Por que o café está tão caro e até onde isso pode chegar?

sexta-feira, 27 de maio de 2022
por Por Nara Lacerda*
Por que o café está tão caro e até onde isso pode chegar?

Do ano passado para cá, o Brasil viu os preços do café chegarem a patamares inimagináveis para o maior produtor do mundo. Em 2021, o grão torrado e moído aumentou mais de 50%.

Embora nos últimos dois meses a oscilação nos valores cobrados pelo produto tenha se acomodado em alguma medida, isso aconteceu sobre bases muita altas. Em resumo, a bebida que é símbolo cultural do país continua muito cara para boa parte da população. 

Mas por que a nação que mais planta e vende café no planeta tem preços tão altos no mercado interno?

Segundo Rodrigo Casado, da Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária Norte Pioneiro (Coanop), no Paraná, diversos fatores influenciam o cenário. Quase todos eles se encontram em um denominador comum: como commodity, o café está totalmente sujeito às oscilações do cenário internacional e, portanto, às especulações do mercado.

“O café foi transformado numa commodity, como a maioria dos grãos no Brasil, e acaba tendo muita influência de mercado, dos especuladores, das bolsas e até mesmo de países que nem produzem café. Nós temos, hoje, um baixo estoque do café na mão de produtores e um alto estoque na mão de atravessadores, exportadores, traders, empresas que fazem a logística e a comercialização de café em nível global", afirma ele.

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As alterações no câmbio com a alta do dólar estão entre as explicações para o aumento de preços. Na lista entram também condições climáticas que atingiram a safra no ano passado, geadas e secas em regiões como Paraná, Minas Gerais e São Paulo.

No entanto, ainda de acordo com Casado, o problema não nasce na produção. “O chamado livre mercado — essa história do atravessador que acabou estocando, visualizando exatamente ganhar dinheiro com isso — tirou o café da mão do produtor, inclusive no ano passado por um preço mais baixo, estocou e hoje está realizando os contratos", revela.

"O cara que comprou, guardou e agora está vendendo em um preço melhor, não é o produtor. Esse impacto no cafezinho do dia a dia não surge na base real, que é na produção, na agricultura familiar, que é o principal produtor de café hoje no país”, completa.

Para diminuir os riscos de oscilações tão consideráveis de preço, ele ressalta que falta controle interno. “Nós temos um produto que virou commodity, não tem mais controle do governo. O agricultor não consegue controlar o produto mais. Você compra insumos taxados em dólar, com base em dólar e você vai vender no Brasil em real. Como a nossa moeda, por descontrole do governo, desvalorizou demais frente ao dólar, esse é um dos principais fatores que tem impactado.”

Simbolismo

O país produz café desde o século 17 e chegou a ter a economia sustentada no grão até os anos de 1920. Na década seguinte, por causa da crise de 1929 nos EUA, as exportações decaíram consideravelmente e o produto começou a sobrar no mercado interno. Para estimular o consumo e tentar reverter o prejuízo, o governo criou órgãos de gerenciamento de estoques, vendas e produção. A estratégia também incluía campanhas publicitárias para estimular o consumo.

Em menos de um século, a importância do café deixou de ser atrelada apenas à atividade econômica no Brasil e passou a incluir a paixão das pessoas pela bebida. Hoje, somente a população dos Estados Unidos bebe mais café que as famílias brasileiras.

Tanto simbolismo faz com que uma alta de preços que torne o produto inacessível sejam também um duro golpe à cultura gastronômica do país.

“O brasileiro toma café todos os dias. A gente costuma brincar que, apesar de não ser um produto da cesta básica, ele é um produto de necessidade básica. E, de fato, para alguns nichos o café, hoje, tem status de produto de luxo", destaca Casado, alertando que a situação pode piorar. 

"O mercado fala em 60 a 62 milhões de sacas produzidas. Os mais pessimistas falam que vamos produzir em torno de 54 milhões a 55 milhões. Se fizermos uma média, estamos falando de 57 milhões a 58 milhões de sacas. Se olharmos os números de exportação, vai faltar café. Se exportamos até 40 milhões e consumimos até 25 milhões, nessa conta já faltou milhões de sacas", calculou.

Reverter a situação depende diretamente de vontade política e de iniciativa do poder público. Faltam ações para garantir que os custos de produtores sejam justos. O desmonte do sistema de controle de estoques de grãos no Brasil também impacta diretamente no descontrole dos preços.

