Entre mulheres, palavras e orvalhos

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Vou aqui relatar uma interessante experiência literária que tive recentemente. Com todas as dificuldades que enfrentamos neste ano de 2020, a literatura, mais uma vez nos mostrou seu poder de superação. É a expressão humana que está constantemente pronta a ir além. De apontar para horizontes, mesmo quando as nuvens carregadas retiram do nosso olhar o encontro da paisagem com o céu. É a arte que se aventura ao vazio, preenchendo-o com palavras cuidadas por pensamentos inquietos e mãos sensíveis. É o culto à beleza humana que nunca se esgota, mesmo nos tempos de pandemia.

Participei da coletânea Juntas e Diversas Contos, organizada por Márcia Lobosco, que reúne contos inéditos, escritos exclusivamente por mulheres, ilustrados com os sensíveis traços, também femininos. No início do processo de produção textual, nos momentos de inspiração, eu me lembrei de um texto escrito, guardado há mais de vinte anos, que ficava perambulando entre outros na minha pasta verde de páginas rascunhados. Foi uma das minhas primeiras tentativas de escrever um conto, que consistia no registro de uma memória, em que narrei o dia em que descobri o meu primeiro fio de cabelo branco. Foi uma relíquia que retirei daquele baú que todo mundo tem em que são repousados nossos melhores diamantes. Repousados porque a todo instante podem voar, ganhar novas formas e descobrir outros abrigos. E foi isso o que aconteceu. O texto em papel amarelado, escrito à mão, provavelmente com Caneta Bic, foi habitar num livro atual. Recebeu adornos e maquiagem. Ficou pronto para se apresentar ao leitor.

Ao ler os contos da coletânea, entrei em contato com a sensibilidade e a intuição feminina de cada uma das autoras, porém não tanto diferente uma das outras, até naqueles escritos em estilo ficcional. Ah, a mulher, não posso compará-la a nenhum outro ser que não seja mulher. Talvez porque pressinta que o feminino tenha o poder de perceber a alma de todos os seres que habitam neste planeta, inclusive das montanhas, que foram o mote do livro. Será que nossas montanhas são femininas? A palavra já é. Entretanto a rocha, coberta pela mata, é um ser feminino? Acredito que sim. Porque delas emanam uma tal emoção, uma tal empatia para com as pessoas que vivem em suas terras, que suscitam tamanha inspiração, ternura e receptividade. Porque acolhem e alimentam os mais variados tipos de vida.

Qual a mulher friburguense que não tem a firmeza de uma Catarina? O poder de purificar como as águas que nascem nos picos e nas encostas do Caledônia? A fertilidade de suas florestas? A dor das queimadas? Ah, as montanhas e nós mulheres friburguenses nos encontramos, nesta coletânea, entre palavras e orvalhos, e mostramos a resiliência que guardamos no ventre. Nossos textos viajaram do presente ao passado, encontraram-se com pessoas que já se transformaram em estrelas, refizeram caminhos e escalaram montanhas. Foi uma relação prazerosa. Mas tinha outro jeito de ser?

Esta experiência nos fez montanha. Com certeza. E se alguém assim me chamar, vou sentir orgulho das florestas que habitam meu corpo e dlos rios que correm em minhas veias.

 

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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