Ah, se eu soubesse…

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 29 de maio de 2021
Foto de capa

Se eu soubesse ontem o que sei hoje, cometeria as mesmas besteiras ainda mais prazerosamente. Eu me entregaria ao delírio de errar ainda mais deliberadamente, sem compromisso com o arrependimento, sem o receio de pecar. Porque aprendi que julgar é para os juízes e, definitivamente, recuso o trabalho de sentenciar alguém, inclusive a mim mesmo. 

De tudo que acumulei para saber o que sei hoje, o que mais me serve é a experiência de afirmar a vida. E só cheguei a esse grau de existência pelos amargores da autopunição, do medo, do remorso bobo. Hoje, sei que foi tudo isso que me tornou mais leve, mais festivo com os dias e menos desobrigado a ter que acertar. 

O que é certo, afinal? O certo não seria o contraponto ao erro? Mas o que é erro? Como saber o que é certo sem conhecer ou mesmo experimentar o erro? Esse dilema é uma falácia dos tempos contemporâneos que só alimentam a depressão e os laboratórios farmacêuticos ávidos por novas fórmulas que encarecem suas pílulas.

Eu? Tomo sorvete. Flocos, morango e pistache. Masco chiclete, porque não fumo, mas a fumaça do Malboro alheio não me incomoda. (Nem sei se ainda existe essa marca de cigarro). A maioria dos fumantes que conheço só traga Sampoerna. Quando criança, como dizia a propaganda, aprendi: “não fume, coma chocolate”. 

Se quiser fumar, eu fumo. Desaprenderia, mas prefiro mesmo chocolates. Apenas questão de gosto. Você tem o seu, eu tenho o meu. Apitar futebol fica para o árbitro. Eu prefiro xingar das arquibancadas, comemorar o gol ou chorar a derrota. Seja o resultado que for, tenho pretexto para tomar um chope para chorar as mágoas ou celebrar a conquista.

Evoluir não é pendurar diplomas na parede. O letramento não está apenas nas academias científicas. As ruas estão repletas de professores, os encontros são verdadeiras universidades, nossas vivências nos ensinam alfabetos e equações, cujas fórmulas muitas das vezes não são passíveis de regras reaplicáveis. 

Cada um escreve a sua, por mais que a experiência do outro possa nos orientar. Observação e empatia são emblemas para se carregar no peito, independente da camisa que vista. 

Viver é o que temos. A forma como viver – escolhemos. E não importa ter escolhas diferentes. Por que só ir até Florianópolis se podemos esticar até Buenos Aires? 

O direito de mudar acompanha o dever de contemplar e entre supostos direitos e deveres, ninguém pode cassar a liberdade de ser o que se é e de se reinventar. Até ser palhaço, quando o mundo pede de nós circo. Mas jamais ser palhaço apenas por ego. 

Se eu soubesse ontem o que sei hoje, seria tudo muito parecido e não arriscaria voltar no tempo, se pudesse, para fazer escolhas diferentes. Apenas tiraria dos ombros todo peso imaginário. Não iria mais decisivo ou menos incisivo, apenas seria como fui para chegar a quem sou hoje. Eu me divirto mais.  

Experimentar a serenidade é uma dádiva cujos sabores podem até escapar da língua, mas jamais da alma. Toda essa confusão lá fora seguirá a persistir. A lida com isso é que não gera mais em mim combustão conflitante.

Se explodir, sou foguete rumo ao pouso numa estrela qualquer, com passagem de volta... Porque com o que sei hoje, não dá para esquecer ou negar toda beleza que existe cá.                 

 

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