Bebida feita da fermentação e destilação do melaço proveniente da cana-de-açúcar, a cachaça foi descoberta pelos escravos dos engenhos de açúcar em meados do século XVI. A sociedade a considerava uma bebida de baixo status, por ser consumida apenas por escravos e brancos pobres, enquanto a elite brasileira da época preferia vinhos e a bagaceira (aguardente de bagaço de uva), trazidos de Portugal.
Mesmo assim os engenhos de cachaça foram se espalhando, tornando-se a bebida alcoólica mais consumida no Brasil Colônia, o que levou a Corte Portuguesa a proibir sua produção, comercialização e consumo. Justificou a medida alegando que seu consumo pelos escravos poderia ameaçar a segurança e a ordem da Colônia, além de prejudicar, também, o rendimento dos trabalhadores das minas de ouro.
Entretanto, o principal motivo, segundo alguns historiadores, é que a cachaça produzida no Brasil começou a ganhar espaço junto à classe média da época, levando à diminuição do consumo da bagaceira, importada de Portugal e, consequentemente, arrecadando menos impostos.
Como na prática nunca se conseguiu acabar com o consumo da bebida, em meados do século XVIII a Corte decidiu taxar a venda da cachaça, porém sem sucesso, pois a sonegação era muito elevada e a aguardente tornou-se um símbolo de resistência contra a dominação portuguesa.
Quando o produto nacional começou a ganhar força entre todas as classes sociais, alguns setores da elite e da classe média do século XIX e início do XX iniciaram um movimento de preconceito contra a cachaça, uma vez que eles buscavam uma identidade mais próxima da europeia.
Somente durante a Semana de Arte de 1922, quando se buscou as raízes brasileiras, é que a cachaça voltou a ser considerada um símbolo da cultura nacional e contra a adoção da cultura europeia. E, desde então, é considerada a mais brasileira das bebidas e famosa em todo o mundo.
Caninha, pinga, cana, consumo e produção
A aguardente de cana é o terceiro destilado mais consumido no mundo — perdendo apenas para a Soju (destilado coreano de arroz) e a vodka — e a primeira no Brasil. Segundo o Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Aguardente de Cana, Caninha ou Cachaça (PBDAC), a produção é em torno de 1,4 bilhão de litros por ano, sendo que 70% desse total é proveniente da fabricação industrial e 30%, da forma artesanal.
O Brasil consome quase toda a produção: apenas de 1% a 2 % é exportado (cerca 2,5 milhões de litros); os principais países compradores são Alemanha, Paraguai, Itália, Uruguai e Portugal.
A cachaça é produzida em todos os estados brasileiros, mesmo naqueles onde o cultivo da cana-de-açúcar não é favorável. Os maiores produtores são: São Paulo (45%), Pernambuco (12%), Ceará (11%), Rio de Janeiro (8%), Minas Gerais (8%), Goiás (8%), Paraná (4%), Paraíba (2%) e Bahia (2%), sendo os três primeiros responsáveis por quase toda produção de cachaça industrial.
Já a produção de cachaça artesanal ou de alambique está concentrada nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo, sendo que os estados mineiro e fluminense contribuem com quase 50% de toda a produção de cachaça de alambique do Brasil.
De alambique e industrial
Embora a legislação não estabeleça distinção entre os produtos finais das destilarias industriais e dos alambiques artesanais, existem, na prática, muitas diferenças entre cachaça de alambique e cachaça industrial. As cachaças industriais são controladas por empresas e a cana-de-açúcar é cultivada em grandes áreas, enquanto a pinga artesanal é produzida em pequena escala por pequenos produtores. Estima-se que existam por volta de 40 mil produtores de cachaça artesanal no Brasil.
O processo de produção também é diferente, pois em larga escala utiliza-se, muitas vezes, colunas de destilação e tonéis de aço-inox, a adição de produtos químicos na fermentação e não se separa a parte nobre do destilado. No processo artesanal, a destilação é feita em alambiques de cobre e a fermentação ocorre de forma natural.
A parte nobre da cachaça é separada das impurezas com o objetivo de dar mais qualidade ao produto artesanal e, por fim, vem o processo de envelhecimento em tonéis de madeira — carvalho, bálsamo, além de espécies nativas do país.
A falsa história sobre a origem da cachaça
A história da cachaça está cercada de mistérios, lendas e relatos improváveis. Há uma versão falsa sobre a origem do destilado, muito divulgada principalmente na internet, que assume também um significado fantasioso para as palavras pinga e aguardente.
Diz a lenda que os escravos ao produzirem açúcar, cansados de tanto mexer o caldo de cana no fogo, pararam para descansar e a mistura desandou. Temendo as conseqüências, guardaram aquele melado longe das vistas do feitor. No dia seguinte, para sua surpresa, viram que o líquido havia fermentado, ficando levemente alcoólico e azedo. Ao colocarem novamente no fogo com mais caldo de cana, o vinho evaporou e condensou nos tetos da senzala, formando goteiras que pingavam constantemente na forma de um líquido incolor e de alto teor alcoólico, que chamaram de pinga.
A bebida que pingava e caia nos corpos machucados dos escravos fazia com as feridas ardessem, como uma água ardente ou… aguardente. Caindo em seus rostos e escorrendo até suas bocas, os escravos perceberam que aquela água tinha propriedades que os deixavam mais animados e propensos a trabalhar em condições desumanas.
Fake news
1) Apesar de ser uma das versões mais difundidas sobre a origem da cachaça, como toda boa lenda, a história está repleta de relatos falsos. Ela apresenta a distorcida e ambígua versão da elite brasileira sobre o consumo de álcool pelos escravos, ora assumindo a cachaça como antídoto e fuga do cotidiano opressor, ora tendo seu consumo proibido por servir como incentivo à rebeldia. O que se sabe é que os africanos tinham conhecimento sobre fermentação, e o consumo de bebidas alcoólicas sempre esteve associado às práticas culturais, religiosas e hedonísticas de muitas tribos. Inclusive, há registros do século XVII que descrevem que os escravos na Bahia já fermentavam os derivados da produção do açúcar de maneira consciente para consumo do vinho de cana. Até hoje, em Paraty, é costume dos mais velhos beber o mucungo, palavra de origem africana para designar o caldo fermentado da cana.
2) A lenda também peca em explicar o processo de destilação quase como uma intervenção divina. A evaporação do caldo fermentado e posterior condensação nos tetos da senzala é fisicamente improvável. A primeira cachaça teria sido destilada de maneira premeditada em alambiques de barro ou de cobre trazidos pelos colonizadores.
3) A origem da palavra aguardente nada tem a ver com maus tratos de escravos e é muito mais antiga do que sua produção no Brasil. É um termo genérico para caracterizar bebidas destiladas, como uísque, rum, gim, cognac, e teria relação com ‘vuurwater’ ou ‘acqua ardentes’ — água de fogo. Já a palavra pinga faz referência ao processo de destilação em alambique de cobre, em que o vinho de cana é aquecido na panela e seu vapor é resfriado e condensado lentamente, saindo aos pingos.
Portanto, sem dúvida podemos afirmar que essa não foi a origem da cachaça. Mas, afinal, quem a inventou? Conheça a resposta em: www.mapadacachaca.com.br/artigos/a-falsa-historia-sobre-a-origem-da-cachaca/
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