Após mais de um século de extinção local, a anta (Tapirus terrestris), o maior mamífero terrestre do Brasil, está de volta às florestas do Estado do Rio de Janeiro. O projeto Refauna, coordenado pelo biólogo Maron Galliez, professor do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e vice-presidente do Refauna, tem trabalhado para reintroduzir essa espécie na Mata Atlântica fluminense, particularmente na Reserva Ecológica de Guapiaçu (Regua), em Cachoeiras de Macacu.
(Foto: Divulgação)
Nesta semana, pela primeira vez em mais de um século, foi registrada a presença espontânea de antas, no Parque Estadual do Cunhambebe, no sul do estado do Rio de Janeiro. “É surpreendente, pois a anta permaneceu extinta no estado entre 1914 e 2018. A presença delas em Cunhambebe é uma notícia muito importante para a ciência, e mostra o potencial de expansão e adaptação desses animais em ambientes de floresta fragmentada”, explica o professor.
Desde o início do Projeto Refauna, em 2017, pelo menos 20 antas estão soltas na Regua — dez machos e dez fêmeas. Antes de sua reintrodução, os animais passam por um período de aclimatação em cercados no meio da floresta. “Os primeiros animais foram soltos em março de 2018, e ao longo desse tempo já registramos sete nascimentos na natureza”, relata Galliez.
A ausência de grandes mamíferos na floresta provoca desequilíbrios ecológicos, e a anta, muitas vezes chamada de “jardineira da floresta”, é um dos “atores principais” desse ecossistema. “Quando observamos uma floresta, achamos que está tudo bem. Mas, muitas vezes, os animais, principalmente os grandes mamíferos, estão extintos naquela área”, comenta Galliez.
A anta desempenha um papel essencial na dispersão de sementes, especialmente de grandes árvores, que capturam mais carbono da atmosfera e contribuem para a mitigação das mudanças climáticas. “Ao se alimentar dos frutos e folhas, ela dispersa as sementes e evita que uma única espécie domine a área, mantendo a diversidade da vegetação e promovendo a regeneração natural da floresta”, destaca.
O retorno das antas à Mata Atlântica é também um passo importante para o cumprimento das metas brasileiras de restauração ambiental. Durante a chamada Década da Restauração, o Brasil se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares de floresta até 2030, como parte da Década da Restauração de Ecossistemas da ONU, e a reintrodução de fauna é um componente fundamental para atingir esse objetivo. “A anta é um animal atrativo para o ecoturismo, e a presença dela abre uma nova frente para o turismo sustentável, que valoriza a biodiversidade local”, acrescenta Galliez.
A reintrodução das antas na Mata Atlântica não aconteceu sem dificuldades. O primeiro desafio foi a seleção dos animais, garantindo que fossem saudáveis e geneticamente compatíveis com a região. “Para soltar as antas, buscamos parcerias com zoológicos e criadores conservacionistas. Recebemos doações de animais de dez instituições do sul, sudeste e nordeste do Brasil. Fizemos exames de saúde e análises genéticas para assegurar que elas não trariam doenças ao ambiente natural”, explica Galliez.
O monitoramento é realizado por câmeras fotográficas distribuídas pela floresta e por colares de radiotelemetria com chips de GPS. “Cada anta recebe um colar que nos informa a posição do animal. Isso nos permite acompanhar seus deslocamentos e adaptações ao novo habitat”, detalha o biólogo.
(Foto: Divulgação)
Para viabilizar o projeto, o Refauna conta com uma equipe dedicada, formada majoritariamente por alunos de Ciências Biológicas do IFRJ, e com o apoio de várias instituições, como o Instituto de Ação Socioambiental, patrocinado pela Petrobras, Fundação Segrè, IUCN Save Our Species, Regua, IFRJ e CNPq. A iniciativa também já recebeu financiamento da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio) e do Instituto Boticário, o que demonstra o interesse crescente de organizações no fortalecimento da biodiversidade local.
Função ecológica
As antas têm uma função ecológica única. Como elas são capazes de dispersar sementes grandes e percorrer longas distâncias diariamente, conseguem distribuir essas sementes em áreas amplas, incluindo clareiras e áreas abertas, que favorecem a restauração ambiental. “As antas contribuem diretamente para a regeneração da vegetação, especialmente em áreas abertas, onde pequenos animais não conseguem levar sementes. Esse processo ajuda a criar uma floresta mais resiliente e biodiversa”, explica Galliez.
Além disso, o hábito das antas de consumir folhas e ramos também evita que uma única espécie de planta domine a área, o que seria prejudicial ao ecossistema. “A anta impede a competição desbalanceada entre as plantas. Isso mantém o equilíbrio do ecossistema, promovendo uma floresta mais diversa e saudável”, observa o pesquisador.
A meta do projeto Refauna é aumentar a população de antas na região até alcançar cerca de 50 indivíduos. “Vamos continuar com a reintrodução de novos animais, e em 2025 e 2026 planejamos soltar mais casais. Também daremos continuidade ao monitoramento e às atividades de educação ambiental com a parceria da Regua e do Instituto de Ação Socioambiental, buscando promover a melhor coexistência das comunidades com esse novo ‘vizinho’”, afirma Galliez.
A educação ambiental é um dos pilares do projeto, e o Refauna trabalha para conscientizar a população sobre a importância das antas para o ecossistema e os benefícios que elas trazem ao equilíbrio da floresta. Ao reintroduzir as antas na Mata Atlântica, o Refauna contribui para a recuperação de um ecossistema equilibrado e saudável, um esforço que serve de exemplo de como a ciência e a sociedade podem caminhar juntas em prol da conservação ambiental.
Com o compromisso de proteger a biodiversidade e restaurar áreas degradadas, o projeto se consolida como um modelo para iniciativas de reintrodução de fauna, impactando positivamente não apenas a natureza, mas também as comunidades que vivem próximas à floresta.
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