Como está estruturada a saúde pública de Friburgo para combater o coronavírus

Pandemia chega num momento em que o município enfrenta crise política, com denúncias de superfaturamento na compra de remédios
quinta-feira, 02 de abril de 2020
por Guilherme Alt (guilherme@avozdaserra.com.br)
O Hospital Municipal Raul Sertã (Arquivo AVS)
O Hospital Municipal Raul Sertã (Arquivo AVS)

Atualmente, segundo a Prefeitura de Nova Friburgo, não há nenhum caso de coronavírus confirmado na cidade, mesmo após um comunicado da cooperativa Unimed ter atestado na semana passada que um paciente testou positivo para a doença. No entanto, o município, apesar de não contabilizar esse possível caso, aguarda o resultado de contraprovas. O poder público se baseia no resultado da contraprova e só após uma nova confirmação poderá ou não incluir Friburgo oficialmente no mapa dos locais onde há infectados no Estado do Rio.

Diariamente, A VOZ DA SERRA é questionada por leitores sobre as condições em que se encontra a saúde do município. Para entendermos como está o quadro atual da saúde friburguense é preciso fazer uma volta ao tempo.

Pouco antes do governo atual tomar posse, no dia 8 de novembro de 2016 houve uma reunião da equipe de Renato Bravo cuja pauta tratou da necessidade de adesão de uma ata de registro de preços de medicamentos. Havia, no entanto, um empecilho: a tramitação, em fase avançada, do processo licitatório 1.077/16, o qual deveria ser descartado, ou ao menos mitigado, como de fato aconteceu, para que houvesse adesão da Ata de Registro de Preços de Duque de Caxias 59/16. O relato minucioso desta situação encontra-se na notícia PRM-NFR-RJ-00005639/2017, no Ministério Público Federal. 

Tempos depois o processo licitatório para compra de medicamentos foi interrompido para a adesão da referida ata, que de acordo com a investigação parlamentar e posterior da Polícia Federal, Ministérios Públicos estadual e federal e Controladoria Geral da União, apresentava indícios de superfaturamento no preço dos medicamentos, já em falta nas unidades de saúde.

 Este é o cenário que deu o pontapé inicial da operação legislativa “Mãos de Sangue”, protocolada no dia 24 de outubro de 2017, pelos vereadores Professor Pierre, Zezinho do Caminhão, Johnny Maycon, Marcinho e Wellington Moreira, no Ministério Público Federal. A peça de mais de 2.500 páginas comunica, entre outras situações, irregularidades em contratos e prestação de serviços de saúde, carência de medicamentos e materiais médico-hospitalares e sobrepreços de medicamentos, alguns dos quais superiores aos limites estabelecidos pela tabela Cmed/Anvisa, que viriam a se consolidar. Os valores, indicam a investigação e chegam a diferenças de mais de 2.000% entre itens adquiridos em processos diversos da Prefeitura de Nova Friburgo.

Em 12 de setembro de 2018, o presidente da Câmara Municipal, vereador Alexandre Cruz, acolheu o pedido de abertura de CPI para apurar e investigar a sucessiva contratação emergencial, entre 2017 e 2018, da empresa Global Trade na prestação de fornecimento de alimentação para o Hospital Raul Sertã, com assinatura de 19 dos 21 vereadores. Em coletiva convocada pelos vereadores Professor Pierre, Zezinho do Caminhão, Johnny Maycon, Marcinho e Wellington Moreira, no dia 17 de setembro, os parlamentares apresentaram a peça investigativa que demonstrou múltiplos indícios de fraude no processo 1.830/2017 (aquisição sob demanda de material médico hospitalar). 

Segundo o documento, protocolado no MPF na mesma semana, teria sido identificado favorecimento a empresas em prejuízo de outras, mediante apresentação de pareceres supostamente direcionados de setores de enfermagem do Hospital Raul Sertã, redundando em mais de R$ 500 mil em dano aos cofres públicos municipais, considerando apenas os valores relativos a seringas, integradores químicos e indicadores biológicos. Diante das apurações do Poder Legislativo, a então secretária de Saúde Tânia Trilha optou por excluir parte desses itens da autorização de pagamento. Um inquérito aberto pelo MPF segue com apurações em sigilo.

Em 11 de dezembro de 2018, foi lido na sessão da Câmara Municipal o relatório da visita de fiscalização legislativa ao Hospital Raul Sertã que apontou vários problemas, como grave falta de medicamentos, materiais médico-hospitalares, condições inadequadas de setores e de trabalho dos funcionários, ausência de equipamentos, além do atraso nas obras e outros aspectos. O documento foi encaminhado pela Comissão de Saúde da Câmara a vários órgãos, como aqueles de representação profissional e ao Ministério Público. 

