O polêmico pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, em cadeia nacional de TV na noite de terça-feira, 24, minimizando a pandemia e defendendo que somente pessoas de grupos de risco permaneçam em isolamento social, repercutiu também em Nova Friburgo. Contrariando o que pregam autoridades de saúde do próprio Brasil e do mundo inteiro, Bolsonaro pediu a suspensão da quarentena, a volta às aulas e, mais uma vez, chamou o Covid-19 de "uma gripezinha", além de acusar a imprensa de disseminar uma histeria social.
Presidente regional da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Márcia Carestiato disse ser favorável à retomada das atividades industriais para que não haja prejuízos à economia. “Aqui em nossa região o pensamento é realmente de retornarmos. Não podemos deixar as indústrias quebrarem. O desaquecimento do mercado, que vinha até reagindo neste início de março, será fatal para todos . Porém, também acho importante um isolamento consciente das pessoas mais vulneráveis. Já estamos em isolamento esta semana. Tudo bem, mas poderíamos já voltar na próxima semana com consciência e cuidado, número reduzido de funcionários, fazendo turnos diferentes e mantendo o que puder para minimizar algum contágio. Fica difícil para a indústria que já vinha de uma crise continuar parado, o desemprego gerará uma crise muito pior. Precisaremos também de uma atuação do governo injetando dinheiro no mercado para que não haja uma parada geral da economia . Momento muito complicado”, avaliou Márcia.
No mesmo tom, o presidente da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Nova Friburgo (Acianf), Julio Cordeiro, não quis entrar na polêmica sobre se o presidente está errado ou certo ao minimizar a pandemia. Mas defendeu que, passados estes 15 dias de quarentena decretados pelas autoridades, a reabertura gradual de setores do comércio e da indústria é imprescindível para manter a economia girando, permitir uma recuperação rápida e evitar um agravamento da crise.
"Estamos diante de um grande dilema. Temos que ter bom senso e, aos poucos, voltarmos à normalidade sem, no entanto, abrir mão da saúde, sobretudo dos mais vulneráveis. As empresas não podem continuar paradas por um período prolongado demais, a economia não suportará. Isso vai gerar desemprego em massa, e o governo não conseguirá amparar essa massa de trabalhadores de desempregados. Temos que flexibilizar e voltar a produzir aos poucos, sem criar um caos econômico", afirmou.
Mauro Cordeiro, presidente do SindiMetal, defende que as atividades sejam retomadas, mas com conscientização. “O presidente tem razão em dizer que a economia não pode colapsar e precisar retomar seu ritmo. Os 15 dias de paralisação estão sendo feitos para achatar a curva de crescimentos do vírus. Após esses 15 dias, as indústrias devem ter suas atividades retomadas com conscientização e prevenção com seus colaboradores, e pessoal de risco afastados. O colapso da economia irá afetar todas as famílias brasileiras, podendo faltar o básico em suas mesas. Nós, da indústria, devemos trabalhar para mitigar os impactos”, disse.
Já a infectologista Délia Engel, consierou a fala de Jair Bolsonaro irresponsável e totalmente desconectada da ciência. “Vejo com grande preocupação o pronunciamento do presidente Bolsonaro ontem. Não só teve uma postura em desacordo com o próprio Ministério da Saúde, mas com todo o esforço que vem sendo feito baseado em estudos científicos que mostram a importância do isolamento social neste momento. Sabemos que é inevitável que mais de 50% da população entrarão em contato com o vírus. O Brasil está numa curva crescente de casos e o número de infectados dobra a cada dia, como descrito na nota da Sociedade Brasileira de Infectologia hoje. O que se procura é o achatamento da curva, diminuindo o volume de pessoas que vão precisar de internação ao mesmo tempo. A atitude do presidente está totalmente desconectada da ciência. Ao tentar não se comprometer com as perdas económicas inevitáveis dentro do cenário de uma pandemia, coloca em risco a população brasileira. Cerca de 20% das pessoas que necessitam internação têm menos de 45 anos. A fala do presidente foi irresponsável, e interromper o isolamento social vai aumentar o número de internações e mortes na população brasileira. O presidente deveria neste momento estar articulando a forma de ajudar a população através de pacote de renda básica pra quem vive em condições precárias", afirmou
A Prefeitura de Nova Friburgo, por meio do Comitê Operacional de Emergência (COE), informou que vai seguir as recomendações do Ministério da Saúde e manterá todas as medidas, sem exceção, publicadas em decreto, e que visam a prevenção e o enfrentamento do Covid-19. A prefeitura também enfatizou que o momento é de união “em prol de um bem maior, que é a saúde da população”. Por fim, a nota termina orientando que o isolamento social é a maneira mais eficaz de prevenção.
