Dia Internacional da Democracia: estamos fazendo a nossa parte?

Respeito à pluralidade é um dos desafios: com redes sociais, alguns tentam impor pontos de vista, disseminam ofensas pessoais e discursos de ódio
sexta-feira, 17 de setembro de 2021
por Christiane Coelho, especial para A VOZ DA SERRA
Quando a tecnologia vira arma
Quando a tecnologia vira arma

Instituído pela Organização das Nações Unidas, em 2007, o Dia Internacional da Democracia, comemorado em 15 de setembro, tem como objetivo trazer a reflexão sobre a importância da democracia nos países membros, inclusive o Brasil. A data foi oficializada no marco dos dez anos da Declaração Universal da Democracia, aprovada em 1997, que descreve os princípios e características de uma conduta democrática por governos e pela sociedade. Entre eles está:

“A democracia é um ideal universalmente reconhecido, uma meta que se baseia em valores comuns partilhados pelos povos de todo o mundo, independentemente de diferenças culturais, políticas, sociais e econômicas. É, portanto, um direito básico de cidadania, a ser exercido em condições de liberdade, igualdade, transparência e responsabilidade, com o devido respeito à pluralidade de pontos de vista, no interesse da comunidade.”

Redes sociais: um campo minado

Com o advento das redes sociais, um novo comportamento surgiu: a divulgação de ideias e pontos de vista acerca de muitos assuntos, atingindo um público muito maior. E, com ele, ficou evidente o aumento da polarização. Ou você é conservador ou progressista, ou você é de direita ou de esquerda, ou você é a favor do parto natural ou da cesariana. Tudo passou a ser tratado com radicalismo e, o pior, as pessoas passaram a ser julgadas como um todo, baseado apenas em um dos pontos que defende.

Como nas redes sociais há a possibilidade de se comentar sobre o que foi postado ou responder nos casos das mensagens de WhatsApp, abriu-se um campo minado para a falta de respeito ao pensamento do outro e ao discurso de ódio. “Como a internet parece ter leis mais afrouxadas, já que ninguém vai te tocar, ferir ou prender de imediato, as pessoas rebaixam qualquer lei moral que as mantenha comportadas e se permitem mostrar como realmente são, sem medo das consequências para si ou para o outro. Sentem-se validadas por verem que há pessoas que concordam. Penso que tais pessoas sempre pensaram assim e sempre concordaram, mas uma não sabia da existência da outra e não podiam se apoiar. A internet reúne todos no mesmo lugar e as pessoas descobrem que há outros que pensam similarmente, formando pequenos exércitos que defendem uma posição. Assim, as pessoas não aguentam passar direto por uma publicação da qual discordam; precisam parar para impor sua verdade absoluta”, explica Geovane Corrêa (foto), psicólogo especialista em Psicologia Junguiana.

Terra com lei

Mas a internet não é terra de ninguém, como alguns podem pensar. De acordo com o presidente da 9ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Nova Friburgo, Alexandre Valença (foto abaixo), uma considerável parcela dos atos praticados por meio da rede mundial de computadores podem ser classificados como crimes. São os denominados cibercrimes. 

“A lei estabelece a proteção de direitos, especialmente aqueles integrantes da personalidade do indivíduo, pois geralmente os crimes da internet se dão contra a honra, na forma de injúria, calúnia e difamação. Busca a lei estabelecer limites à liberdade de expressão que, assim como todo e qualquer direito, não é absoluta. Essas práticas abusivas através da internet podem se classificar como crimes de calúnia, difamação e injúria (inclusive racial), estes previstos pelo Código Penal, além de outros constantes do Próprio Código Penal, além do crime de racismo previsto pela lei 7.716/1989”, explica ele. Esses crimes preveem penas que variam com detenção de um a seis meses, como no caso da injúria, podendo chegar a três anos no caso do crime de racismo.

E aqueles que se escondem atrás de perfis falsos, os famosos perfis fakes, para escrever o que pensam, achando que suas identidades nunca serão descobertas, estão enganados. Segundo Anderson Cordeiro, integrante do Laboratório de Computação Social e Análise de Redes Sociais (Laboratório Cores) e fundador do Fakepedia (foto abaixo), que trabalha com identificação de fake news em redes sociais, apesar da internet ser vista por muitas vezes como um terreno sem lei, onde as pessoas podem se portar como bem quiserem, é possível se chegar à identidade real de quem utiliza um perfil falso. 

“Quando este perfil falso está impactando diretamente uma pessoa, principalmente em casos de ameaça, injúria, difamação ou qualquer outro tipo de perturbação, é necessário comunicar imediatamente a delegacia de polícia para abertura de um registro de ocorrência e, se determinado pela autoridade, a abertura de inquérito policial para apuração. O trabalho de peritos e investigadores computacionais de forma particular se limitam sempre a levantar informações que possam ser utilizadas como provas, utilizando ferramentas e informações públicas, na tentativa de auxiliar uma possível petição, em processo devidamente feito por um advogado”, explica ele.

Uma postagem, pensamentos diferentes e várias ofensas

Recentemente, uma postagem de uma reportagem no perfil do Facebook de A VOZ DA SERRA dividiu as opiniões dos seguidores, o que é normal de se acontecer numa democracia. Mas, chama a atenção, alguns comentários, em que as pessoas se acham verdadeiros juízes, como: “Marquem a jornalista antiética, que fez essa matéria. Ela e o jornal têm que se explicar” ou “Eles terão que responder depois dessa divulgação do ato anti-democrático e anti-constitucional que estão ajudando a promover. O jornal e a jornalista”. 

Na realidade, a reportagem em questão limitou-se a informar sobre uma manifestação que estava sendo anunciada para acontecer em Nova Friburgo e que poderia trazer consequências para o trânsito e a vida dos friburguenses, ouvindo de um dos organizadores o motivo de tal ato.

