Os impactos da pandemia na vida e rotina das mulheres

Pesquisas mostram que a muitas perderam emprego, renda, se sobrecarregaram e apresentaram problemas emocionais
sábado, 27 de março de 2021
por Christiane Coelho, especial para A VOZ DA SERRA
Os impactos da pandemia na vida e rotina das mulheres

Marcia Cristina Pereira tem três filhos, dois menores, de 8 e 15 anos, que moram com ela, no bairro Olaria. No início de março de 2020, Marcia trabalhava em uma pequena confecção, fazia serviços gerais e tinha seu salário garantido no final do mês. Assim que a pandemia começou, a confecção fechou e dispensou todos os funcionários. Hoje, ela vive dos bicos que consegue. “Faço algumas faxinas, mas até isso está difícil, pois as pessoas estão com medo de colocar alguém dentro da casa e se contaminar”, disse ela. Pagando R$ 450 de aluguel, mais todas as despesas de uma casa, como água, luz, ela conta com a cesta básica doada por uma instituição, mas vive numa total insegurança. “Esse mês consegui fazer faxinas e paguei meu aluguel.  Mas não tenho certeza se mês que vem vou conseguir. Eu sei o que é hoje, mas não sei como será o amanhã”, relatou ela.

A estilista Tatiana Florido entrou em 2020 cheia de expectativas e projetos. Além de ter uma pequena grife de roupas femininas, também estava prestando assessoria para uma confecção de Nova Friburgo no desenvolvimento e criação de coleções. Veio a pandemia, e ela viu os impactos na indústria da moda, consequentemente, da sua vida. Foi dispensada da prestação de serviço e teve que se adaptar ao “novo normal”. “Pessoas que compravam roupas para sair e trabalhar deixaram de consumir. Mesmo mudando o estilo, fazendo roupas mais confortáveis para se usar em casa, a queda de vendas foi brutal”, disse a estilista. Com isso, sua renda caiu consideravelmente. “Hoje, tenho que viver com cerca de 40% da renda que eu tinha em 2019”, revela Tatiana, que é divorciada e mora com a filha de 12 anos.

Tatiana e Marcia não são as únicas que enfrentam as consequências da pandemia nos seus trabalhos e, consequentemente, renda. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua) revelou que 7,7 milhões de mulheres saíram do mercado de trabalho, ainda em março de 2020.

De acordo com a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Tecle Mulher, com sede em Nova Friburgo e que atua no atendimento às mulheres em suas diversas necessidades, o retrocesso do mercado de trabalho atingiu também as friburguenses. “Ainda não temos conhecimento de uma estatística referendando os dados municipais, mas trabalhamos com a Rede de Mulheres de Nova Friburgo, que tem um público preferencialmente de trabalhadoras do ramo têxtil. Foram realizados atendimentos psicológicos e de assistência social, assim como temos os dados dos atendimentos virtuais do serviço Tecle Mulher, onde a procura por ajuda foi notoriamente comprovada e, assim, foi possível observar toda a complexidade do problema,” esclarece Laura Mury, coordenadora  da Tecle Mulher.

A arte de se reinventar

Em meio à crise de saúde, tendo que lidar com medo e insegurança causados pela pandemia, muitas mulheres tiveram também que se reinventar profissionalmente. É o caso da produtora de eventos Ana Paula Lengruber, que está com suas atividades paradas há um ano, desde que foii proibida a realização de eventos para evitar aglomerações, por causa do risco de contaminação do coronavírus. 

“Minha vida mudou totalmente. Tive que me adaptar à nova rotina familiar, com as aulas remotas da minha filha, de 12 anos, e os cursos online que fiz para empreender em uma nova área”, relata ela. Ana Paula passou a trabalhar com marketing digital e com campanhas de conscientização com temas sociais. “Tudo muito diferente e mais desafiador. Não está fácil para ninguém. Hoje ganho menos do que ganhava, mas, o trabalho social faz a gente reavaliar a nossa vida, além de ajudar os que precisam”, contou.

Acúmulo de funções 

Antes da pandemia, o trabalho em home office era visto como um sonho por muitas mulheres: estar em casa, junto aos filhos, acompanhando de perto o crescimento e desenvolvimento deles, com tudo organizado, como num conto de fadas. Mas, ao contrário das histórias de princesas, que acabam com final feliz, o trabalho em home office acentuou o acúmulo de trabalho e o aumento de responsabilidade para as mulheres. 

