Distribuição de doces às crianças: uma tradição que resiste

Quem distribui doces observa redução no número de crianças nas ruas a cada ano. Irmãos gêmeos são considerados os protetores das crianças
quinta-feira, 26 de setembro de 2024
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Mártires Século IV)
(Foto: Mártires Século IV)

Todo dia 27 de setembro acontece sempre a mesma coisa. A garotada acorda cedo, eufórica para sair às ruas à procura de doces oferecidos por devotos dos santos Cosme e Damião e instituições religiosas. A tradição, é bem verdade, vem diminuindo, mas ainda resiste em Nova Friburgo, onde em diversos bairros, costuma acontecer a distribuição dos saquinhos recheados de guloseimas, tanto por pessoas que saem às ruas, como em residências, cujas famílias promovem festas, e em vários centros espíritas espalhados pela cidade.     

Geralmente a distribuição de doces no dia de São Cosme e São Damião, santos cultuados no catolicismo no dia 26 de setembro e no espiritismo no dia 27, acontece como forma de pagamento de promessas por graças recebidas através de orações aos santos gêmeos ou em agradecimento à perpetuação e repercussão da fé aos dois santos considerados padroeiros das crianças. 

Mas, afinal, como surgiu esse hábito de distribuir doces às crianças? O professor Agnaldo Portugal, do Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB), explica que, na religião católica, Cosme e Damião eram dois irmãos gêmeos, considerados curandeiros - médicos na comunidade onde viviam. Para o catolicismo, não havia nenhuma ligação entre os irmãos e as crianças ou a distribuição de doces. Essa prática veio da associação que os escravos fizeram de Cosme e Damião a orixás da umbanda e do candomblé: os Ibejis, filhos gêmeos de Xangô e Iansã.

O professor explica ainda que havia muita repressão na época da escravidão no Brasil aos cultos africanos, os negros precisavam adorar suas divindades sempre associando a algum santo católico. E foi isso que aconteceu com São Cosme e São Damião. "A tradição de dar doces tem a ver com esses dois orixás crianças que foram associados a Cosme e Damião", explica o professor.

Comércio também observa queda na procura por doces 

Antigamente, a comemoração de São Cosme e São Damião movimentava a cidade, com crianças nas ruas o dia inteiro correndo atrás das famosas - e deliciosas - sacolinhas de doces. Essa tradição, no entanto, vem diminuindo, inclusive no comércio especializado. Lojistas observam que a procura por doces e guloseimas para rechear as sacolinhas já não é a mesma de anos passados. “Me lembro que nos anos 90 e 2000, costumava reforçar o estoque de doces no final de julho e enchia a loja de artigos voltados para o dia de Cosme e Damião. Hoje, reservo apenas as prateleiras da frente da loja e não tem grande procura. As famílias que mantém a tradição não deixam de comprar e o estoque, ainda bem, nunca encalha”, observa um vendedor de uma loja de doces e biscoitos no centro de Nova Friburgo.     

Cosme e Damião na umbanda e no candomblé

A tradição de distribuir doces tem origem nas religiões de matriz africana, como um agrado para os gêmeos orixás Ibejis. "Essas duas entidades que se amaram no passado, almejavam ter um filho e nasceram dois. Isso é um sinal de alegria. O significado é compartilhar a alegria de ter gerado filhos gêmeos. E como se comemora a alegria? Com doces, festas, com sorrisos", explica a líder religiosa Adna Santos, também conhecida como Mãe Baiana.

Intolerância religiosa

Adna aponta a intolerância religiosa como um dos fatores que contribuíram para o enfraquecimento da tradição de distribuição de doces às crianças em 27 de setembro. "Algumas pessoas começam a dizer que o saquinho de doce é oferecido ao diabo, que é rezado. Não tem nada disso. A gente compra as guloseimas, as coloca nos saquinhos e entrega para as crianças para ver a alegria delas", destaca.

Ela diz ainda que se entristece ao saber que muitas crianças não saem mais às ruas para “pegar” doces porque os pais proíbem. “É muito triste isso, mas existe, devido a intolerância religiosa. E as ruas agora ficam vazias, infelizmente", lamenta a líder religiosa.

Os santos gêmeos no catolicismo

Na Igreja Católica, o Dia de Cosme e Damião é celebrado em 26 de setembro em memória aos irmãos gêmeos que eram médicos e viveram na Ásia Menor, há dois mil anos. Segundo a história, eles curavam as pessoas, principalmente crianças, e não cobravam por isso. Em agradecimento, Cosme e Damião recebiam brinquedos e doces. 

Ainda segundo a Igreja Católica, os gêmeos teriam sido perseguidos e mortos pelo imperador romano Deocleciano, no dia 27 de setembro. O ano em que isso ocorreu, no entanto, é incerto. Neste mesmo dia também é celebrado São Vicente de Paulo, que fez obras de caridade. Os católicos começaram a agradecer a Cosme e Damião pela intercessão deles na cura das doenças, principalmente das crianças. Por isso, também passaram a distribuir doces, buscando pedir a intercessão de São Cosme e Damião pelo bem de todas as crianças. 

(Com informações da Agência Brasil e portal G1

 

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