A saúde friburguense respira com a ajuda de aparelhos

Lucas Barros

Além das Montanhas

Jovem, advogado criminal, Chevalier na Ordem DeMolay e apaixonado por Nova Friburgo. Além das Montanhas vem para mostrar que nossa cidade não está numa redoma e que somos afetados por tudo a nossa volta.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

As mudanças nas relações sociais e os efeitos psicológicos que vivenciamos durante a pandemia da Covid-19 são e serão estudados nos próximos anos. No mundo, a incerteza sobre o dia de amanhã pairava na cabeça de cada um de nós. Não era para se esperar menos diante de um cenário de superlotação dos hospitais de cada cidade desse planeta.

Quando as máscaras eram obrigatórias em ambientes fechados, o álcool em gel parecia o item mais importante da lista do supermercado. Estávamos paranoicos, mas com razão. O medo era não apenas de adoecer, mas especialmente de não conseguir uma vaga em um hospital. Mesmo com milhões de reais gastos com respiradores, poucos foram os disponibilizados para a população.

Do dia para a noite, nossa vida mudou. Sentimentos estranhos embrulhavam o nosso estômago, sempre que assistíamos aos jornais televisivos. Comemorávamos a cada vida salva. Chorávamos as perdas. Aplaudíamos os profissionais da saúde que tanto dedicaram e se abdicaram em prol do sistema de saúde e todos aqueles que doavam o que podiam.

No entanto, pela primeira vez em muito tempo, percebemos como somos vulneráveis. Notamos que a vida nos dá uma baita rasteira, sem direito a qualquer aviso prévio. Tudo pode mudar do dia para a noite. Percebemos também o óbvio, mas fomos inflamados pelo medo. As televisões noticiavam escândalos dia e noite. O sistema de saúde público que nunca teve qualquer tipo de infraestrutura foi cada vez mais se mostrando totalmente fragilizado e incapaz de fornecer qualquer amparo para o cidadão.

A falta de estrutura do serviço de saúde no Brasil tem sido uma realidade persistente e preocupante. A precariedade dos hospitais, a escassez de profissionais qualificados e a falta de acesso a serviços de qualidade afetam milhões de brasileiros em todas as regiões do país que morrem nos corredores.

Os anos passaram, e, apesar de a pandemia parecer algo distante, o receio de depender de um hospital permanece. Em meio a escândalos e à ausência de um diagnóstico preciso, a rede de saúde pública da nossa cidade ainda não encontra nos exames ou nos remédios uma solução capaz de mudar essa situação preocupante.

 

Sem diagnóstico

Infelizmente, não é de hoje que o sistema friburguense de saúde está doente. Os sintomas são variados e inequívocos. Assistimos atentamente, com o passar dos anos a uma epidemia – mas dessa vez, de irregularidades que cercam o Hospital Municipal Raul Sertã e a Maternidade de Nova Friburgo.

Dominados pelo sentimento de impotência, sentimos o luto em tentar fazer algo e não conseguir. Sofremos. A doença da saúde friburguense é sentida por cada um de nós como se fossemos familiares bem próximos do paciente, apreensivos e ao lado de uma maca. E quando não somos, verdadeiramente os parentes próximos que estão agora, ao lado das macas.

Em meio a fila de exames, aguardamos sentados em uma cadeira de rodas empenada na espera de um diagnóstico. Passaram-se horas. E a saúde friburguense parece cada dia definhar mais. Enquanto esperamos, somos jogados de um lado para o outro em meio aos corredores escuros, sem luzes e marcados com as muitas infiltrações.

Mesmo impacientes, esperamos ansiosamente os plantonistas aparecerem na sala de atendimento. Depois de bater uma “chapa” do pulmão do paciente, o papel do exame foi impresso numa impressora de péssima qualidade. Retornamos mais uma vez para o atendimento e de acordo com o médico, a saúde friburguense ficará internada.

Em meio a um ambiente com energia pesada, tentamos nos aconchegar em um cantinho e aguardar uma recuperação. Sentamos em um dos bancos desconfortáveis e escoramos numa parede, sonolentos. Em meio ao entra e sai dos leitos, encostamos e fechamos os olhos, escutando atentamente ao som do “bip...bip...bip...” da máquina de monitoramento cardíaco.

Quando menos esperamos, os barulhos de “bip...bip...bip”, sumiram. Será que o paciente morreu? Logo mais, alguém chega para me tranquilizar: “Relaxa, foi apenas a energia da cidade que acabou e o gerador do hospital não entrou em funcionamento”. Escuto como se fosse a situação mais normal do mundo. Um dia como outro qualquer.

Minutos se passam, e tudo permanece na escuridão. A única luz vem das lanternas dos celulares, nas mãos de pessoas desorientadas, tentando encontrar uma saída. Mais parecem que buscam uma luz no fim de um túnel. E então me pergunto: "e a energia dos aparelhos dos pacientes que dependem dela para sobreviver?"

Depois de quase uma hora, surge uma esperança: a luz voltou. Junto com ela, renasce o sentimento de que a situação pode melhorar. No entanto, logo a luz se apaga novamente. E mais uma vez, encontro-me no escuro, acompanhando um paciente sem qualquer assistência, que, nesse momento, perdeu não apenas sua iluminação, mas as esperanças de recuperação.

Lembro-me de quando era criança, há cerca de 20 anos, mesmo já não morando mais em Nova Friburgo, meu pai sempre comentava sobre a situação do Hospital Municipal Raul Sertã. Ele dizia que tinha conhecidos que trabalhavam lá, e que, desde aquela época, todos já denunciavam que o hospital já enfrentava muitos problemas de funcionamento.

Enquanto acompanho meu paciente, não posso deixar de pensar: será que daqui a 20 anos estarei dizendo ao meu filho a mesma coisa? Já imaginou? "Seu avô me contava que, há 40 anos, os problemas eram os mesmos, e que, independentemente das cores ou dos partidos, nenhuma solução foi encontrada."

Ou, quem sabe, futuramente, eu escute essa história do meu próprio pai, que, eventualmente, precisando de assistência adequada de saúde, me conte isso pela última vez, antes de falecer em pleno hospital porque o gerador não funcionou durante uma queda de energia.

Publicidade
TAGS:

Lucas Barros

Além das Montanhas

Jovem, advogado criminal, Chevalier na Ordem DeMolay e apaixonado por Nova Friburgo. Além das Montanhas vem para mostrar que nossa cidade não está numa redoma e que somos afetados por tudo a nossa volta.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.