 Além das cobranças ao jornal, nos comentários, as ofensas às pessoas que se manifestaram nos comentários da postagem causaram desconforto até a quem não era o ofendido. Uma delas uma leitora, que em meio a uma discussão política, teve como resposta o seguinte comentário: “Fico feliz que tenha virado mãe e assim ter arrumado desculpa para não exercer a função, além de culpar, é claro, o mercado pelo excesso de profissionais. Fica mais fácil assim, culpar outrem ao invés da sua falta de capacidade técnica.” 

A VOZ DA SERRA entrou em contato com a leitora, que preferiu não se identificar e o desfecho dessa história que começou com uma discussão política, foi pior. A pessoa que a ofendeu,  ainda escreveu mais mensagens no privado do seu Facebook (fotos). “Foi muito desagradável. Ela falou coisas pessoais da minha vida e da minha família, coisas que só quem é próximo sabe. Não sei quem é a pessoa, que depois excluiu o perfil. Mas acredito que seja fake. Isso é muito desagradável, tira a energia, faz mal à gente. Até assimilar isso e ver que é apenas um discurso de ódio de uma pessoa que pensa diferente, a gente fica se remoendo”, disse ela.

Para o psicólogo Geovane Corrêa, quando se parte para o ataque pessoal é porque quando não tem argumentos intelectuais ou sentimentais para responder ao que foi dito. “É como uma defesa desesperada. Quando a informação da pessoa ameaça aquilo que nós defendemos muito ferrenhamente, destruímos o outro, inferiorizando e reduzindo-o a cinzas para nos sentirmos acima. Dessa forma, protegemos nossa sensação de potência e fingimos que por dentro não estamos vazios e impotentes, ignorando esse oposto. O comportamento de massa faz com que muitos se identifiquem e concordem com o ataque, dando mais voz à situação de apedrejamento virtual. Um exemplo: uma pessoa que defende rigidamente o patriarcado não aceitará opiniões que sugiram algo diferente disso. Qualquer coisa que pareça ameaçar sua hegemonia masculina poderá ativar uma reatividade para proteger esse posto. Esta pessoa não consegue dialogar com os aspectos femininos dentro de si. Sem argumentos (pois esta ideia foi construída nela por uma força psíquica e não por estudos e embasamento), só lhe restará atacar. É preciso que as pessoas se perguntem por que a outra pessoa as incomoda tanto, pois isso dirá bastante sobre elas”, explica ele.

Perfis abertos, mas não à ofensa

Com o advento das redes sociais, novas profissões foram surgindo, como os blogueiros e influenciadores digitais, que mostram nas redes o seu dia a dia, divulgam lojas e serviços e também suas opiniões e posicionamentos sobre diversos assuntos. A jornalista Isabella Stutz (foto) migrou para a mídia digital há três anos quando criou o Papo em Família, um canal para falar das questões da maternidade. 

“Depois de um tempo por aqui, mais de umas duas mil postagens e alguns vídeos, descobri o que já havia ouvido muito falar: nem tudo são flores e, falsamente blindados por uma tela, dentro dos muitos seguidores sempre aparece uns não tão amigos assim, capazes de ameaçar, julgar, culpar e até coisas piores”, revela ela.

O cerceamento à liberdade de expressão dentro do próprio canal é uma realidade para a influenciadora. “Não trago conteúdos ofensivos, discussões políticas e ou assuntos que julgue ofender ou fazer mal a alguém, muitas vezes essa preocupação inclusive já me fez não postar para evitar o conflito”, revela ela, acrescentando que em determinados assuntos, apesar de perder seguidores, ela fez questão de se posicionar. 

“Quando apoiei o retorno das aulas presenciais, foi uma enxurrada de comentários, ofensas e pessoas que nem ao menos eram seguidores expressando suas opiniões e minha postura sempre é de respeito. Quero ser respeitada e que respeitem o meu espaço, assim, se considero algum comentário fora desses padrões, me sinto no direito de excluir ou não deixar que aquela pessoa participe mais. Quem está nas redes e leva esse espaço também como um trabalho, seja criando conteúdo ou atuando nas diversas áreas que o marketing de inflluência inclui acaba aprendendo muito a lidar com esses comportamentos, com a era do cancelamento, julgamentos e tudo mais”, explica Isabella.

Conviver saudavelmente nas redes sociais

Há formas de se conviver saudavelmente nas redes sociais, basta ter respeito e empatia. Isabella Stutz  exemplifica como proceder. “Está na rede, nos stories, está na vida, é instagramável, então está aberto a tudo? Não! Se você não concorda com a pessoa pode simplesmente deixar de seguir, não é necessário ofender ou estimular campanhas de ódio”, ensina ela.

Para o psicólogo Geovane Corrêa, o posicionamento online pode ser mais fácil do que o presencial, pois você está protegido por uma tela e pela distância. “Se alguém te responde ou te questiona, você pode escolher ignorar ou pensar um tempo antes de responder. Não há olhares te julgando ou avaliando. Já pessoalmente, a comunicação precisa ser mais instantânea, há o olhar, a expectativa. Você precisa sustentar o que afirmou, e não há para onde correr. Além disso, na internet verificamos os comportamentos de massa, quando encontramos várias pessoas que pensam como nós e poderão unir suas vozes às nossas, dando mais força à afirmação, e nos dando mais segurança e coragem, por mais errada que nossa ideia possa ser. Concordamos com o todo, sem parar para refletir, e nos sentimos amparados e pertencentes a um grupo que nos valida”, esclarece ele.

Na galeria abaixo, confira alguns exemplos de discursos de ódio:

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