Em tempos de mais afeto nas relações humanas, “os Correios eram a extensão da família do funcionário”, relata Maria do Carmo Bispo dos Santos, a Dona Carmelita, 92 anos, 30 deles dedicados ao trabalho na agência da empresa em Nova Friburgo. Ela relembra com saudade da época em que as correspondências eram o mais importante meio de comunicação usado pelas pessoas.
Carmelita começou a trabalhar nos Correios em 1946. Assim que entrou, foi nomeada para inaugurar a agência de Olaria, onde ficou por seis anos. Ela conta que ia trabalhar de bicicleta: “deixava a bicicleta em uma oficina que ficava em frente ao parque São Clemente, e de lá ia pedalando até a agência porque não tinha ônibus e o caminho era de estrada de chão, cheio de bambuzal”. Ficou lá até ser transferida para a sede, na Praça Getúlio Vargas, no Centro.
Dona Carmelita vivenciou muitas histórias, trabalhou em vários setores da instituição: na expedição, nos guichês de atendimento, na tesouraria e na sala dos carteiros. Segundo ela, trabalhavam 82 funcionários nos Correios da cidade, entre aqueles que faziam o serviço interno e os carteiros.
Ela recorda o trabalho como responsável pelo recebimento dos malotes, todas as correspondências e encomendas passavam pelas mãos dela, que conferia tudo e enviava para os carteiros. “Eram muitas correspondências e encomendas. Friburgo tinha muitas fábricas grandes e importantes, então recebíamos muitas caixas com produtos que vinham de outros países e também exportações. Recebíamos também cartões postais”.
Alemão nazista
Ela relembra ainda a existência de um local específico em que ficavam as caixas postais, que somente podiam ser resgatadas pelos destinatários mediante a apresentação do documento de identidade. Foi neste setor que aconteceu um dos episódios mais interessantes da carreira: ali recebia uma senhora estrangeira, que lembra o nome até hoje, a senhora Rose, que ia até a agência buscar as correspondências da caixa postal acompanhada por um senhor de chapéu, que ficava mais atrás, aguardando a senhora. Um dia ao chegar à agência, Carmelita foi chamada ao gabinete do diretor, onde se encontravam dois policiais que fizeram várias perguntas sobre as correspondências. Ela respondeu tudo o que sabia e os agentes não voltaram mais, nem a Rose, nem o homem misterioso.
Um tempo depois ela descobriu que o tal senhor de chapéu era Joseph Mengele, identificado como um fugitivo de guerra, oficial alemão da organização paramilitar Schutzstaffel, ligada ao partido nazista e a Adolf Hitler. Foi médico no campo de concentração de Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial e teria passado por Nova Friburgo.
Trabalho em família
O filho Gilmar, que acompanhou a entrevista, lembrou que ele e as duas irmãs se divertiam nas visitas ao trabalho da mãe: “éramos bem recebidos por toda a equipe e participávamos das atividades deles. Naquele tempo existia um maior envolvimento das famílias com o ambiente de trabalho dos pais. Lembro que o gerente, o senhor Lemos, morava com a sua família em cima do prédio da agência”.
Dona Carmelita lembra dos filhos circulando pela agência: “eu falava que só não poderiam mexer nos selos”, contou. “Foi um tempo bom. Trabalhava seis horas por dia, de meio dia às seis horas, depois ia pegar meus filhos na escola e os levava para os Correios até chegar a hora da minha saída. Eles se divertiam. Quando me aposentei senti muita falta”.
Mesmo depois de aposentada, ela continuou recebendo a visita dos carteiros que haviam trabalhado com ela, em sua residência. Gilmar lembra que ela era tão ligada aos Correios que quando viajavam nas férias, tinham que passar em frente das igrejas e das agências dos Correios das cidades que visitavam.
Histórias e mais histórias
“Quando soube que ia me aposentar avisei a todos que a minha primeira atitude seria tirar o relógio do pulso e jogar fora. Aí, quando esse dia chegou, parei na porta da agência, tirei o relógio e todos bateram palmas e falaram que eu tinha sido uma funcionária dedicada.
Certa vez um carteiro que foi entregar um telegrama passou em uma localidade e viu uma abóbora, botou no ombro e levou para a agência. Depois de um tempo chegou um alemão dizendo que tinha ido buscar a abóbora dele, então o carteiro pegou e entregou a ele, que não aceitou e exigiu que ele a colocasse no mesmo lugar. Saiu o carteiro dos Correios com a abóbora nas costas e levou para o mesmo lugar. Veja só que vergonha!
Sou muito feliz com a minha vida. Deus me deu a graça de ter três filhos maravilhosos e sete netos. Fui muito feliz em meu trabalho, mesmo sofrendo julgamentos de que deveria ficar cuidando da casa, pois naquele tempo não era muito comum mulheres trabalhando em setores públicos. Hoje, sinto falta da casa mais movimentada e do meu marido. Mesmo assim, sou muito feliz!”, reiterou Dona Carmelita, encerrando a entrevista.
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