As abelhas e nossos adiantes

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Vivendo e aprendendo; lendo e descobrindo. Não se pode parar nem de
viver, nem de ler, uma vez que a vivência e a leitura são alimentos do corpo e
da alma que nos dão consistência e nos preparam para os passos que
daremos adiante.
Ora pois, não estamos vivos porque vamos adiante?
Muito bem. Para não fugir do tema, tendência que me faz desviar de
assuntos, vou, mais uma vez, aqui, me referir às fontes cristalinas da vida e da
literatura, nas quais é saudável que finquemos nossas raízes. São fontes
constituídas por histórias. Sim, senhor!, das histórias existenciais e das criadas
literariamente. Da mesma maneira que a maior parte do nosso corpo é
composta de água, os modos como estamos na vida são estruturados por
ideias, e as ideias de palavras. Não é indicado bebermos em fontes de águas
poluídas de ideias precárias, confusas e distorcidas. As cristalinas dão
sustância à forma como imaginamos, percebemos e lidamos com a realidade.
Nada é mais agradável do que bebermos a água transparente de uma fonte, ou
mesmo nos banharmos num mar, onde seja possível ver as conchas
repousadas na areia.
E vejam só minha sede. Quase aos setenta anos, estou lendo “Os Três
Mosqueteiros”, de Alexandre Dumas, editado no século XIX, que me permitiu
fazer uma interessante descoberta: o autor se alimentou das ideias contidas
em “Dom Quixote de La Mancha”, publicada no início do século XVII, que conta
a história de um guerreiro idealista. Os “Três Mosqueteiros” e “Dom Quixote de
La Mancha” retrataram criticamente uma época, tendo a obra de Alexandre
Dumas um cunho história mais determinante.
Também autor do “O Conde de Monte Cristo”, o escritor francês compôs
histórias belamente elaboradas, capazes de prender o autor de qualquer idade,
sexo e nacionalidade. Certamente porque mergulhou em obras de outros
autores que escreveram com maestria. O talento existe, sem dúvidas, mas os
literatos que permaneceram vivos e atuais foram exímios leitores e estudiosos.

Assim é a vida. Será que vamos sobreviver com dignidade caso nos
adiantarmos à toa? O sociólogo Emile Durkheim constatou que as gerações
mais velhas preparam as mais novas para a vida, são fontes a serem
absorvidas por aquelas gerações que ainda não estão capacitadas para o
porvir. As experiências de vida e de leitura podem nos oferecer riquezas a
ponto de nos apoiarem em cada uma de nossas realizações.
Por isso estou lendo “Os Três Mosqueteiros” e aproveitando ao máximo
a narrativa, em cada parágrafo, em cada passagem. Dumas, como Cervantes,
construíram a realidade ficcional com riqueza de detalhes, penetraram no
âmago dos personagens, escreveram criativamente as cenas.
Ao escrever e viver, podemos tomar as abelhas como um bom exemplo.
O fazer do mel não é simples, é trabalhoso e resultado de um delicado
processo de elaboração. As abelhas buscam exatamente as flores que possam
lhes oferecer o néctar de qualidade. Depois de coletá-lo, misturam-no com
duas substâncias secretadas de duas glândulas situadas em suas cabeças, a
invertase e a glicose oxidase. Então, várias reações químicas transformam o
néctar em glicose e frutose, além de torná-lo ácido, impedindo a fermentação.
As abelhas agitam as asas para secar a água presente, desidratando o mel e
matando outros micro-organismos prejudiciais. Finalmente, produzem o mel,
um dos mais nobres e saborosos alimentos.
Não quero ser abelha, nem Dumas, tampouco Cervantes. Quero ser
Tereza, capaz de construir a vida com dignidade e deixar minha obra viva.
Aí, morro em paz!

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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