A segunda edição das Estatísticas de Gênero, do IBGE, mostra que em 2019, as mulheres dedicavam quase o dobro de tempo ao cuidado de pessoas ou afazeres domésticos quando comparado aos homens: 21,4 horas contra 11 horas semanais. E, com a pandemia, as mulheres foram as que mais assumiram a limpeza da casa, as refeições e o acompanhamento escolar dos filhos, de acordo com pesquisa feita pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban). “De uma hora pra outra, era mais seguro ficar em casa. Nosso instinto dizia: cuida agora, pois vai passar, aguenta. Mas não passou, só o tempo se acumulou. Mais horas em casa significou casa para arrumar, louça, roupa, comida,” desabafa a jornalista Isabella Stutz, mãe de dois meninos, de 11 e 2 anos.             

Com a suspensão das aulas presenciais nas escolas, sem a rede de apoio, geralmente avós, que precisam estar distantes por causa da vulnerabilidade de saúde, o isolamento social  tornou-se mais desafiador para muitas delas. Com a impossibilidade de delegar os cuidados da casa e tendo que acompanhar os filhos em aulas remotas,  muitas mulheres tiveram que abrir mão do trabalho remunerado. Um estudo da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)  mostrou que quase 84% das mães sentiram maior sobrecarga em cuidar dos filhos durante a pandemia. 

“As mulheres, por serem em sua maioria, responsáveis por seus núcleos familiares, são as que mais sofrem prejuízos, uma vez que são as que têm que se ausentar do âmbito privado, das atividades laborativas em detrimento do cuidado de todo o âmbito doméstico,” diz Ana Olívia Lemos Verly Waldhelm, assistente social da Tecle Mulher.

De acordo com a Pesquisa da Gênero e Número, promovida pela Sempreviva Organização Feminista, 41% das mulheres que continuam trabalhando com remuneração na pandemia afirmaram que estão trabalhando mais na quarentena. Uma servidora pública, que não quis se identificar, trabalha com homens, exercendo a mesma função. Ela é  separada e mora com filhos. Eles são casados, com mulheres, que deram respaldo ao trabalho deles. “O pai da minha filha só a pega quinzenalmente, em fins de semana alternados. O meu trabalho não parou e é externo. A cobrança pela meta não foi diferenciada por gênero, mesmo sabendo de toda história por trás do universo feminino”, relata a servidora pública. 

Ela acrescenta que “se sente muito cobrada, e teve problemas de saúde por causa do seu emocional abalado. Dar respaldo para minha filha nas aulas remotas, manter a casa funcionando e ter que trabalhar sem um apoio está sendo muito desafiador para nós, mulheres”, observa.

Consequências emocionais 

As mulheres, que sempre foram sobrecarregadas estão ainda mais, com o isolamento social. No ínício da pandemia, as redes sociais foram invadidas por atividades para mães fazerem com crianças e por cursos online. A influência digital jogou mais uma responsabilidade sobre os ombros femininos: ocupar o tempo com programas de qualidade e estreitar a relação familiar. As mulheres também tiveram que começar a filtrar para as crianças as informações sobre número de mortes e infectados e aprender a lidar com as angústias, medos e ansiedade dos filhos nesse momento.

Enquanto isso, as mulheres também tinham que administrar as suas próprias inseguranças, em relação a trabalho, contas a pagar, se contaminar e infectar os familiares. “Cansaço, preocupação, ansiedade e junto o tal home office, pois em nenhum momento, a renda que vem do trabalho da mãe deixou de ser necessária”, disse Isabela Stutz.

De acordo com a psicóloga Verônica Ulrich Cereja, as demandas das mulheres foram para o último lugar no rol das prioridades. “Nós absorvemos todas as responsabilidades, nos sobrecarregamos e deixamos de olhar para nós mesmas. Paramos de fazer atividades, que traziam prazer e bem estar, como academia, manicure, cabeleireiro”, explica ela.

Com toda a carga que tem que carregar, não foi surpresa o resultado da pesquisa conduzida pelo neuropsicólogo Antônio de Pádua Serafim, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina das USP, mostrando que as mulheres foram as mais afetadas emocionalmente durante a pandemia. Elas responderam por 40,5% de sintomas de depressão, 34,9% de ansiedade e 37,3% de estresse. “A busca por tratamento psicológico aumentou muito por todos, mas as mulheres são as que tem maior demanda”, revela Verônica.

O período é atípico para todos. As perdas são inúmeras, de vidas, de oportunidades, de renda, de direitos, da saúde emocional. Mas, conforme as pesquisas e relatos, a vida das mulheres está tendo mais consequências por causa da pandemia. “A mensagem que podemos passar para as mulheres é de sempre se manter informada sobre seus direitos e buscar ajuda nos serviços sociais públicos e da sociedade para que os dramas vivenciados por nós, mulheres, não acarretem ainda mais danos às suas vidas”, alerta a psicóloga do Tecle Mulher, Débora Spezanes.

 

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