Quando foi que passamos a nos contentar com a mediocridade?

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 11 de novembro de 2023

Quando foi que passamos a nos contentar com a mediocridade? Enxergamos, mas não percebemos. Escutamos, mas não ouvimos. Quem tapa os nossos ouvidos? Temos ou fingimos, (não sei), empatia com os que sofrem… longe. Aos de perto: naturalizamos.

Quando foi que, como cidade, passamos a nos contentar com a mediocridade? E aplaude-se o circo de falsas profecias em que se faz de palhaço — a plateia. Vende-se humildade sem humanidade. Paulo Coelho diz que “nada mais vaidoso do que dizer que não tem vaidade”. Nova Friburgo deveria ser a maior de nossas vaidades! Assistimos a um personalismo jamais visto, como se a cidade tivesse um dono, um barão, uma só verdade. “A cidade é do povo”: seria um devaneio?  

Eduardo Larangeira Jácome escreve: “o Ótimo é muito melhor do que o Bom”. Que ótimo ler os alertas deste artigo — temo — otimista. O bom é melhor do que o medíocre. Em que degrau nossa cidade paralisou nesta escada? 

Nos preocupamos (e com razão) com o assassinato em massa de israelenses e palestinos, mas não acendemos uma vela de indignação com as tantas mortes evitáveis que ocorrem, por falta de estrutura, no Hospital Raul Sertã. Viramos uma fábrica de doentes com o abandono da saúde preventiva, da saúde básica. Enxuga-se gelo na aposta equivocada ou na maldade acertada de focar na emergência — comemora-se o número de pacientes em emergência. Que tragédia! Saúde de qualidade é aquela que tem hospital vazio. Quanta falta de visão. Morrem tantos, quando muitos poderiam estar vivos. 

Pouco a pouco, quase que, sorrateiramente, destrói-se a identidade de um povo múltiplo. Atacam-se as instituições que nos trouxeram até 2023. Fazendo música ou cuidando de idosos. Biografando nossa história ou atendendo crianças especiais. Quando a identidade de uma cidade é aniquilada, quando se persegue instituições, se mata o sentimento de pertencimento, e, ao não havê-lo, a cidade perde o sentido de ser cidade. 

Luzes para quê? Natal para quem? Que Papai Noel é esse que desfila com suas renas pelas avenidas da cidade, mas deixa os centros de assistência social sem cestas básicas e as pessoas sem remédio? Acena Papai Noel. A farsa, digo, a festa, está montada. Que se lixe o princípio da impessoalidade. Não é esse Papai Noel que as crianças acreditam. Elas preferem um que faça zerar as filas de creche, mas sem tapeação. Creche de verdade é a que oferta tempo integral. 

Todos gostamos de festa, mas quando falta o pão em casa, não dá para convidar a vizinhança para comer brigadeiros. Ninguém é contra a festa pública de Natal. Mas sem exageros na gastança: nem oito, nem oitenta. Ao básico, o irrefutável, o necessário — tudo! Este deve ser o dever prioritário da gestão pública.                 

Enquanto Nova Friburgo amarga a inglória posição de 36º pior município do país em transparência, postagens nas redes sociais não institucionais vendem a impressão de um “Fantástico Mundo de Boby”. Esse desenho era muito bom. O que se pinta por aqui é brega, sem graça, forçado. 

Medíocres são ótimos em produzir coleção de mediocridades, geralmente, com abuso da fé alheia. Não é apenas opinião. Estão nos números, em que todos os dados alertam para a queda livre de Nova Friburgo, que reflete na qualidade de vida de sua população. Não é de hoje, mas continua de forma acelerada. Talvez a velocidade afete os ouvidos. Perturbe os sentidos. A desorganização vigente não precisa de recursos contingenciados, mas de liderança, apreço, vontade e decisão.  

Não! Não à mediocridade! Sim ao que diz Eduardo Jácome: “não se contentar apenas com o bom e sempre buscar fazer cada vez melhor”. “O bom é inimigo do ótimo” é o que espalha o povo nas ruas. Nova Friburgo tem capacidade de se reinventar para melhor. Tem história que assegura seu destino de ser destaque positivo. Tem sua gente empreendedora e valente. Tem a natureza como grande ativo, tão cobiçado nesses tempos de mudanças climáticas. Conjunto de qualidades únicas que me fazem ser um otimista incurável. Inovação. Sair das caixinhas impostas. Criatividade.    

Desculpem-me se pareceu berrar a minha indignação. Ela não é produto do lamento. Ela vem dos potenciais que enxergo e são surrupiados. Ela vem da força motriz que me faz falar o que não se fala para que ecoe o que não se ouve. Queremos paz e paz não é aceitar o que está posto, mas ser ativo na busca por outros rumos. 

Outra Nova Friburgo é possível e é nosso dever olhar além das montanhas e vislumbrar esta cidade como uma das melhores do País, em clara dissonância com o que mostram todos os rankings atuais que nos comparam com outros municípios. Na pseudo frieza dos números há pessoas. É inaceitável o que está acontecendo.  

Exigimos respeito à democracia, à imprensa livre, à diversidade, ao Estado Laico, à inteligência. O amor há de vencer! Nova Friburgo há de se ver e se ouvir Nova Friburgo de novo.

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