O presidente da Câmara de Vereadores de Nova Friburgo, Alexandre Cruz, se mostrou perplexo com o pronunciamento de Bolsonaro e disse que o momento é de preservar vidas. “O presidente da república é a autoridade máxima desse país. A minha perplexidade é de na atual conjuntura termos uma declaração desse tipo. Entendemos a preocupação com a economia, mas a partir do momento que o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde se posicionam nesse sentido (recomendar o isolamento social) há uma controvérsia que a gente fica preocupado. Todos foram pegos de surpresa por conta do pronunciamento. As autoridades devem deixar de lado todas as vaidades possíveis, não é um momento de fazer política, de cuidar da população. Nesse momento o que vale é a vida”, disse Alexandre.
O vereador Professor Pierre julgou que o pronunciamento foi um desrespeito desumano e chamou de covardia a estratégia do presidente ao lidar com a pandemia. “Estou perplexo. O chefe do Executivo Nacional entrou em total confronto com as orientações médicas no Brasil e no mundo. Em hipótese alguma é uma "gripezinha" – houve um desrespeito desumano com todos que já morreram, ainda padecem e padecerão com os efeitos do vírus. Essa fala desagregadora procura minimizar e criticar toda uma necessária mobilização de conscientização em defesa da vida – “fique em casa”. Em verdade, essa postura funciona como uma estratégia que revela covardia em assumir e enfrentar o problema socioeconômico certamente decorrente. Ao fazer isso, o presidente tenta se livrar de responsabilidades, para lançar a culpa desse problema futuro especialmente sobre governadores, prefeitos e a imprensa. Nesse sentido, o pronunciamento do presidente foi um total desarranjo, tal qual um maestro que concorre para a desarmonia da orquestra pela qual é responsável. Por fim, essa crise mundial, sem precedentes nos últimos séculos, com o clima de incertezas, desconectou a máquina econômica, e o Brasil, como parte do mundo, sofrerá impactos os quais precisam ser enfrentados em conjunto, por meio de desafiadoras medidas de repactuação”, disse.
A Defesa Civil voltou a enviar mensagens para os friburguenses orientando o isolamento social. “Evite aglomerações e mantenha o ambiente ventilado. Nós estamos fazendo a nossa parte. Faça a sua também. Todos juntos contra o Coronavirus!”, comunicou via SMS.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva considerou "intolerável e irresponsável" o que chamou de "discurso da morte” do presidente Jair Bolsonaro. A entidade afirmou que, em sua fala, que classificou como "incoerente e criminosa", o presidente "nega o conjunto de evidências científicas que vem pautando o combate à pandemia da COVID-19 em todo o mundo, desvalorizando o trabalho sério e dedicado de toda uma rede nacional e mundial de cientistas e desenvolvedores de tecnologias em saúde."
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o vice-presidente, Antonio Anastasia, divulgaram nota classificando como "graves" as declarações do presidente Jair Bolsonaro. "Neste momento grave, o país precisa de uma liderança séria, responsável e comprometida com a vida e a saúde da sua população. Consideramos grave a posição externada pelo presidente da República hoje, em cadeia nacional, de ataque às medidas de contenção ao covid-19. Posição que está na contramão das ações adotadas em outros países e sugeridas pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS). Reafirmamos e insistimos: não é momento de ataque à imprensa e a outros gestores públicos. É momento de união, de serenidade e equilíbrio, de ouvir os técnicos e profissionais da área para que sejam adotadas as precauções e cautelas necessárias para o controle da situação, antes que seja tarde demais. A nação espera do líder do Executivo, mais do que nunca, transparência, seriedade e responsabilidade. O Congresso continuará atuante e atento para colaborar no que for necessário para a superação desta crise."
A Sociedade Brasileira de Infectologia se disse preocupada com a fala de Bolsonaro, e considerou que as declarações podem dar a falsa impressão de que as medidas de contenção social são inadequadas. Os infectologistas classificaram a pandemia como "grave", e disseram que é temerário associar que as cerca de 800 mortes por dia causadas pela doença na Itália, a maioria entre idosos, esteja relacionada apenas ao clima frio do inverno europeu.
A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia disse que qualquer medida que abrande o isolamento da população será "extremamente prejudicial" para o combate à Covid-19.
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