“Nós não temos mais estoque nenhum na Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). O produto hoje está à mercê pura e simplesmente do mercado. E a gente sabe que o mercado tem interesses econômicos. São pouquíssimos os interesses sociais do mercado, que vive de retorno, tem que ter lucro. Quem paga a conta é o trabalhador, porque no final é para ele que pesa”, conclui Casado.

(Fonte: *https://www.brasildefato.com.br/)

Raízes do café no Brasil

O café foi o principal produto de exportação da economia brasileira durante o século 19 e o início do século 20, garantindo as divisas necessárias à sustentação do Império do Brasil e também da República Velha.

As raízes do café no Brasil foram plantadas no século 18, quando as mudas da planta foram cultivadas pela primeira vez pelo militar português Francisco de Melo Palheta, no Pará. Consta que após viagem para Guiana Francesa, ele trouxe o café do Suriname para a América do Sul, em 1727. A partir daí, o café foi difundido timidamente no litoral brasileiro, rumo ao sul, até chegar à região do Rio de Janeiro, por volta de 1760.

Entretanto, sua produção em escala comercial para exportação ganhou força apenas no início do século 19. Tal dimensão de produção cafeeira só foi possível com o aumento da procura do produto pelos mercados consumidores da Europa e dos EUA.

Clima e solo propícios

Sua produção no país expandiu-se a partir da Baixada Fluminense e do vale do rio Paraíba, que atravessava as províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo. A cafeicultura beneficiou-se da estrutura escravista, sendo incorporada ao sistema plantation, caracterizado basicamente pela monocultura voltada para a exportação, a mão de obra escrava e o cultivo em grandes latifúndios.

Nessa região, a produção cafeeira beneficiou-se do clima e do solo propícios ao seu desenvolvimento. O fato de ser rota de transporte de mercadorias entre o Rio de Janeiro e as zonas de mineração contribuiu também para a adoção da lavoura cafeeira, já que parte das terras estava desmatada, facilitando inicialmente a introdução das roças de café e beneficiando o escoamento da produção através das estradas existentes.

Os capitais iniciais para a produção vieram dos próprios fazendeiros e comerciantes, principalmente os que conseguiram acumular capital com o impulso econômico verificado após a vinda da Família Real ao Brasil, a partir de 1808.

As técnicas eram simples: inicialmente se desmatavam terras onde era necessário expandir as áreas agricultáveis para a colocação das mudas da planta. Estas demoravam cerca de cinco anos para começar a produzir. Nesse tempo, outras culturas eram plantadas em torno dos cafezais, principalmente gêneros alimentícios. Para a conservação das plantas, eram necessárias apenas enxadas e foices. A colheita era feita manualmente pelos africanos escravizados, que, após essa tarefa, colocavam os grãos do café para secar em terreiros. Uma vez seco, o café era beneficiado, retirando-se os materiais que revestiam o grão através de monjolos — máquinas primitivas de madeira formadas por pilões socadores movidos a força d’água.

Após esse processo, o café era transportado nos lombos das mulas para o porto do Rio de Janeiro, de onde era exportado. Mas o aumento da produção cafeeira e os lucros decorrentes dela levaram ao início do processo de modernização da economia e da sociedade brasileira.

Os “Barões do Café”

Um dos exemplos mais marcantes dessa modernização esteve na construção de ferrovias para o transporte do café, o que aumentou a velocidade do transporte e interligou algumas regiões do Império, principalmente após a expansão das lavouras para as terras roxas localizadas no chamado Oeste paulista, intensificada após a década de 1860. Tal situação levou ainda ao fortalecimento do Porto de Santos como principal local de escoamento da produção.

Em 1836 e 1837, a produção cafeeira superou a produção açucareira, tornando o café o principal produto de exportação do Império. Os grandes latifundiários produtores de café, os chamados “Barões do café”, enriqueceram-se e garantiram o aumento da arrecadação por parte do Estado imperial.

Surgiram ainda os chamados comissários do café, homens que exerciam a função de intermediários entre os latifundiários e os exportadores. Além de controlarem a venda do produto, garantiam aos latifundiários acesso a créditos para a expansão da produção e também viabilizavam a compra de produtos importados.

Dessa forma, o café foi um dos principais esteios da sociedade brasileira do século 19 e início do 20. Garantiu o acúmulo de capitais para a urbanização de algumas localidades do Brasil, como Rio de Janeiro, São Paulo e cidades do interior paulista, além de prover inicialmente os capitais necessários ao processo de industrialização do país e criar as condições para o desenvolvimento do sistema bancário.

(Fonte: https://brasilescola.uol.com.br/)

 

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