A culpa ainda é das mulheres?

Lucas Barros

Além das Montanhas

Jovem, advogado criminal, Chevalier na Ordem DeMolay e apaixonado por Nova Friburgo. Além das Montanhas vem para mostrar que nossa cidade não está numa redoma e que somos afetados por tudo a nossa volta.

quinta-feira, 14 de julho de 2022

O machismo está entranhado em nossa sociedade, fato! Apesar de menos do que antigamente, mas sim, ainda hoje é muito comum ouvirmos declarações reprováveis em relação aos crimes de assédio e estupro:

 “Se estivesse em casa... a essa hora na rua, estava pedindo o quê?”; ou “se não bebesse demais...”;  e, por fim, e não menos pior, “essas roupas provocativas, instigam o homem, é hormonal”.

Bom, se você nunca ouviu isso sair da boca de alguém, garanto: você é um privilegiado! E se você é ou já foi responsável por falar atrocidades como essas, saiba que essas justificativas e tentativas de desculpas esfarrapadas em nada condizem com a realidade, que é muito mais sóbria e perversa. Citemos dois casos recentes como grandes exemplos.

O primeiro caso, mais recente, no dia 11 de Julho, envolve um anestesista que foi preso em flagrante pelo estupro de vulnerável de uma paciente que passava por um parto de cesárea, no Rio de Janeiro. O crime só foi descoberto porque enfermeiras desconfiaram do comportamento do rapaz em outros atos, e filmaram escondido, o ato criminoso.

Não teve hora, não teve roupa curta ou muito menos indício. Um médico, durante um dos momentos mais marcantes e emocionantes da vida de uma mulher foi flagrado com o seu órgão genital no rosto de uma paciente, desacordada, sob o efeito de anestesia. Durante um parto, desacordada, e sim, vítima de violência sexual.

Infelizmente, não é um caso isolado, nem o único, o primeiro ou o último que acontecerá por aí. Lembremos-nos de outro não tão recente, em que um ex-médico foi condenado por 52 violações e quatro tentativas contra mulheres também sedadas. Crimes como esse não têm hora, não têm lugar, não têm classe social ou, muito menos, comportamento da vítima que instigue. E por vezes, a violência não acaba no estupro.

O segundo caso, explicita isso muito bem. No dia 23 de Maio, a atriz Klara Castanho teve um episódio marcante e comovente da sua vida íntima exposta, por sites e redes de fofoca, tomados pela insensibilidade que reinou sobre a ética profissional — tanto dos jornalistas, como da equipe médica, uma das grandes responsáveis por vazarem a história.

Jornalistas acharam por bem divulgar nos sites de fofoca o fato de uma atriz, de 21 anos, ter dado à luz uma criança, que foi colocada para adoção. A publicação foi apagada logo em seguida, mas a exposição foi cruel. Klara, em suas redes, extremamente dolorida diante de toda a situação, contou a verdadeira história: Ela havia sido estuprada, tomou todas as pílulas preventivas, fez os exames, mas ainda sim, descobriu-se grávida nos estágios finais da gestação.

Então, diante de toda dor de ter vivido um estupro, escondeu-se o máximo possível, das redes, dos holofotes, até que a criança nascesse. Optou, por motivos compreensíveis, doar o recém-nascido, procedimento previsto por lei, de forma totalmente sigilosa, mesmo que ela nem tivesse sido vítima de violência sexual.

Mais uma vez, em um caso não isolado, mais uma vítima de estupro, violentada não somente pelo seu estuprador, mas também por mais quem deveria protegê-la. Nos casos acima, as equipes médicas, em outros casos, os próprios familiares.

É essencial tomarmos muito cuidado com a justificativa desses crimes e impor responsabilidades às vítimas, por conta do preconceito e do machismo. Não existe hora e nem lugar, qualquer mulher pode ser vítima desses crimes, estando de roupa curta ou desacordada na maca de um hospital em trabalho de parto. Não há como se defender, a violência é social!

E não pense que os casos de estupro têm aumentado ou têm acontecido muito nos últimos tempos. Eles são apenas o topo de um iceberg, uma pequena parcela dos crimes que aparecem e chegam até uma denúncia. A parte debaixo do iceberg, a maior, representa todos aqueles crimes ocultos, que nunca tiveram a divulgação ou mesmo, que nunca foram falados para ninguém.

E a pergunta que não quer calar: Até quando a responsabilidade de sofrer um crime sexual recairá sobre as suas vítimas?

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