Cada vez mais procurada por praticantes de caminhadas, ciclistas e até turistas, sobretudo nos fins de semana, a antiga Linha do Trem, entre o Bairro Ypu e o distrito de Mury, sofre com o abandono. Ao longo de seus oito quilômetros, apenas o trecho central, da Avenida Hamburgo, em Mury, é asfaltado. As demais extremidades - a Rua da Antiga Linha Férrea, que vai da antiga Fábrica Ypu até a Ponte da Saudade, e a Rua Gertrudes Stern, da altura da Clínica Santa Lúcia até Debossan - apresentam problemas típicos de estradas de terra malconservadas, como buracos, valas, lama em dias de chuva e descarte irregular de lixo e entulho de obras.
Moradores locais reclamam ainda da falta de serviços básicos como varrição e capina. A iluminação pública também é precária, e construções irregulares em determinados pontos aumentam sem qualquer tipo de controle ou fiscalização pelo poder público.
“Muitas famílias caminham passeando com crianças, muitas bicicletas transitam nos fins de semana. É incrível o interesse pelas caminhadas e pelos passeios ciclísticos. Só que o caminho precisa de mais atenção das autoridades”, conta a fotógrafa Regina Lo Bianco, que passou pelo local recentemente.
Em outubro de 2019, a leitora Margarethe Albrecht, moradora da Ponte da Saudade, enviou ao jornal A VOZ DA SERRA um relato contundente: "No último fim de semana, uma amiga veio de Niterói me visitar. Resolvemos fazer uma caminhada na antiga linha do trem, em Mury. Percebemos que, antes de chegarmos na Usina Hans, estava cheio de entulho de obras por vários lugares. Ficamos muito desapontadas. Outras pessoas também estavam caminhando e ficaram horrorizadas com a falta de respeito com a natureza e o descaso do poder público, que não pune esse tipo de vandalismo ambiental. Hoje em dia fala-se tanto em sustentabilidade, em reciclagem, mas esse é o retrato do atraso".
Via Parque de Caminhada
Ao longo dos trechos sem asfalto, a paisagem é de tirar o fôlego. A pista quase plana é ideal para caminhadas e pedaladas. Acompanhando o curso do Rio Santo Antônio, a estrada é emoldurada por Mata Atlântica nativa, tem nascentes, árvores floridas e paredões rochosos que a tornariam uma importante rota turística, não fosse o abandono em que se encontra.
Em 2012, a lei municipal 4.017, de autoria do então vereador Professor Pierre - hoje secretário da Casa Civil do prefeito Johnny Maycon - transformou a Linha, como o antigo caminho do trem é chamado pelos locais, na Via Parque de Caminhada. O tráfego prioritário seria de pedestres e ciclistas, além de charretes. Automóveis e motocicletas também podem trafegar, desde que em baixa velocidade, e caminhões, em caso de necessidade.
Pela lei, o poder público municipal estimularia caminhadas ao ar livre na via, assim como a implantação de equipamentos para a contemplação da natureza. Igualmente providenciaria abrigos contra chuva, bicas de fontes naturais, mesas para piqueniques, bancos, pontes cênicas, mirantes e sinalética.
Nos trilhos da História
Além de ter facilitado o escoamento do café das fazendas em Cantagalo pertencentes ao Barão de Nova Friburgo, a linha férrea foi um divisor de águas na história da cidade. O trajeto entre a Corte, no Rio de Janeiro, e Nova Friburgo foi reduzido de seis dias para seis horas.
A linha férrea também deu um grande impulso econômico no turismo com o “trem de passeio”, prestando-se a ferrovia não somente ao transporte de carga, como também de pessoas. O trem era responsável pela maior parte do escoamento da produção de toda a região.
O trecho subindo a serra (foto abaixo, do acervo de Osmar de Castro) foi inaugurado em 18 de dezembro de 1873, com a presença de Dom Pedro II. Operou até 15 de julho de 1964, quando a rede ferroviária Leopoldina suprimiu o ramal entre Cachoeiras de Macacu e Nova Friburgo.
Como lembrou o médico aposentado Renato Henrique Gomes da Silva, membro da diretoria do Clube do Trem Nova Friburgo, na edição do Caderno Z dedicada ao tema, o trem vindo das capitais dos estados da Guanabara e Rio de Janeiro chegava a Theodoro de Oliveira, subindo desde o nível do mar até mil metros de altitude, puxado por uma locomotiva de força e tração. Fazia uma pequena parada em Mury e depois atravessava o Rio Santo Antônio no Bairro Ypu, por um pontilhão cujos pilares originais ainda podem ser visualizados, embora parcialmente encobertos pela ponte em frente à Igreja de São Bento. Ali, ao fazer a curva, apitava para alertar sobre a sua chegada. Passando pela Rua Moisés Amélio, entrava na Estação Central, hoje sede da prefeitura, destino e ponto final dos passageiros.
Dali partiam trens para Itaocara e Porto Novo (MG), com bifurcação da linha em Conselheiro Paulino. Antes, paravam na estação de cargas, onde hoje encontra-se o quartel do 11º BPM, após atravessarem a ponte de ferro cujos pilares podem ser vistos em ambas as margens do Rio Bengalas em frente à fábrica Haga.
Veja mais fotos do atual estado da Linha, clicadas por Regina Lo Bianco, na galeria abaixo:
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