1 Atha yogānuśāsanam; 2 Yogas chitta vritti nirodhah. Esses são os dois primeiros aforismos do Yoga Sutra, que nós consideramos como um marco zero do Yoga moderno. É a compilação de todo o conhecimento milenar sobre o Yoga, impresso por um texto seminal da tradição antiga da Índia.
O primeiro aforismo significa “Agora, o Yoga”, e esse “agora” não é um simples advérbio. Ele pressupõe uma mudança interna que provoca ao indivíduo o interesse pelo autoconhecimento. E em um determinado momento, as pessoas entendem que somente as experiências mundanas não preenchem os vazios existenciais e o sentimento de incompletude que todos experimentam.
Um ditado popular que diz que quando o discípulo está pronto, o mestre aparece. Nesse caso, esse mestre pode até ser alguma pessoa inspiradora com algum conhecimento específico, mas me refiro aqui ao mestre interno, a essa capacidade de usar sensibilidade, intelecto e intuição para livrar a mente de perturbações e limitações.
Daí, eu explico o segundo sutra, que define o objetivo do Yoga: Yoga foi feito para acalmar as flutuações da mente; ou, Yoga é a contenção das oscilações mentais resultantes dos medos, ansiedades, e outros sentimentos perturbadores que nublam a nossa consciência.
Todos temos um desejo de libertar de uma inquietação que nos acompanha a vida inteira. Esse desejo pode ficar latente por um período ou ficar mais forte em outros momentos da vida em que existe alguma fragilidade ou introspecção.
É bem provável que essa situação de pandemia e isolamento social tenha tirado todo mundo da zona de conforto de alguma forma, produzindo medos, inseguranças, sofrimento, dúvidas e descrenças - que independem de credos e convicções. E é nesse cenário, que grande parte dos indivíduos, que estavam momentaneamente “anestesiados” desse desejo de autoconhecimento, passam a ver todo esse amontoado de emoções suspensas e enxergam a necessidade de aquietar a mente como a única ferramenta plausível de bem estar e felicidade.
Essa tradição diz que o sofrimento não surge de um acontecimento indesejável, mas de uma mente vulnerável, oscilante, que não sabe se relacionar com aquele acontecimento. Independente do acontecimento, quanto mais instável for a mente, maior será o fluxo de emoções instáveis e mais difícil ficará lidar com o sofrimento.
Por que o Yoga desenvolve essa habilidade?
A nossa mente está sob influência exteriorizada o tempo todo, afinal, o meio externo com todas as suas informações é extremamente convidativo: cores, formas, luzes, rotina, celular, polarização política e muito streaming. Dar conta de tudo é tão difícil que não sobra tempo de olhar para dentro e toda a nossa sujeira mental é empurrada para baixo de um tapete imaginário.
Só enxergamos a superfície das emoções, muitas vezes mascaradas pelo ego, que é um ótimo criador de álibis. Porém, chega uma hora que não dá mais para esconder o sofrimento e o mesmo escancara-se de formas diversas impactando diretamente a saúde dos indivíduos.
No início de uma prática de yoga, a ele é apresentado a ideia de pratyahara. Alguns estudiosos chamam isso de abstração dos 5 sentidos, que são os condutores da mente para o meio externo, mas eu prefiro chamar de controle sobre as influências externas. É a parte do yoga que dá a liga entre os aspectos externo da prática, como as posturas, exercícios físicos e respirações, e os aspectos mais internos, como a concentração, a sensibilidade, inteligência e meditação, que conduzem a mente ao auto controle. Você continua percebendo o mundo externo, mas não se “alimenta” do que vem de fora.
Há quem associe yoga com atividade física exatamente porque as posições do yoga são esse aspecto mais externo da prática, e logo, mais perceptível. Mas, essa parte mais física do Yoga compõe um conjunto de disciplinas para conter essas oscilações mentais e atingir uma saúde integral.
A mente provoca uma sequência de pensamentos através de um fluxo natural e acontece por uma associação contínua: um pensamento acaba gerando outro estímulo para um próximo pensamento. Ao entender a própria mente, sua natureza básica e seu funcionamento particular, é possível ter um comando sobre ela, conduzindo a mesma na direção desejada.
Por isso, esse não é o momento de abandonar a prática, mas sim, o momento em que o yoga torna-se uma das ferramentas mais disponíveis e eficientes para manter a saúde do corpo e da mente. O Yoga é uma técnica viva e se adapta ao mundo moderno sem perder o seu viés filosófico e o seu propósito. Práticas on line estão cada vez mais disponíveis, bastando ao praticante realizar uma pesquisa prévia sobre qual escola e metodologia são mais marcantes para o seu mergulho interno.
O ser humano é extremamente adaptável e talvez esteja aí a nossa força. Uma mente estável e realizada, com contentamento e inteligência, nos coloca numa condição privilegiada para enfrentar momentos como o que estamos vivendo.
* Igor Fonseca é instrutor no Estúdio Samsara
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