresentado transtornos comportamentais e emocionais. “O longo tempo de fechamento de escolas e o isolamento social têm impactado profundamente a aprendizagem, a saúde mental e a proteção de crianças e adolescentes. O Unicef pede urgência aos novos governantes municipais para a reabertura de escolas com segurança e a implementação de políticas para garantir o direito à educação, olhando especialmente para as crianças e os adolescentes mais vulneráveis, que foram mais duramente impactados pelos efeitos da pandemia no país”, afirma Florence Bauer, representante do Unicef no Brasil.

A pesquisa Impactos Primários e Secundários da Covid-19 em Crianças e Adolescentes, realizada pelo Ibope Inteligência para a Unicef, mostrou que 27% dos respondentes relataram que adolescentes no domicílio apresentaram insônia ou excesso de sono. Além disso, 29% relataram que os adolescentes tiveram alteração no apetite e 28% disseram que os adolescentes tiveram diminuição do interesse em atividades rotineiras. No total, 54% das famílias relataram que algum adolescente do domicílio apresentou algum sintoma relacionado à saúde mental.

Uma mãe de três filhos, que não quis se identificar, relata que todos tiveram problemas emocionais. Um deles, com 11 anos, engordou 12 quilos apenas nos seis primeiros meses da pandemia. “Por ser muito quieto e não conseguir falar sobre seus sentimentos, toda a ansiedade foi compensada na comida. Além disso, perdeu todo o interesse pelos estudos. No relatório do primeiro bimestre on-line, teve matéria com oito faltas”, relata ela. O outro,12 anos, ficou muito ansioso e não conseguia controlar a emoção. “Ele dava surtos por pequenos acontecimentos, como quando mandava assistir às aulas on-line e não conseguia se controlar”, explica ela. Ambos estão em tratamento psicológico. A maior, 16 anos, que já estava em desmame do tratamento psiquiátrico para depressão e Transtorno de Ansiedade Generalizado, voltou a ter crises e precisou aumentar as doses dos medicamentos novamente. “Hoje, mesmo com pouco tempo de retorno, o comportamento já voltou a normalidade do que eram antes do isolamento, em 90%”, comemora a mãe.

Aline Sanglard, mãe de Bernardo, de 12 anos, e Ana Carolina, 6,  também relata problemas vividos com os filhos, no período de isolamento social. Ela e o marido trabalham em serviços essenciais e, desde o início tiveram que sair para trabalhar. “O meu mais velho não queria mais estudar por uma tela e a compreensão do que estava sendo ensinado foi diminuindo, junto com o interesse pelas aulas. Além disso, tivemos muitos problemas com a ansiedade, que muitas vezes era compensada com a comida. Mas hoje, com o retorno presencial os rostinhos deles já são outros. E o desenvolvimento e desempenho deles melhorou absurdamente, em pouco tempo”, relatou.

A psicóloga Veronika Ulrich Cereja acredita que a crise atual trará consequências que só o tempo poderá mostrar. “A ausência das atividades coletivas representa uma grande perda nesta fase da vida. É nesse período que se pratica o respeito, a frustração, o dividir, a confiança, entre outros. A curto prazo, essa ausência pode não aparecer, porém, a longo prazo, pode dar espaço para intolerância, ansiedade e falta de recurso para lidar com o outro,“ explica ela.

O retrocesso no desenvolvimento também já está sendo verificado em muitas crianças, como o atraso na fala, no desfralde, na dependência excessiva dos pais, já que deixaram de conviver socialmente e passaram a viver somente dentro de casa com os responsáveis. 

Amanda Calixto viu esse comportamento na filha Laura, de 4 anos. “Ela frequentava a escola e fazia a refeição lá. Em casa, deixou de comer muitos alimentos. Por mais que insistisse, fizesse brincadeiras, se negava. Passou a usar a chupeta excessivamente e a mordê-la até arrancar pedaços. Com apenas 15 dias do retorno às aulas, a melhora é visível”, relata ela.

Verônika Ulrich Cereja explica que o papel da escola na vida das crianças e adolescentes vai muito além da transmissão de conhecimento teórico das displinas curriculares. “É a partir da interação social que as crianças e adolescentes desenvolvem importantes habilidades como, por exemplo, a empatia, além da formação de um senso de identidade”, explica ela.  

Imagine passar pelo isolamento social, em meio a uma mudança de cidade e de escola. Foi o que aconteceu com J., de 6 anos. A mãe, que preferiu não se identificar, disse que o filho perdeu totalmente a referência de convívio com amiguinhos da mesma idade. “Meu filho iniciou em nova escola, sem conhecer um amiguinho. E assim foi durante o ano todo. Se alfabetizou on-line. Ficou extremamente irritado, deprimido, apático. Com o retorno, ele foi à aula por uma semana. Mudou da água pro vinho. Mas a escola fechou novamente e não vejo critério sólido no fechamento. Por isso, ano que vem o trocarei de colégio”, revelou ela.

 

  •  Infectologista Patricia Hottz

    Infectologista Patricia Hottz

  • Psicóloga Veronika Ulrich Cereja

    Psicóloga Veronika Ulrich Cereja

  • Diretor do Sinpro, Pedro Gripp Pinheiro Monnerat

    Diretor do Sinpro, Pedro Gripp Pinheiro Monnerat

  •  Aline Sanglard e os filhos

    Aline Sanglard e os filhos

  • Amanda Calixto

    Amanda Calixto

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