Será que a literatura pode fazer mal ao leitor?

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 07 de junho de 2021

Esta semana participei de uma discussão inédita no Clube Clássicos da Literatura, idealizado e coordenado por Márcia Lobosco, quando avaliávamos as repercussões que a leitura fez na vida da personagem Emma, da obra Madame Bovary, de Gustave Flaubert(*): será que a literatura pode prejudicar o leitor? 

Confesso que fiquei tomada pela pergunta ao longo da noite. Até agora, dois dias depois, para dizer a verdade. Sempre me detive nos aspectos positivos da literatura. Mas será que, por alguma razão, ela pode não fazer bem?

Apesar de todas as circunstâncias poderem ser analisadas sob os pontos de vista do bem e do mal, tenho preocupações em não ficar na dualidade simplista do pensamento maniqueísta, haja vista que a literatura tem amplitude e toma os fatos da vida humana e natural com generosidade, tal qual um abraço carregado de afetos.

Talvez dois pontos de vista possam me alicerçar o pensamento neste momento, a do escritor e a do leitor. O que pode existir nessa relação? Há longos caminhos entre o inusitado e o incrível, entre o previsível e o imponderável. Entre o pensamento de um e de outro, tudo pode influenciar. Além do que entre o escritor e cada um dos seus leitores existem interações únicas. Ah, está aí a magia da literatura! Enquanto o texto é escrito, o autor é seu dono. Mas quando está pronto e disposto ao mundo, o leitor se torna proprietário soberano da obra.  

Ao escrever, o escritor faz do texto o que tiver vontade; pode construí-lo, ou modificá-lo quantas vezes que quiser. Até guardá-lo na gaveta. Ao ler, o leitor o utiliza do modo que decidir; pode escolher as raízes de uma árvore para se acomodar ou uma poltrona da varanda para ler o texto, se em forma de livro, jornal, revista ou manual. Pode repousá-lo na mesinha de cabeceira para lê-lo antes de dormir ou acordar. Pode passar o texto adiante ou esquecê-lo no banco da praça. 

O escritor e o leitor possuem uma gama de opções. Têm livre arbítrio. 

Porém, os modos pelos quais uma ideia nasce e se converte em obra literária são únicos e emergem de características especiais na história de vida de um vivente, que, por acaso ou não, decide escrever um texto. Da mesma forma, um leitor possui genuínos e diversos motivos para escolher e deter-se em uma leitura, retirando ideias de suas linhas que toquem em seus interesses, medos e formas de viver. 

    Se um texto possa vir a ser fortuito ou não na vida de um escritor ou de um leitor depende de questões pessoais. Como escritora, não gostaria de escrever histórias de terror. Como leitora, vou ter medo de ver os fantasmas que um escritor criou. 

Não é que agora senti vontade de escrever uma história? Vou começar a dançar sobre o tapete da minha sala, quem sabe ele não saia pela janela e sobrevoe as praias do Mediterrâneo? 

 

(*) Emma vivia numa pacata cidade no interior da França e, desde jovem, lia revistas e livros que abordavam a glamurosa vida de Paris. A leitura, o casamento e outras razões pessoais criaram insatisfações na personagem a ponto de torná-la inadaptada às circunstâncias nas quais estava inserida.

 

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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