O faz de conta e a formação do leitor

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

terça-feira, 27 de maio de 2025

O faz de conta é uma brincadeira importante na infância porque a criança, ao recriar o mundo através da imitação de pessoas e personagens em seus papéis e funções, começa a entender as relações inter-humanas e as atividades realizadas na vida coletiva. As histórias na literatura infantil também recriam os fatos e possuem atualidade, mesmo as que são contextualizadas em tempos mais antigos.

As imitações criadas pelo imaginário infantil são essencialmente individuais na medida em que estão referendadas à percepção pessoal, possuindo conteúdo afetivo relevante. A criança recria o que sente e pensa, ou seja, todo sentimento produz pensamentos que, por sua vez, induzem às ações. O faz de conta corresponde à dialética de perceber, sentir, pensar, imaginar e brincar; é um jogo de ressignificações em que é possível extravasar emoções.

Ser pai, mãe, avós, médico, cozinheiro, cuidador de animais ou construtor podem ser motivos que inspirem a criança a brincar. Os personagens Batman, João ou Maria, Príncipe ou Bela Adormecida, Tarzan ou Jane, mágicos ou fadas, dentre tantos outros personagens são imitados na infância. O fato é que através do faz de conta a criança adentra seu imaginário, fertiliza sua criatividade e descobre-se. Conhece-se. Diferencia-se de outras pessoas. É uma brincadeira de enorme riqueza para a construção da identidade individual, através da qual ela vai amadurecendo sob o ponto de vista emocional, social, físico e intelectual.

Sob o ponto de vista intelectual, a criança, ao criar enredos, recriar pessoas e personagens aprofunda seus entendimentos sobre as situações, reflete sobre as características pessoais e observa elementos ambientais. São brincadeiras livres que envolvem habilidades cognitivas, como observação, percepção de semelhanças e diferenças, classificação, interpretação, crítica, levantamento de suposições, aplicação de fatos e princípios a novas situações, planejamento, tomada de decisões dentre outras. Enfim, é uma brincadeira em que a criança tem a experiência de pensar. Além do que os modos de brincar acompanham a evolução do pensamento decorrente da mudança dos centros de interesse em virtude das vivências e do próprio desenvolvimento.

Ao brincar de faz de conta, a criança desenvolve a linguagem, utilizando-a de forma natural e criativa, criando os próprios diálogos; a capacidade de simbolização ao representar objetos e ideias; o entendimento da escrita ao perceber que ela pode representar palavras, histórias e personagens; a imaginação ao sentir prazer em criar situações e personagens; a atenção ao demandar concentração durante o desenvolvimento da história; o entendimento da sequência da história com relação ao começo, meio e fim.

A criança transfere a sensação de prazer ao brincar de faz de conta para a leitura. A formação do leitor é um processo que se estende por toda a vida posto que a cada época a pessoa tem acesso a diferentes estilos de leituras através dos níveis de aprendizagem, atividades profissionais, convivência e centros de interesses. Os leitores mais hábeis decodificam e interpretam textos em outras línguas, inclusive.

O que estou insistindo em demonstrar é que sem o sentimento do prazer preservado em seus afetos, o processo de evolução da leitura pode se tornar enfadonho, o que provavelmente venha a prejudicar várias áreas de atuação do adulto, inclusive a profissional.

A formação do leitor é um processo fundamental para o conhecimento e a compreensão da vida. Segundo Freud, a leitura é uma experiência de linguagem significativa para a compreensão da própria linguagem e da linguagem do inconsciente. Através da leitura, o leitor experimenta emoções como rir, chorar, sentir raiva, amor e identificar-se. O livro é um objeto feito de palavras em que todos podem ser e tudo pode acontecer.

Já Piaget descreve a leitura como um processo que faz parte da formação humana. Por intermédio da interação entre o sujeito e o texto, o leitor constrói significados, interpreta e compreende fatos e informações.

Enfim, a criança precisa brincar, apenas brincar, para conquistar o mundo!

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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