Castelo de areia

Paula Farsoun

Com a palavra...

Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

sexta-feira, 05 de junho de 2020

Hoje me permitirei a paráfrase. De mim mesma. Das minhas próprias palavras publicadas. Muita coisa continua igual, infelizmente, embora o cenário esteja ainda pior. Em fevereiro de 2018, nesta coluna, publiquei um texto intitulado “O mundo não é bipolar”. E continua não sendo, embora a dicotomia se mostre absolutamente presente em algumas estruturas de pensamento, a meu ver, humildemente, limitadas.

Somos hoje o triste epicentro da crescente curva de contaminados e mortos da pandemia provocada pelo coronavírus. Nenhum dos nossos vizinhos se depara com tamanho desafio e os números absolutos de vítimas passam longe de nós. Somos parte de um país absolutamente desigual. Nossa desigualdade histórica, estrutural, abissal e das mais diversas ordens vem se agravando nesse momento. E infelizmente há quem siga teimando em ampliar as lacunas e evidenciar lados, fomentando ainda mais as disparidades sociais seríssimas que experienciamos e enaltecendo uma guerra de lados cujos perdedores somos todos nós.

Repito: que enfadonha essa tentativa de dividir o posicionamento e as opiniões das pessoas em esquerda ou direita, certo ou errado, bem ou mal, sim ou não, como se não existissem plúrimas visões e interpretações sobre os mesmos fatos, como se a vida devesse ser necessariamente polarizada. Não deveria. Mas às vezes tem sido. É enfadonha, aliás, a própria necessidade de se ter opinião sobre tudo quando o que se faz necessário em um cenário atipicamente caótico como o atual é aparato técnico-científico, pesquisa, estudo de credibilidade, fonte fidedigna e verdadeira de conteúdo sério produzido por quem tem expertise para tanto.

Não é porque você está certo que eu estou errada. E vice-versa. Tudo tem mais de um lado, que não só o seu ou o meu. Há liberdade de pensamento, de crenças, de ideologias políticas, de filosofia de vida, embora tanta gente teime em categorizar a vida em apenas dois lados. Não é bem assim, não é sempre assim. Ou não deveria ser. Mas há momentos em que as divergências não podem ser o ponto central da questão, simplesmente porque não vão resolver as mazelas sociais, não apresentarão respostas às questões sérias que envolvem vidas humanas.

O que achamos ou deixamos de achar, se não for impactar positivamente nas vidas das pessoas, passa a ser pensamentos lançados ao vento sem nenhuma eficácia prática. Precisamos de soluções concretas, pensamentos voltados para o que interessa, pois se chega a um ponto em que valores intransponíveis estão em jogo: vidas humanas. Não dá para brincar, não é possível resetar a partida, bagunçar o tabuleiro, parar de jogar.

Não é a imprensa. Não é culpa do professor. Não é o político X, o filósofo Z ou o amigo Y. Não somente. É a bagagem de vida, são os pensamentos, os valores, as vivências que livremente fazem parte de nossas existências e nos transformam no que somos: seres múltiplos, complexos, diferentes. E de nada adiantarão se não puderem transformar esse ambiente compartilhado chamado Planeta Terra.

A vida polarizada tem se mostrado deveras triste. O vírus está entre nós. Matando nossa gente. Corroendo nossas bases. Evidenciando nossas feridas. Causando falta de ar. Falta de tudo. E ainda assim, vale o bate-boca, a guerra de perdedores, a disputa de egos, a irresponsabilidade desvairada. Vergonha alheia que não tem mais fim. Não se consegue focar no combate à pandemia com a seriedade e devida importância que a situação impõe. O vírus fez morada por aqui e se deparou com um ambiente fértil de propagação: desordem, descaso, despreparo, desunião, desmando, deboche, desumanidade.

Enquanto isso, nosso povo vai perecendo, as pessoas vão morrendo e as ausências jamais serão supridas. Há muita batalha. Há aqueles que estão lutando com suas próprias vidas para salvar a de outros. Há os que se solidarizam. Os que buscam alternativas. Os que estendem mãos. Os que pensam em saídas. Que pensam no próximo. Que pensam nas vidas.

E há os que quando não indiferentes, riem e se aproveitam disso tudo que está aí. Palavras ao vento. Castelo de areia. Que pena.

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Paula Farsoun

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Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

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