Precisamos falar de você

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 29 de abril de 2023

Mulher, eu não posso falar por você, mas precisamos falar de você. O que penso saber, mas não sinto, ainda que tente ser empático. Eu não sei se chego a esse patamar, mas de certo jamais saberei o que passa. 

Homem, eu preciso falar com você sobre elas, ainda que não possa falar por elas. Como homem, por mais que tenha relatos, depoimentos, coleção de fatos estarrecedores de crimes praticados contra elas, não vivo na pele o que elas sofrem.

Nem você. E digo mais: mesmo que você, assim como eu, tenha empatia pelas pautas delas, não sabemos nem de longe as feridas que causamos. Mesmo se você é um aliado, atenção. Pois, erramos e precisamos ouvi-las e aceitar nossos equívocos, por mais que “deslizes” sejam rotulados de bobos. 

Mulher, já vi cantadas indecorosas que deram raiva a mim, imagina o que ecoaram em você. Os tais olhares, de desejo, perturbadores. Eu sei que você não quer que te olhem assim. E os que fazem julgamento pelas roupas que lhe confortam? Sucedidos do sórdido argumento de que a culpa é sua? “Quem mandou dançar assim?”.

As estatísticas mostram que esses inícios “pacíficos” podem levar a crueldades ainda maiores. A erotização do seu corpo, a visão dele de uso, como uso - é abuso.

Homem, presta atenção! Somos herdeiros de uma tentativa contínua de anulação da independência, para não dizer, da existência plena da mulher. Os salários mais baixos para as mesmas funções feitas por nós. Não é justo! Competência não tem gênero. Será igualdade algo tão difícil de entender?

Mulher, romantizamos a maternidade, sem levar em conta o peso na barriga por nove meses, os inchaços e as mudanças no corpo pós-parto. O bico dos seios rachados por ter que amamentar. A má divisão das tarefas caseiras e para com o filho, os adiamentos na carreira profissional. Ser mãe é provavelmente o que de mais humano existe, mas apesar de toda abdicação, abaixo a esse romantismo se a independência de ser mulher é surrupiada.

Homem, compreende que a violência tem muitas facetas. Ela não é somente física, mas também psicológica, comportamental. Você não tem o direito de ler as mensagens no celular dela, muito menos de ordenar a roupa que usa. Não pegue no braço dela, não grite com ela! Se ela quer sexo seguro, com camisinha, não tire o preservativo no meio da transa. Você não pode tudo quando existe o outro, e, ninguém manda em ninguém. Não é não! E isso não é modismo, ainda que seria ótimo se fosse norma permanente. 

Sei que rótulos existem e admiti-los, ajudam a nos prevenirmos deles. Sei que temos uma longa caminhada de conscientização, mas não é porque é longo que não deva ser caminhado. Talvez, seja menor do que ontem. Certamente, ainda é vergonhoso. Sensibilidade para o feminino é apenas um primeiro passo, tanto quanto respeito é dever. 

Patriarcado é um atraso. Machismo é tosco e pede vigilância permanente de quem sabe que ser machista está entranhado nas raízes de nossa criação e precisa ser arrancado das nossas atitudes. Não há justificativa, mas há negação. Precisamos parar de negar e agir de maneira diferente. É urgente cessarmos, todos, com a normalização dessa conduta. 

Que sejamos outro tipo de sociedade, aberta a se educar. Mas acima disso, sejamos pessoas melhores uns para com os outros, para com todos, especialmente, com aquelas que a história prejudicou e ainda marginaliza. Humano é humano, tanto quanto amor é amor e ambas dispensam longas explicações.

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