No mesmo dia foi publicada a homologação de licitação e autorização de despesa do processo licitatório 1.512/2018, para a contratação de empresa especializada para a prestação de serviço de nutrição e alimentação no Hospital Raul Sertã, em favor da Global Trade, que cotou o menor preço com lote único no valor total de R$ 4.237.800,  representando grande economia em relação ao valor praticado nos 12 meses anteriores.

Em 12 de julho de 2019, a CPI da Saúde apresentou superfaturamento na Saúde superior a R$ 1,1 milhão. As informações reunidas foram apresentadas à Polícia Federal, ao Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e aos Ministérios Públicos federal e estadual. “As informações levantadas pela CPI são contundentes e afirmativas. Houve sim uma série de irregularidades, descumprimento de leis, direcionamentos mais do que tendenciosos para a empresa que prestou os serviços, e isso está visível nos documentos e processos apurados”, disse Zezinho do Caminhão, relator da CPI.

No dia 13 de junho de 2019, o vereador Wellington Moreira, presidente da Comissão de Saúde da Câmara de Friburgo, denunciou a perda de 7.156 doses de vacinas, que estragaram devido a defeito em equipamentos de refrigeração.

No dia 25 de junho de 2019, o Ministério Público Estadual, em ação da Promotoria da Infância e da Juventude, mediante ajuizamento de Ação Civil Pública, obteve da Justiça determinação para interditar a cozinha, a lavanderia e a despensa do Hospital Maternidade Dr. Mário Dutra de Castro. Na decisão, consta que “a situação apurada revelava falta de higiene, organização e estruturação, violando, ainda, as normas da Anvisa”. Para a 1ª Vara de Família, da Infância, da Juventude e do Idoso, são fatores que apresentavam risco à saúde e à vida dos bebês recém-nascidos e das gestantes.

No dia 28 de junho de 2019, no início das férias do prefeito Renato Bravo, a então secretária de Saúde Emmanuele Marques, após permanecer apenas 15 dias no cargo, pediu exoneração sob alegação de falta de autonomia para montar sua equipe, ante interferências partidárias. O anúncio foi feito com exclusividade ao jornalista Guilherme Alt, de A VOZ DA SERRA. Em meio à aguda crise na saúde, Marcelo Braune, prefeito em exercício, assumiu interinamente a Secretaria Municipal de Saúde. É o sétimo nome a ocupar a pasta, quarto em condição interina somente no governo Renato Bravo. 

Braune instituiu comissão especial para ajudá-lo na Secretaria e recompõe interinamente a direção-médica do Raul Sertã, que estava desde 26 de junho sem responsável técnico, e também recompõe interinamente a direção-médica e técnica do Hospital Maternidade, a qual também se encontrava em vacância. Em janeiro deste ano, o vereador Pierre divulgou em redes socais informações sobre a investigação conduzida por ele e outros quatro parlamentares que apontaram indícios de compra de medicamentos superfaturados. No dia 22 de janeiro, a prefeitura emitiu uma nota afirmando serem falsas as acusações do vereador. No mesmo dia acontece na cidade a Operação Carona de Duque, da Polícia Federal.

Segundo o site da PF, os agentes “investigam esquema criminoso responsável por fraudes na compra de medicamentos da prefeitura, com o objetivo de cumprir seis mandados de busca e apreensão, no Rio, São Gonçalo, Niterói e Friburgo, com a participação de policiais federais e servidores da Controladoria Geral da União. As investigações foram iniciadas pelo Ministério Público Federal  e contaram com a participação da Polícia Federal e da CGU, tendo sido levantado um prejuízo aos cofres públicos de mais de R$ 600 mil”.

A prefeitura garantiu que todo o processo para aquisição de medicamentos transcorreu dentro da normalidade, negou a existência de má-fé e considerou bravatas as denúncias do vereador, expostas nas redes sociais. Ainda no dia 22, o vereador Professor Pierre, em entrevista exclusiva ao jornalista Guilherme Alt, afirmou que conseguia provar com farta documentação tudo o que expôs e foi categórico ao dizer que "o prefeito Renato Bravo sabia de todo o esquema”.

No dia 24 de janeiro de 2020, os vereadores Professor Pierre, Zezinho do Caminhão, Johnny Maycon, Marcinho Alves e Wellington Moreira detalharam a investigação conduzida por eles que pautou a ação da PF. Em 27 de fevereiro, a cidade tem o primeiro caso suspeito de coronavírus e um mês depois, a direção do Hospital da Unimed Nova Friburgo emitia um comunicado em que confirmava o primeiro caso positivo para a doença, que ainda aguarda contraprova. Mesmo após o comunicado, a prefeitura até o momento não confirmou o caso em seus dados e não notificou o Governo do Estado. Nas estatísticas, até o fechamento desta reportagem, Nova Friburgo ainda não aparece na lista de cidades com casos confirmados para Covid-19 no estado.   

 

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