“Saldo da pandemia será devastador”, prevê especialista em transportes

Doutor pela Coppe-UFRJ diz que empresas do setor estão entrando na Justiça contra municípios
terça-feira, 18 de agosto de 2020
por Guilherme Alt (guilherme@avozdaserra.com.br)
Gilmar: preços dos insumos tem sofrido oscilações e o número de passageiros continua em queda
Gilmar: preços dos insumos tem sofrido oscilações e o número de passageiros continua em queda

Por conta da grande repercussão que a reportagem publicada no último fim de semana sobre os itens que compõem a tarifa dos ônibus urbanos em Nova Friburgo gerou,  A VOZ DA SERRA procurou um especialista no assunto para destrinchar o que realmente é levado em conta para se chegar ao preço final das passagens.

Segundo Gilmar de Oliveira, doutor em engenharia de transportes pela Coppe-UFRJ e que prestou consultoria para a empresa Friburgo Auto Ônibus (Faol) por conta da pandemia, muitas empresas do setor estão fechando as portas e entrando na Justiça contra os municípios. Para Gilmar, a razão principal é que a conta não fecha gerando acúmulos de prejuízos.

O especialista mostra que seu trabalho consiste em monitorar os custos de prestação do serviço, os investimentos feitos e a demanda de passageiros, para realizar estudos de impacto na tarifa. “Todos os anos a concessionária tem que apresentar os estudos de tarifa, com atualização dos dados da produção do serviço (quilômetros rodados e frota), de preços (insumos como diesel, pneus, peças etc.) e de mercado (passageiros pagantes). Basicamente, a equação da tarifa consiste em dividir todos os custos pelos passageiros que pagam pelo serviço”, explicou.

Ainda segundo Gilmar, a metodologia de cálculo de tarifa (planilha de custos) é a mesma aplicada em todas as cidades organizadas, o que muda são as características locais, tais como a quantidade e característica da frota, a demanda e passageiros pagantes, os quilômetros percorridos mensalmente, as gratuidades etc. Gilmar explica que a planilha de custos é basicamente dividida em dois grandes grupos: custos variáveis (pneus, peças, diesel etc.) e custos fixos (pessoal, encargos, custo de capital e despesas administrativas).

Tarifa é cara para o usuário e barata para a empresa 

O especialista lembra que o serviço de transporte é essencial e é um direito social garantido na Constituição – uma obrigação que cabe aos poderes executivos e estes delegam à iniciativa privada por meio de um contrato de concessão. “Nesse período de pandemia, as empresas em todas as cidades estão enfrentando dificuldades. O transporte público hoje tem a mesma importância que os demais direitos fundamentais, como saúde, educação, segurança e outros. O grande problema é que as tarifas hoje estão caras para o usuário do serviço e insuficientes para remunerar o concessionário”, disse Gilmar ao justificar que o número de usuários pagantes tem diminuído.

 “A queda gradual da demanda de pagantes provoca sucessivos aumentos de tarifa, que por sua vez afastam os clientes. Somente nos últimos cinco anos o setor de transporte perdeu entre 20 e 25% da demanda de pagantes”, relatou Gilmar observando que é necessário baratear as tarifas e a solução pode estar em fontes extratarifárias, a exemplo do que ocorre nas cidades do exterior. “Nas cidades europeias, por exemplo, a tarifa paga pelo usuário corresponde a pouco menos da metade da tarifa de remuneração do serviço. Aqui tivemos a lei federal 12.857/2012 que estabeleceu as diretrizes da política nacional da mobilidade urbana. Há um capítulo dedicado coletivo e nele, uma das diretrizes estabelece que tarifa de remuneração do serviço (aquela que deve ser suficiente para cobrir os custos do operador) deve ser composta pelo preço público, cobrado do usuário, acrescido de outras fontes de custeio”, diz.

Na avaliação de Gilmar, nos últimos anos as empresas tem feito um esforço para melhorar a produtividade, investindo em tecnologia, economia de escala e adotando práticas gerenciais mais modernas – o custo de prestação do serviço tem sido reduzido. “O problema está na queda dos passageiros pagantes, pois são eles que sustentam a prestação do serviço. As variações de preços de insumos também afetam o setor. O diesel tem sofrido oscilações tremendas nos últimos 12 meses e isso influi diretamente nos custos do setor”, pontua.

Omissão dos municípios

O doutor em engenharia de transportes destaca que, por conta da pandemia, muitas empresas do setor estão ajuizando ações contra as prefeituras por omissão, tendo em vista que muitos municípios obrigaram as empresas a manter a frota plena mesmo com a queda de 75% a 80% dos passageiros nas primeiras semanas.

 “Ainda que se tenha uma economia com a retirada de circulação de alguns coletivos, essa economia se aplica apenas sobre os custos variáveis do setor (combustível, peças, etc). E os custos variáveis representam apenas 30% do custo total. Os custos fixos, representam 70% e esses não podem ser reduzidos, pois são salários, encargos, prestações dos investimentos, despesas com terceiros, infraestrutura (garagem frota, máquinas, equipamentos)”, explicou.

“Se uma empresa operou com 50% da frota em determinado período da pandemia, ela somente economizou custo variável, que representa 30% do total. Portanto, 50% x 30%, significa que reduziu apenas 15% do custo total. Mas a demanda de pagantes caiu 75%, 70%, 60% em muitos casos. Essa conta não fecha”, continuou Gilmar.

Para ele, a pandemia trará sérias consequências, alguma irreversíveis para o transporte público. “O saldo da pandemia no setor de transportes será devastador. Muitas empresas já fecharam as portas e outras mantiveram a operação contraindo novas dívidas, que deverão ser pagas e afetarão o fluxo de caixa. Há casos em que houve alguma assistência (do município), como antecipação de crédito de passagens, subsídio emergencial, e outros, mas a maioria dos municípios foi negligente a esse respeito”, apontou.

 

LEIA MAIS

Validade do cadastro passa a ser indeterminada a partir desta quinta

Presente ao encontro, presidente do DER-RJ se compromete a dar prosseguimento aos estudos dos traçados

Projeto foi ressuscitado em encontro na Acianf no último dia 15, entre o presidente da Comissão de Obras da Alerj e empresários friburguenses

Publicidade
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Publicidade
Publicidade
Publicidade

Apoie o jornalismo de qualidade

Há 79 anos A VOZ DA SERRA se dedica a buscar e entregar a seus leitores informações atualizadas e confiáveis, ajudando a escrever, dia após dia, a história de Nova Friburgo e região. Por sua alta credibilidade, incansável modernização e independência editorial, A VOZ DA SERRA consagrou-se como incontestável fonte de consulta para historiadores e pesquisadores do cotidiano de nossa cidade, tornando-se referência de jornalismo no interior fluminense, um dos veículos mais respeitados da Região Serrana e líder de mercado.

Assinando A VOZ DA SERRA, você não apenas tem acesso a conteúdo de qualidade, mantendo-se bem informado através de nossas páginas, site e mídias sociais, como ajuda a construir e dar continuidade a essa história.

Assine A Voz da Serra

TAGS: Transporte